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Direito administrativo como possibilidade e obstáculo à concretização da cidadania

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Academic year: 2021

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BRUNA RIGOLI

O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO POSSIBILIDADE E OBSTÁCULO À CONCRETIZAÇÃO DA CIDADANIA

Ijuí (RS) 2015

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BRUNA RIGOLI

O DIREITO ADMINISTRATIVO COMO POSSIBILIDADE E OBSTÁCULO À CONCRETIZAÇÃO DA CIDADANIA

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: MSc. Aldemir Berwig

Ijuí (RS) 2015

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Dedico este trabalho primeiramente a Deus por ser essencial em minha vida, presente em todas as horas; aos meus adoráveis pais, Valdeceu e Elenita, que sempre me incentivaram; a meu namorado, pelo apoio e dedicação que a mim dispensou nos momentos em que precisei; e a todos que de uma forma ou outra me ajudaram durante estes anos da minha caminhada.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela vida, por ter me encaminhado e me iluminado para realizar mais uma jornada.

Ao meu orientador, Aldemir Berwig, companheiro de caminhada ao longo do curso, por sua dedicação e por me proporcionar о conhecimento nãо apenas racional, mаs а manifestação dо caráter dа educação nо processo dе formação profissional.

Aos meus familiares, em especial a meus pais, meus irmãos, que sempre me incentivaram a lutar e jamais desistir, que me apoiaram de maneira para que este e muitos outros sonhos se realizassem.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, meu sincero agradecimento.

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Eles começaram perseguindo os comunistas e eu não protestei porque não era comunista. Depois, vieram buscar os judeus, e eu não protestei, porque não era judeu. Depois, ainda, vieram buscar os sindicalistas e eu não protestei porque não era sindicalista. Depois vieram me buscar. E já não havia ninguém para protestar. E Não Sobrou Ninguém. (Martin Niemöller)

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RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso analisa o Direito Administrativo como possibilidade e como obstáculo à concretização da cidadania. Para a análise, parte da criação do Direito Administrativo, apresentando um estudo de seu surgimento a partir da Revolução Francesa, observando suas causas e os motivos que impulsionaram este acontecimento. Também se evidencia o papel do Direito Administrativo na efetivação da cidadania. Aborda o surgimento do Direito Administrativo e sua evolução, chegando ao contexto brasileiro, momento em que ocorre a sua estruturação, a partir do princípio da legalidade e frente à necessidade de efetivação de diversos direitos fundamentais, estabelecidos constitucionalmente, reivindicados por uma sociedade que, embora diante de uma ampliação das prestações sociais, reclama por sua maior concretização. Com esta abordagem, conclui na tentativa de compreender se o Direito Administrativo pode ser considerado possibilidade ou obstáculo à concretização de direitos materiais necessários a plena cidadania e que são deveres constitucionais da Administração Pública.

Palavras-Chave: Direito Administrativo. Revolução Francesa. Evolução do direito. Cidadania no Brasil.

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ABSTRACT

This course conclusion work analyzes the Administrative Law as a possibility and as an obstacle to the achievement of citizenship. For the analysis, part of the creation of Administrative Law, presenting a study of their emergence from the French Revolution, noting its causes and motives that drove this event. Also highlights the role of administrative law in effective citizenship. Discusses the emergence of administrative law and its evolution, reaching the Brazilian context, at which its structure is, from the principle of legality and against the need for execution of various fundamental rights, established constitutionally claimed by a society that, although before an extension of benefits, claims by his greatest achievement. With this approach, we conclude in an attempt to understand whether the Administrative Law can be considered whether or obstacle to the achievement of materials necessary rights to full citizenship and are constitutional duties of public administration.

Keywords: Administrative Law. French Revolution. Development of the law. Citizenship in Brazil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO ... 11

1.1 A Revolução Francesa de 1789 ... 11

1.1.1 Causas da Revolução Francesa ... 14

1.1.2 Direitos do Homem e do Cidadão ... 15

1.2 O surgimento do Direito Administrativo na França, sua adoção e evolução no Brasil ... 17

1.3 O Direito Administrativo no contexto brasileiro e a sujeição do cidadão ... 20

1.4 O Direito Administrativo e suas relações com os direitos de cidadania ... 22

2. DIREITO ADMINISTRATIVO, CIDADANIA E INTERESSE PÚBLICO ... 25

2.1 O desenvolvimento da cidadania no Brasil ... 27

2.2 O Direito Administrativo e o interesse público ... 32

2.3 A concepção de Bandeira de Mello sobre o interesse público ... 34

2.4 Compreensão do conceito de cidadania a partir da ideia de participação social ... 35

CONCLUSÃO ... 39

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INTRODUÇÃO

A humanidade, desde os seus primórdios até os dias atuais, percorre um longo e ao mesmo tempo tortuoso caminho, tudo isso pela necessidade e pelo desejo de sociabilidade. De animal insignificante a ser humano organizado em sociedade, inúmeras transformações sociais, políticas e econômicas ocorreram, sendo que de modo significante, aparece a moderna cidadania a partir dos direitos do homem estabelecidos após a Revolução Francesa. A ciência jurídica, relacionada com a existência da vida humana em sociedade também passou por diversas modificações, na esperança de um mundo mais justo.

A cidadania está diretamente ligada com a participação do indivíduo na comunidade econômica, política e social do Estado. Considerando isso, sabe-se que é impossível que a lei caminhe sempre na retaguarda dos acontecimentos sociais, pois a cada dia surgem novas demandas, novas necessidades que necessitam de novas leis. Apesar disso, nota-se que, não se trata de produzir mais leis, e sim, de aplicá-las de acordo com a sua necessidade, caso contrário, verifica-se estar diante de um obstáculo.

Este trabalho de curso tem como objetivo principal observar o desenvolvimento do Direito Administrativo desde o seu aparecimento até os dias atuais, busca-se verificar ainda, em que medida possibilita uma concretização da cidadania no Brasil, seja fortalecendo-a, ou em que medida é um obstáculo, capaz de oprimir o cidadão.

Nesse sentido, o trabalho é desenvolvido em dois capítulos. No primeiro são abordados aspectos mais históricos e introdutórios do Direito Administrativo, questões acerca da Revolução Francesa e da Declaração de Direitos de 1789. Opta-se por este recorte em razão de que esta é a vertente do Direito Administrativo brasileiro. Por sua vez, o segundo capítulo aborda o Direito Administrativo e suas interações com a cidadania e o interesse

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público, em uma análise que abrange o interesse do povo, ou seja, a participação social, a qual clama por direitos assegurados, mas esquecidos no tempo.

A motivação e o interesse na escolha do tema evidenciam-se na vontade de compreender a realidade humana e os caminhos da sociabilidade, a qual vem sofrendo transformações constantes. Tais transformações não são de hoje, já que há séculos historiadores demonstram que existia algum tipo de desigualdade e desvalorização.

A partir disso é importante o estudo da cidadania no Brasil, e o fazemos pensando que, embora não se possa pensar em direitos humanos onde não exista um ordenamento jurídico, por vezes a própria aplicação o Direito Administrativo pode se apresentar como possibilidade ou obstáculo à concretização da cidadania. Esta problemática é fator de estímulo para o estudo do presente trabalho, o qual, todavia, não tem, e nem pode ter a pretensão de esgotar o tema, e muito menos apresentar conclusões absolutas; trata-se de mera reflexão acadêmica.

O método utilizado para o desenvolvimento da pesquisa é o compreensivo e exploratório, tendo como técnica a coleta de informações em obras bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização é utilizado também o método de abordagem hipotético-dedutivo.

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1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Desde que o ser humano passou a viver em comunidade, ainda que sem uma organização, já existia a função administrativa no Estado/sociedade. Por mais simples e primitivo que tenha sido seu ordenamento, naquela época, e com as devidas diferenças com o Estado moderno, os órgãos estatais sempre editam normas destinadas a disciplinar seus serviços e agem administrativamente prestando serviços a sociedade.

Pode-se dizer que o ser humano, em sociedade, sempre interferiu e interfere na vida das outras pessoas, decorrendo de tais situações alguns conflitos desagradáveis, havendo, com isso, a necessidade da criação de regulamentos, normas e leis para estabelecer um convívio satisfatório entre os indivíduos.

Dessa forma, para fins de desenvolvimento do presente trabalho, é importante explicar que foi adotada a observância do Direito Administrativo brasileiro e suas regras positivadas, não desconsiderando suas raízes históricas. Em razão disso, explicita-se a vertente do Direito Administrativo a partir do nascimento do Estado Constitucional moderno que tem origem com a Revolução Francesa. O objeto de estudo procura explicitar as principais causas evolutivas do Direito Administrativo pátrio.

1.1 A Revolução Francesa de 1789

A Revolução Francesa é considerada um dos maiores acontecimentos da ruptura entre Estado Absoluto e Estado de Direito que, entre 1789 e 1799, alterou o quadro político, econômico e social da França. Descontentes com a situação de vida, os burgueses entendem que, com a prevalência de um Estado igualitário e comum entre todos, atenuaria as barbáries não apenas na França, mas em todos os países europeus, uma vez que o regime absolutista estabelecia grandes obstáculos para o desenvolvimento da burguesia, por isso eclodiu a revolução neste período.

A revolução expressa, naquele momento, o marco do nascimento do Estado de Direito, uma vez que coloca fim ao sistema absolutista e o povo passa a ter direitos formalmente respeitados, aprimora, naquela oportunidade, a vida dos trabalhadores urbanos e rurais, e ainda, marca o início de uma longa caminhada, a qual vai sendo construída dia após dia.

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Como bem relata Soboul (1981, p. 99, grifo do autor):

A Revolução de 1789 foi dirigida pela minoria burguesa do Terceiro Estado, sustentada e impulsionada nos períodos de crise pelo imenso povo das cidades e dos campos – esse que tem sido chamado às vezes de quarta ordem. Graças à aliança popular, a burguesia impôs à realeza uma Constituição que lhe deu o essencial do poder. Identificando-se com a nação, ela pretendia sujeitar o rei ao reino da lei. A nação, o rei, a lei: esse equilíbrio ideal pareceu, por um momento, realizar-se.

A Revolução Francesa é uma ruptura decorrente de um movimento que teve início pela burguesia e pelos camponeses, os quais interessados em sua libertação da ação despótica do monarca absoluto e tendo em vista suas pretensões econômicas e sociais, lutam por sua vida digna, pois vivem em grande miséria.

A economia da França, em conformidade com Tocqueville (1989) está em situação crítica, uma vez que a maioria da renda deriva da agricultura. O consumo do país é enorme, e aumenta gradativamente, frente às demandas da sociedade e dos países europeus. A agricultura, por sua vez, encontra-se atrasada com a produção, ocasionando condições de vida precária, apenas aos camponeses que estão sob regime de servidão.

A economia é conduzida pelos camponeses, que trabalham no comércio para manter toda a população do Estado. Enquanto, clero e nobreza vivem na luxúria, os burgueses lutam e pedem justiça, mas apenas tem proibições por parte do governo absolutista, uma vez que não fazem jus a direito algum, somente resta a eles, obedecer aos que detêm o poder.

A partir desse quadro, a revolução de 1789, de acordo com Tocqueville (1989) caracterizou-se pelo acordo da burguesia em lutar pelos seus direitos, diferente das outras revoluções que são comandadas por líderes importantes ou partidários.

Durante o Antigo Regime a sociedade Francesa, divide-se em três ordens estatais. Cada ordem com suas distinções, sendo que representadas pelo clero, pela nobreza e pela burguesia, de acordo com Bernard (1989, p. 16, grifo do autor):

Às vésperas de 1789 subsiste essa divisão entre clero, nobreza e Terceiro Estado. Na verdade, há de um lado a aristocracia, que reúne os privilégios (alto clero e nobreza) e representa 4% da população, e de outro a imensa

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maioria dos não privilegiados (camponeses, burgueses-comerciantes ou intelectuais, plebe das cidades).

O Primeiro Estado é o clero, ocasião em que é composto por famílias ricas e bem de vida, possui toda a sorte de direitos e vantagens econômicas, grupo que usufrui de diversos privilégios, inclusive o de não pagar os impostos.

O clero, segundo o entendimento de Miceli (2004) possui privilégios diferenciados, desde políticos e judiciários até fiscais, e seu poder econômico avançado se dá pela cobrança da dízima e da extensão de suas propriedades rurais e urbanas, que chega a percorrer cerca de 10% do território francês e ajusta elevados tributos.

O Segundo Estado elenca a nobreza em geral, que detêm, juntamente com o rei, o poder político do país. Os privilégios são incalculáveis, pois parte da nobreza tem sua morada na corte, onde goza dos privilégios concedidos pelo rei e aproveita ainda, do dinheiro público. Diante do exposto aqui, Miceli (2004, p. 61) confirma:

Os maiores benefícios da nobreza, entretanto, vinham da isenção de tributos e da prestação de serviços obrigatórios, tais como alojar soldados e cuidar dos caminhos [...] Muitos desses nobres viviam na Corte, desfrutando diretamente a companhia e, principalmente, os favores de Sua Majestade.

Os membros mais destacados são os participantes do Terceiro Estado, qual seja a burguesia. Ocasião em que composto por grande parte da população (camponeses), massa pobre da cidade, que com seu trabalho árduo, fornecia alimentos para toda a população, além de ter que arcar com todos os impostos. Inclui-se também, os comerciantes, os sans-culottes (trabalhadores urbanos) e os artesãos. Essas são pessoas que trabalham para sobreviver e para que o clero e a nobreza vivam bem, sem a necessidade de trabalhar, apenas usufruindo dos benefícios que lhes são concedidos através dos camponeses lutadores.

Importante se faz observar que existe grande dificuldade em entender o significado do Terceiro Estado, mas seu reconhecimento permanece entre estudiosos da história, como Sieyès (2001, p. 2-3):

Que é o Terceiro Estado? Tudo. Que tem sido até agora na ordem política? Nada. Que deseja? Vir a ser alguma coisa [...] O Terceiro Estado forma em todos os setores os dezenove vigésimos [ou seja, a grande maioria da

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população francesa], com a diferença de que ele é encarregado de tudo o que existe de verdadeiramente penoso, de todos os trabalhos que a ordem privilegiada se recusa a cumprir. Somente os lugares lucrativos e honoríficos são ocupados pelos membros da ordem privilegiada [...] Quem, portanto, ousaria dizer que Terceiro Estado não tem em si tudo o que é necessário para formar uma nação completa? Ele é o homem forte e robusto que tem um dos braços ainda acorrentados. [...] Assim que é o Terceiro Estado? [...] Nada pode caminhar sem ele, tudo iria infinitamente sem os outros.

Sinala-se que, o Terceiro Estado como ensina as palavras de Sieyès (2001), é aquele que se levanta contra a opressão do inimigo Estado Absolutista, pois estão cansados de receber ordens e não tem mais forças para aturar o peso dos encargos que recai sobre eles.

Existe na França pré-revolucionária, uma divisão hierárquica, mas informal, decorrente do poder que exerce cada um dos três Estados. No topo está o clero, logo embaixo da pirâmide social, está a nobreza e por último, na base, prevalece a burguesia que, como já comentado, sustenta o restante da sociedade com seu trabalho. Verifica-se que nesta época parte da sociedade está descontente com a situação a que está submetida, muitos deveres e nenhum benefício. Será esta a causa principal da revolução? Aborda-se exatamente isso no próximo ponto.

1.1.1 Causas da Revolução Francesa

A revolução não é um acontecimento acidental. As causas da Revolução Francesa são remotas e imediatas, ou melhor, os burgueses, preocupados com o desenvolvimento no país buscam impedir o avanço do poder absolutista, reinado pelo Luís XVI.

Tal revolta diz respeito à situação econômica do povo, isto é, dos componentes do Terceiro Estado, diante do aumento descontrolável dos impostos decorrentes de vícios do sistema fiscal, e dificuldade de fruição dos alimentos. O desamparo financeiro pode ser considerado causa imediata da revolução, como afirma Soboul (1981). Além, é claro, das péssimas condições de vida enfrentadas pelos camponeses e trabalhadores urbanos, a situação de miséria é extrema e o salário é extremamente baixo. Enquanto tudo isso acontece, a nobreza só pensa em luxos e de fazer festas com muito esbanjamento, ou seja, usufruía do dinheiro dos camponeses que trabalham para não passar fome.

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Nota-se que o regime absolutista francês, como explica Soboul (1981) apresenta situação de extremas injustiças. O rei Luís XVI governa e controla a política, a economia e a justiça, claramente se nota a ausência de democracia, o que prejudica os trabalhadores e camponeses que não tem o direito de voto, uma vez que lhes é vedado interferir na forma de governo, sob pena de serem guilhotinados ou presos.

Quais seriam as causas que, exatamente, desencadearam a revolução? A ruptura, segundo Tocqueville (1989), não está na libertação dos laços com a igreja medieval. As razões são outras. Segundo o autor, não existe apenas uma causa em que se motivou a revolução. Contudo, a falta de ordem, a bagunça e a confusão dos direitos do povo ensejam o início da revolução.

A Revolução não foi feita, como se pensou, para destruir o império das crenças religiosas. Apesar das aparências, foi essencialmente uma revolução social e política. No círculo das instituições deste tipo, não propendeu nem a perpetuar a desordem e torná-la de certa maneira estável, nem a metodizar a anarquia, como dizia um dos seus principais adversários, mas antes a aumentar o poder e os direitos da autoridade pública. Não ia mudar o caráter que nossa civilização teve até então como muitos o pensaram, nem parar seu progresso, nem mesmo alterar em sua essência nenhuma das leis fundamentais sobre as quais repousaram as sociedades humanas em nosso Ocidente. Se repararmos esta sociedade de todos os acidentes que mudaram momentaneamente sua fisionomia em diferentes épocas e em diversos países para só considera-la tal qual é, veremos claramente que o único efeito desta revolução foi abolir as instituições políticas que durante séculos dominaram totalmente a maioria dos povos europeus e que recebem geralmente o rótulo de instituições feudais e substituí-las por uma ordem social e política mais uniforme e mais simples tendo por base a igualdade de condições (TOCQUEVILLE, 1989, p. 67).

Além disso, sabe-se que a Revolução Francesa, segundo Coggiola (1990), pela amplitude e profundidade de seu movimento torna-se um símbolo no século 18. Ainda, evidencia a esperança e representa o povo oprimido, demonstra a possibilidade das classes oprimidas em conquistar a sua liberdade e sua igualdade de direitos frente ao poder absolutista que impera naquele momento. Entende-se que, através da luta do povo burguês batalhador, por um país mais justo, é que nasce os Direitos do Homem, aborda-se isso, no ponto seguinte, onde se demonstra novamente, a importância dos camponeses, que devem ficar lembrados por todos os períodos históricos.

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Com os direitos fundamentais do homem, Monreal (1988) entende que, o progresso da vida social revela-se à humanidade como um conjunto de valores que se desligam da dignidade humana, ou que nela se inserem sem dúvida.

A Assembleia Constituinte cancela todos os direitos feudais existentes e promulga a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Este importante documento, segundo Soboul (1981), estabelece significativos avanços sociais, e garante ainda, direitos iguais aos cidadãos, além de maior participação política para o povo.

A Declaração dos Direitos, conforme aduz Bernard (1989) está ligada diretamente com a Revolução Francesa, uma vez que marca o fim do Antigo Regime e o início de uma nova era de direitos fundamentais. Em 26 de agosto de 1789 ocorre a aprovação da referida Declaração, composta por dezessete artigos, esta serve como fonte de inspiração para que o povo lute por seus direitos.

O artigo primeiro da Declaração estabelece que: “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” (FRANÇA, 2014). Ou seja, traduz uma igualdade formal, que apenas está na lei, diante disso, Bobbio (1992, p. 93) entende que este artigo diz respeito “à condição natural dos homens que antecede a formação da sociedade civil.”

O artigo segundo, conforme Soboul (1981, p. 152) menciona quais são esses direitos e os objetivos da associação política, vem logo após o estado de natureza, ou seja, “é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis ao homem”, tais como a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

Este documento é baseado no lema dos revolucionários a "liberdade, igualdade e fraternidade", que resume bem o interesse dos burgueses. Então, com os direitos e deveres ali elencados, mais um passo foi dado, podendo ser considerados a base para viver em uma sociedade igualitária, sem distinções de classe econômica. Mais do que servir de base, estes direitos devem ser respeitados e postos em prática, para que se cumpram os desejos daqueles que lutaram para tornar a Declaração adequada.

Mostra-se que na França, os camponeses usam a expressão “liberdade” em seu lema, para derrubar o antigo regime, também aparece esta expressão na Declaração dos Direitos do

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Homem e do Cidadão em 1789. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 declara que todo o homem tem direito à liberdade.

Sabe-se que, pelos grandes abusos da monarquia, de acordo com Soboul (1981, p.129) a Declaração dos Direitos do Homem constituía “o atestado de óbito do Antigo Regime”, mas ao mesmo tempo, demonstra o ideal da burguesia e concluía os fundamentos de uma ordem social nova que parece aplicável, não apenas na França, mas por toda à humanidade.

Por fim, esta Declaração é um dos legados mais importantes deixados pela Revolução Francesa, já que ela serve como base e inspiração para outras nações europeias, pois este documento institui direitos essenciais ao homem. Certamente ela fica marcada por toda a história, servindo como exemplo de esforço, dedicação em todas as Constituições dos tempos atuais.

1.2 O surgimento do Direito Administrativo na França, sua adoção e evolução no Brasil

Entre as consequências diretas da Revolução de 1789 está o surgimento do Estado de Direito e do moderno constitucionalismo. Com isso, profundas mudanças sobrevêm, as quais influenciam em todas as instituições e refletem em outros aspectos da ordem jurídica. Esse nascimento do Estado de Direito e sua submissão à lei, faz com que o ordenamento jurídico passe a adotar o sistema da tripartição de poderes e seu controle para evitar desmandos governamentais, principalmente para garantir os direitos dos cidadãos. Nota-se que, neste novo Estado, a Constituição passa a assegurar direitos antes previstos na Declaração de 1789.

Tal direito, estruturado pelo princípio da legalidade, objetiva garantir a proteção necessária a determinadas relações entre as pessoas e Estado, então para que se concretize o verdadeiro significado da palavra legalidade, todos (independente de classe social) devem obedecer às leis estabelecidas, especialmente às normas previstas na CF/88.

Nesse contexto é que surge o Direito Administrativo na França, onde passa a regular as relações entre Administração Pública e os administrados, estes últimos, agora com direitos constitucionais. Afirma, nesse sentido, Bandeira de Mello (2012, p. 38-39):

O que hoje conhecemos por “Direito Administrativo” nasceu na França. Mais que por leis que regulassem as relações entre Administração e

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administrados, foi sendo construído por obra da jurisprudência de um órgão – Conselho de Estado – encarregado de dirimir as contendas que surgissem entre estas duas partes. [...] A origem do Direito Administrativo e do órgão referido advém de eventos que assim se podem resumir. Sobrevindo a Revolução Francesa, como o período histórico precedente era o da Monarquia Absoluta, inexistiam disposições que subjugassem ao Direito a conduta soberana do Estado em suas relações com os administrados. Daí que era preciso aplicar um Direito “novo”, ainda não legislado (ou que mal iniciava a sê-lo).

Nesse evoluir, o século 19 é consagrado como o período do início do desenvolvimento do Direito Administrativo, que rapidamente se expande para outros países que, através de seu ordenamento jurídico, o adota. Logo, o homem torna-se dependente do direito e das normas obrigatórias e passa a não conviver em sociedade sem a observância das normas de conduta que regulam sua coexistência com os demais (ALEXANDRINO; PAULO, 2011).

Como já exposto, o nascimento do Direito Administrativo como ramo do direito, ganha força e desenvolvimento apenas no início do século 19, não quer significar que nos séculos anteriores não há nenhuma referência à Administração Pública, muito pelo contrário, existem leis administrativas mesmo na antiguidade.

A adoção da tripartição dos poderes pela França divide os poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, com atribuições próprias e independências entre si, passa a ser o modelo do Estado moderno que acerta a ser reproduzido também no ocidente.

Tais mudanças da estrutura estatal estabelecem características próprias a cada um dos poderes. O Executivo é poder governamental e encarrega-se, basicamente, a executar as leis existentes e de implementar novas leis se houver necessidade. O Poder Legislativo tem como atributo, a aprovação das leis que regulamentam o Estado e também a conduta dos cidadãos. O Poder Judiciário tem como função, julgar e resolver alguns dos conflitos de sua competência que surge no decorrer da vida em sociedade.

Primeiramente, o Direito Administrativo tem sua origem na França, como já dito, juntamente com a Revolução de 1789 e igualmente é adotado no Brasil para regular a atividade administrativa do Estado. Este direito, ainda está em fase de aperfeiçoamento e adaptação com a realidade administrativa, pois tal direito modifica-se conforme as novas tendências da sociedade. Uma vez ramo do direito público, o Direito Administrativo é um

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conjunto de regras e está encarregado de conduzir a Administração Pública, seus órgãos e tudo que a integra (ALEXANDRINO; PAULO, 2011).

Necessário complementar aqui a definição da palavra “codificação”, qual seja a união de um determinado assunto ou determinada matéria em um único lugar, ou seja, é reunir um conjunto sistemático e harmônico entre si. Em suma, o Direito Administrativo encontra respaldo em vários textos de leis, logo, as normas que regulam a atuação administrativa estão esparsas, tanto na Constituição Federal de 1988 (CF/88), bem como nas leis complementares, decretos e regulamentos. Odete Medauar (2003, p. 63) menciona que:

A partir do advento da Constituição Federal de 1988, o direito administrativo brasileiro vem mostrando grande desenvolvimento, no aspecto temático, doutrinário, legislativo e jurisprudencial. Cresceu o interesse pelo seu estudo; vêm se elaborando inúmeras dissertações e teses; aumentou o rol de livros e artigos; ampliaram-se os congressos e seminários por todo o País. A jurisprudência na matéria se enriqueceu [...]

Pelo exposto, nota-se que o Direito Administrativo Brasileiro não é codificado. Ele não está expresso em uma lei única, ou melhor, os textos administrativos não estão reunidos em um corpo de leis, como os outros ramos do direito. Este direito encontra-se ilustrado em diversas leis complementares, em decretos, bem como em regulamentos e código, o que torna difícil o acesso e o conhecimento dos interessados em usá-lo.

Ainda, com relação a codificação, os doutrinadores se alocam em posições diversas, a primeira posição nega as suas vantagens, ou seja, propugna pela não codificação, já a segunda posição admite a codificação parcial, pois acredita trazer benefícios e malefícios, e por último, a terceira posição aceita a codificação total, uma vez que só trará melhoramentos para o direito.

Hely Lopes Meirelles (2010, p. 48) é autor que defende a codificação do Direito Administrativo, pois tem o entendimento de que haverá vantagens, sua reunião em um único corpo legislativo: “[...] propiciará à Administração e aos administradores maior segurança e facilidade na observância e aplicação das normas administrativas.”

Entende-se que, a terceira posição (codificação total) seria a mais adequada, uma vez que ocorrerá a melhoria na confiança por parte dos que administram, e também uma maior

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segurança por parte da sociedade com relação aos administradores, pois facilitará as observâncias das normas administrativas.

Por todos esses aspectos, a codificação não incidirá apenas reunindo as normas administrativas, mas também melhorará os que operam na Administração Pública e os que operam na facilitação do exercício das suas leis, e logo um progresso para as resoluções dos obstáculos no que tange o melhoramento de uma sociedade, cumprindo legalmente com a sua finalidade.

Quando se fala em codificação, como mostra Meirelles (2010) tem-se a ideia de que o código é mais permanente do que as leis esparsas, diante disso, novamente existe um obstáculo para que se concretize a realização de uma cidadania plena, onde todos possam ter o mesmo acesso. As leis esparsas só tornam difícil o entendimento dos interessados. Só o código retira esses erros da legislação fragmentária, pela aproximação e organização dos textos que se interligam para a formação do sistema jurídico.

Por todo o divulgado neste ponto, entende-se que, as relações de sujeições são firmadas entre o Estado e as pessoas que participam e fazem parte do órgão administrativo. Isto será abordado especificamente no ponto a seguir.

1.3 O Direito Administrativo no contexto brasileiro e a sujeição do cidadão

A partir de toda a exposição acima, como afirma Di Pietro (2014) pode-se dizer certamente, que o Direito Administrativo surge como instrumento de proteção à igualdade e integridade do cidadão, submissão do estado à lei e garantia dos direitos individuais. Seu fundamento inicial é o princípio da legalidade. A liberdade abarca os princípios da legalidade e isonomia, e a autoridade é resguardada por prerrogativas públicas que garantem a supremacia do poder público sobre o poder particular.

Estruturado pelo princípio da legalidade, Di Pietro (2009) é autora com o entendimento de que o Direito Administrativo se exterioriza na lei, constitucional e infraconstitucional, e define os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício dos direitos em benefício da coletividade.

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O princípio da legalidade pode ser visto como um limite, uma vez que o poder público só poderá atuar conforme estabelecer a lei, podendo fazer o que ela autoriza. Por outro lado, é uma garantia ao cidadão (administrado), o qual pode fazer tudo que a lei não proibir. Embora a lei também estabeleça limitações à administração, a regra é que nas relações jurídicas entre administração e administrado existe uma desigualdade entre administração (prerrogativas) e administrado (sujeições), onde a presença do poder revela-se apenas para a administração.

A CF/88 emana tal princípio submetendo a tudo e a todos o seu poder, assim, a atuação do Estado só pode se dar em conformidade com a lei e por ser a base do estado democrático de direito objetiva acabar com o poder arbitrário do Estado. Este princípio, em sentido constitucional amplo, está previsto no artigo 5º, inciso II da referida CF/88 e estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

Necessário mencionar aqui, que o regime aceito pelo Estado brasileiro para controlar atos do Poder Público é o da jurisdição una, sistema este inglês. Isto significa que, litígios administrativos podem ser apreciados e resolvidos sempre pelo Poder Judiciário.

Ao abordar o regime jurídico administrativo é importante observar estas duas interpretações da legalidade, já que elas exteriorizam as relações jurídicas da administração com o administrado. Quando os autores falam em regime jurídico administrativo nota-se uma subordinação jurídica do administrado em relação à administração, sob o pretexto de alcançar o interesse público.

Quando analisado o relacionamento da administração com o administrado verifica-se que é possível compreendê-la de duas maneiras, quais sejam, as prerrogativas e as sujeições. Di Pietro (2009) entende serem sujeições, os princípios e as regras que impedem, restringem e até mesmo dificultam à administração para o exercício de suas atividades. De outro modo, as prerrogativas não deixam de serem regras e princípios, mas que por sua vez dão à administração tratamento superior em relação ao particular.

Observado o interesse público, de um lado se sobrepõe as prerrogativas, que colocam a administração em posição de supremacia sobre o particular, do outro, existem as restrições

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que se submetem a indisponibilidade. Seguido a concepção apresentada, pode-se concordar com Di Pietro (2009, p. 62) quando a autora define o regime jurídico administrativo como “um conjunto de regras e princípios que, a partir dos princípios basilares da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, estabelecem à administração prerrogativas e restrições.”

Por sua vez, a CF/88 transforma a República Federativa do Brasil em Estado Democrático de Direito e tem por função proteger e ao mesmo tempo controlar a ação das pessoas que convivem em sociedade. A atuação administrativa do Estado é regida pelo Direito Administrativo onde o cidadão de uma forma ou outra vai ser atingido pelos atos que a Administração Pública cometer.

Portanto, o Direito Administrativo encontra-se em relações diversas e diárias, é o que será objeto de análise, com maior clareza e precisão, no tópico a seguir.

1.4 O Direito Administrativo e suas relações com os direitos de cidadania

Para que se consiga relacionar o Direito Administrativo com a possibilidade ou obstáculo de concretização da cidadania, é importante e necessário verificar quais os ramos do direito que com ele se relaciona. Assim, pode-se dizer que o importante ramo que veicula direitos do cidadão é o constitucional, pois ambos se preocupam com o Estado, no que se refere à administração e aos administrados. Pode-se dizer que o Direito Administrativo coloca em execução o direito constitucional enquanto responsável pela organização administrativa.

Aspecto essencial para a análise é a compreensão de que Direito Administrativo está intrincado com o Constitucional, como adequadamente afirma Odete Medauar (2003, p. 157):

Para o estudo dos vínculos entre o direito constitucional e o direito administrativo pode-se fixar como ponto de partida a conhecida frase de Fritz Werner, datada de 1959: “O direito administrativo é a concretização do direito constitucional”. O direito administrativo seria, então, o direito constitucional detalhado, que regularia nas minúsculas, a organização e o funcionamento dos poderes.

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Denota-se que o Direito Administrativo é o lado ativo do direito constitucional, ou seja, há um relacionamento próximo, vez que incumbe ao direito constitucional o modelo de atuação da administração, fixando-lhes as bases e parâmetros do Direito Administrativo.

Para que exista um reconhecimento e aplicação dos direitos de cidadania estabelecidos pela CF/88, é importante que os cidadãos busquem o que a lei lhes assegura. O artigo 5º, caput, traz explícitos alguns desses indispensáveis direitos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...).”

Presente está o princípio da igualdade, uma vez estabelecido que “todos são iguais perante e em face da lei”, isso significa que, independente de raça, cor, sexo e classe econômica e social, todos se submetem às leis.

O direito à vida é um direito de cidadania, pode-se dizer que é o mais importante de todos, pois sem ele não seria possível usufruir dos demais direitos. É possível relacionar este direito com a dignidade da pessoa humana, ou seja, a todo o ser humano que nascer com vida deve ser dado ao menos o direito de viver dignamente e plenamente em condições justas. Por meio do direito à vida é que decorrem todos os demais direitos, como o direito à saúde, moradia e educação.

Nesse sentido, Cretella Júnior (1992) entende que o direito à vida, é o direito de continuar vivo (ligado à segurança física da pessoa) e o direito de subsistência (ligado ao direito de prover sua existência trabalhando). Sabe-se que em virtude da existência deste princípio é que a CF/88 veda totalmente a aplicação da pena de morte, visto que, ninguém, tem o direito de tirar a vida de outrem.

No artigo supramencionado, está contido o direito à liberdade, qual seja o de fazer e de não fazer o que bem entender, exceto quando a lei determinar em contrário. Tal liberdade possui sentido extremamente amplo, pois existe a liberdade de locomoção que consiste no direito de ir e vir, ou melhor, de sair ou permanecer no território brasileiro. Também existe a liberdade de expressão que, desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, revela que a livre opinião é um dos direitos mais valiosos do homem, assim, todos os cidadãos

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podem falar livremente, mas sempre respeitando os limites estabelecidos em lei. E por fim, a liberdade religiosa que abrange a livre escolha por parte do indivíduo da sua religião, sem qualquer intervenção ou imposição de terceiros.

No que se refere ao direito à igualdade, a CF/88 é bem clara ao prever um tratamento igualitário e uniforme entre homem e mulher, perante direitos e obrigações. Ainda, Bandeira de Mello (2012) complementa, quando diz que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

A igualdade formal ocorre entre os cidadãos, não entre cidadão e administração, já que a lei estabelece prerrogativas à administração. Por isso, Cretella Júnior (1992) entende que o cidadão se encontra desnivelado, no momento em que confrontado com a administração, a qual cercada com várias vantagens, que as beneficiam nas relações jurídico-administrativas. De outro modo, o cidadão se acha em extrema igualdade formal apenas diante de outros cidadãos, quando ordenada alguma prestação.

O direito à segurança, insculpido no artigo 5º da CF/88, é um direito individual, social e coletivo, tendo o Estado dever de zelar pelo bem comum de todos. Mas este direito não significa, de modo algum, o fim da violência e dos tumultos, mas sim a existência de segurança necessária que conceda a proteção devida às pessoas, como o Ministério Público e a Defensoria Pública.

Enfim, o direito à propriedade, constitui-se como cláusula pétrea constitucional, assim como os direitos já mencionados acima. Este direito, como bem sabe Cretella Júnior (1992, p. 56) tem “um sentido social, e não individual, já que a destinação social se sobrepõe à destinação individual.” Enfim, o direito de propriedade é o direito de usar, gozar e usufruir de um determinado bem.

Vários são os direitos e deveres, portanto, que a CF/88 prescreve. No capítulo a seguir, demonstrar-se-á ainda, os direitos fundamentais e a cidadania no Brasil enfatizando aspectos de grande importância no que se refere à participação social, onde se pretende evidenciar o papel da administração e dos administrados.

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2. DIREITO ADMINISTRATIVO, CIDADANIA E INTERESSE PÚBLICO

A vida em sociedade é de contínuas transformações. O Direito estabelece o estatuto das pessoas físicas e jurídicas e regula suas relações, as quais estão a cada dia mais complexas. Essa complexidade da vida e das relações humanas termina acarretando a instituição de novas regulamentações a cada dia e, portanto, um excesso de normatização. Ampliam-se os conflitos a cada dia, de forma que o ser humano cuida do modo que vai agir para resolver conflitos que surgem no decorrer dos relacionamentos. O ser humano descobre que esses conflitos tem uma possível solução, a partir da interpretação e aplicação das normas regulamentadoras.

Nesse contexto de complexidade é pertinente verificar se o Direito Administrativo, os direitos humanos e a cidadania têm relação uns com outros, se as normas do primeiro asseguram os outros ou não. Somadas estas três expressões, verifica-se uma dependência entre elas, dependência essa que pode dar ensejo à concretização de objetivos que a sociedade democrática atual demanda ou pode ser um obstáculo a sua concretização.

O que se propõe, neste capítulo, é um estudo onde se relaciona o Direito Administrativo com a cidadania, ainda verifica se as normas estabelecidas no primeiro contribuem ou não para concretização da segunda. Após analisar a importância da legalidade, no contexto jurídico da administração, que o Estado mesmo agindo legalmente, pode não concretizar em termos de fruição a cidadania, verifica-se que estar determinada por lei uma ação não significa sua concretização. A administração, embora deva agir de acordo com o que a lei autoriza, pode deixar de satisfazer, em tese, o interesse público, apoiada no fundamento da legalidade.

O Direito Administrativo é um conjunto de normas (regras e princípios) que orientam a função administrativa, assim como as pessoas e os órgãos que a exercem. De um modo amplo, este direito é dotado de coercibilidade, que disciplina a vida em sociedade e tem por objetivo à satisfação dos interesses públicos.

A cidadania, construída e conquistada a partir da capacidade de organização, participação e intervenção social do povo de um determinado país, termina se confundindo com o próprio interesse público.

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Nesse contexto, a CF/88 situa a cidadania entre os princípios fundamentais, com o intuito de garantir aos cidadãos uma sociedade livre, justa e igualitária. Também, estabelece os direitos fundamentais, que por sua vez, a administração deve cumprir. As garantias constitucionais, entretanto, nem sempre estão constitucionalizadas por lei, de modo que princípio da legalidade pode terminar sendo um obstáculo à sua concretização. Um exemplo clássico disso é com relação ao direito à saúde.

A acessibilidade à saúde, à vida, são critérios substantivos de qualquer política em direitos humanos. Uma das mais graves formas da exclusão social é a falta de acessibilidade à saúde e aos medicamentos. Ao garantir a saúde como direito fundamental do cidadão, passa a ser dever do Estado o fornecimento dos meios para sua concretização, caso seja negado, passa a constituir uma falta grave do Estado contra o ser humano, já que sem os meios concretos de garantir a vida, podemos dizer que a própria garantia estabelecida no direito fundamental está sendo negada.

Além disso, é dever do Estado, prestar assistência aos que precisam e aos que não tem condições da própria sobrevivência. Como a ele foi destinada a prerrogativa de atuar em face ao interesse dos cidadãos, deve, utilizá-la para o benefício dos cidadãos. Se isto não ocorre, está-se diante de uma dificuldade para construir a concretização da cidadania e ainda, o Estado incide em abuso de poder e desvio de finalidade.

Quando a CF/88 expressa que, é dever do Estado assegurar aos indivíduos o direito à saúde, não fica restrito apenas a ela, mas sim, em todos os aspectos, como também na obrigação de garantir e distribuir medicamentos. No entanto, como já dito, o Estado tem se mostrado ineficiente, ou seja, ainda não ocorre a materialização efetiva e plena no que diz respeito a este direito fundamental.

Constantemente se ouve notícias anunciando a omissão por parte do Estado, no que tange ao direito à saúde, seja com relação às filas enormes que se formam nos hospitais, seja, com a não prestação de medicamentos, por parte do poder público. Evidencia, com isso, uma grande dificuldade do Estado em cumprir com seu dever em relação aos cidadãos, e não pode sequer falar na existência da cidadania.

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2.1 O desenvolvimento da cidadania no Brasil

Embora não seja objeto desta abordagem, é pertinente apontar que na Roma antiga, segundo Dallari (2004) se emprega a expressão cidadania para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que podia exercer. Esta cidadania romana é atribuída somente aos homens livres, mas nem todos os homens livres eram considerados cidadãos.

Existia uma distinção entre os romanos quanto à possibilidade de participar das atividades políticas, assim como ensina Dalmo de Abreu Dallari (2004, p. 18, grifo do autor):

Fazia-se uma distinção entre cidadania e cidadania ativa. Só os cidadãos ativos tinham o direito de participar das atividades políticas e de ocupar os mais altos postos da Administração Pública. Uma particularidade que deve ser ressaltada é que as mulheres não tinham a cidadania ativa, e por esse motivo nunca houve mulheres no Senado nem nas magistraturas romanas.

Em meados do século 18, de acordo com Dallari (2004) com a Revolução Francesa, movimento extremamente importante que serve de modelo para que muitos estados europeus adotem o modelo de sociedade que esta se transforma, também se fala na moderna concepção da cidadania.

No Brasil, desde a sua colonização, os movimentos sociais existem e já desencadearam significativas mudanças com objetivo de construir uma sociedade onde o interesse de todos os cidadãos prevaleça. Com estes movimentos, a cidadania passa a se fortalecer. É possível mencionar vários movimentos, na década de 1960, por exemplo, o movimento estudantil, impulsionado naquele momento, pois, sofria consequências da ditadura militar. Por outro lado, na década de 1970, acontece o movimento do custo de vida, movimentos sindicalistas, entre outros.

Já, a década de 1980 é marcada pela luta das diretas já, um movimento político democrático, com grande participação das pessoas, as quais impulsionadas com objetivo único de estabelecer eleições para presidente. Com este movimento, ressuscitou a esperança da população, e também, nesta década ocorre a promulgação da nova constituição.

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Nota-se que, os movimentos sociais ocorrem a partir do contexto da necessidade de conseguir algo que não lhe é garantido. Através desta necessidade, os indivíduos organizam grupos reivindicadores para chamar atenção dos governos e da administração com o objetivo de mudanças permanente.

A cidadania somente se fortalece a partir da CF/88. Isso não quer dizer que nas Constituições anteriores não houvesse a inclusão do termo, mas em 1988 ocorre a implementação de artigos referentes à efetiva cidadania. Com o processo de redemocratização, o desenvolvimento da cidadania encontra-se presente e expresso na CF/88 (constituição cidadã) onde encontra a sua base constitucional no artigo 1º, que prescreve:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

II - a cidadania.

A cidadania não está normatizada apenas no inciso II do artigo 1º da CF/88. Além de ser um fundamento da República, ela está expressa no seu artigo 5º e em vários outros artigos e textos legais. Através da construção de um Estado Democrático de Direito, o artigo 1º e demais artigos da CF/88, demonstram os direitos e deveres que uma sociedade necessita, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, quais sejam, a igualdade, a justiça, a liberdade como valores supremos de uma sociedade fraterna. No que se refere ao significado atribuído ao termo pode-se entender que os diversos artigos trazem o termo “cidadania”, buscando destacar os direitos e garantias fundamentais.

A cidadania está em permanente construção e isto é um reflexo de conquista da humanidade, através daqueles que sempre buscam mais direitos e igualdades. Muitas pessoas, quando questionadas acerca da definição da cidadania, logo relacionam com a ideia de eleições/política. Mal sabem elas que o sentido é bem mais amplo e abrangente do que elas pensam, ao ponto de abarcar relações diárias entre pessoas que integram determinada sociedade.

Segundo Dalmo Dallari (2004. p.22):

A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo.

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Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social.

A partir da concepção do autor citado, compreende-se que a cidadania é indispensável para conviver em sociedade. Exercer a cidadania plena e efetiva é ter direitos civis, políticos e sociais, os quais, segundo Bobbio (1992, p. 6) vem de uma construção histórica, que decorre principalmente de reivindicações sociais:

[...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem - que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder.

Os direitos civis garantem ao cidadão, o direito de se locomover dentro do seu país, é um espaço de liberdade individual em relação ao Estado, tem-se como exemplo: o direito a vida, a liberdade, a igualdade, entre outros. Estes direitos também chamados de direitos humanos de primeira geração abrangem os chamados direitos negativos, ou seja, os direitos adquiridos contra o Estado. São direitos que garantem o respeito ao cidadão pelo Estado, garantem a sua integridade diante da ação estatal.

Diferentes são os direitos políticos, os quais correspondem à atuação dos indivíduos na vida social, direito este de eleger ou ser eleito a cargos políticos, é a participação do cidadão nas decisões do governo, como o direito de votar e ser votado. São os chamados direitos humanos de segunda geração, pois são denominados como direitos de participação no Estado, considerados como direitos positivos.

Dallari (1992, p. 26-27) compreende a razão desse direito positivo de participação política:

Se todos os seres humanos são essencialmente iguais, ou seja, se todos valem a mesma coisa e se, além disso, todos são dotados de inteligência e de vontade não se justifica que só alguns possam tomar decisões políticas e todos os outros sejam obrigados a obedecer.

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Então, a participação política junto à sociedade é um direito, e também um dever do indivíduo uma vez que é capaz de influenciar de forma efetiva para a construção de uma política justa. Esta grande escolha, por parte dos indivíduos, compromete o caminhar da sociedade e consequentemente a vida das pessoas.

Como nos afirma Ingo Sarlet (2009), a segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange mais do que os direitos fundamentais abrange mais do que os direitos prestacionais, mesmo que seja este marco distintivo deles. Tal tarefa exige do Estado investimento razoável para com a necessidade atual, é o que parece ser o motivo final de sua insuficiência.

Por fim, os direitos sociais são os mais recentes dentre os direitos humanos, embora se possa falar em direitos de quarta e quinta gerações. Nasceu das conquistas dos movimentos sociais, das lutas dos trabalhadores por salários mais justos, garantindo também a participação coletiva, como exemplo: o direito à saúde, ao lazer, à educação.

Direitos esses elencados na Constituição atual e regulamentados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Importante ressaltar a noção social, estabelecida no Título II, Capítulo II da CF/88, mais precisamente no artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Estes direitos sociais são fundamentais aos cidadãos, têm por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social. São direitos, que por sua natureza, são de fornecimento obrigatório pela administração, já que o Estado é seu guardião e visa ao bem-estar da sociedade, o qual é caracterizado como interesse público. Sendo direitos de prestação pelo Estado/administração, verifica-se aqui a existência de uma relação com o Direito Administrativo, o conjunto de normas jurídicas que ordena as atividades administrativas do Estado. Decorrência disso, no próximo ponto será analisa-se o Direito Administrativo relacionando-o com o interesse público.

Sarlet (2009, p. 37) tem seu posicionamento em relação à problemática das gerações dos direitos fundamentais mencionados acima:

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Somente a partir do reconhecimento e da consagração dos direitos fundamentais pelas primeiras constituições é que assume relevo a problemática das assim denominadas “gerações” (ou dimensões) dos direitos fundamentais, visto que umbilicalmente vinculadas às transformações geradas pelo reconhecimento de novas necessidades básicas, de modo especial em virtude da evolução do Estado Liberal (Estado formal de Direito) para o moderno Estado de Direito (Estado social e democrático [material] de Direito), bem como pelas mutações decorrentes do processo de industrialização e seus reflexos, pelo impacto tecnológico e científico, pelo processo de descolonização e tantos outros fatores direta ou indiretamente relevantes neste contexto e que poderiam ser considerados.

Direitos e cidadania relacionam-se com o Direito Administrativo na medida em que a Administração Pública tem deveres instituídos constitucionalmente. Como afirma Berwig (1997, p. 48):

A cidadania pode ser vista como conjunção de dois aspectos: como condição de direitos, quando nos referimos ao vínculo jurídico com o Estado, e como exercício de direitos, quando pretendemos dar um enfoque político, nos referindo à construção do espaço público. Partindo destes dois pressupostos, é possível perceber a cidadania como condição jurídica, que o sujeito tem de ser um nacional, de estar enquadrado num ordenamento jurídico, para poder pedir proteção de direitos e contribuir com deveres. Para ter a condição que possibilita o exercício de direitos, é necessário o vínculo com o Estado, que é a cidadania do ponto de vista da vinculação jurídica.

O exercício da cidadania se efetiva quando todos puderem cumprir com seu papel responsável em prol da coletividade que pertencem. Dessa forma, a cidadania não se constitui apenas de algo que é necessário adquirir, mas de um contexto que necessita da ajuda mútua do Estado e de todos os cidadãos para construir e, mais que isso, com o seu exercício. Para esse exercício, conforme enuncia Berwig acima, é necessária a condição jurídica que liga o indivíduo ao Estado, mas isso somente não basta. É preciso mais, a atuação do Estado/administração através da prestação e concretização dos direitos. Caso não aconteça isso, o Direito pode ser considerado um obstáculo à transformação social.

O Direito Administrativo pode ser considerado em alguns momentos, portanto, um obstáculo à concretização da cidadania, pois a cidadania é tarefa que não termina, uma vez que novos desafios na vida social surgirão, demandando novas conquistas. Concretizar cidadania não é apenas obter direitos, mas sim construir novas relações, novas consciências e valores, isso se aprende através da convivência social de cada dia, através de atitudes de solidariedade. Ainda que repleta de normas a Constituição, a aplicação do direito pode

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tornar-se obstáculo à concretização da cidadania, já que os encarregados de aplicá-las, interpretar de forma coerente com a realidade e necessidade social podem não o fazer.

2.2 O Direito Administrativo e o interesse público

No tópico anterior são demonstrados os direitos de cidadania, os quais, como direitos a ser usufruídos pelo cidadão, devem ser respeitados ou concretizados pelo Estado/administração. Quando se fala em cidadania também se pensa em concretização do interesse público, já que Estado e administração assumem os encargos estabelecidos na CF/88 e em suas regulamentações.

No que tange ao presente estudo, importante ressaltar as palavras de Fábio Medina Osório (2000) que observa uma relação inseparável entre o interesse público e o Direito Administrativo, uma vez que um não pode existir, sem que o outro se faça presente. Prossegue o autor (2000, p. 70), e aduz que “na ausência do interesse público, a Administração Pública, em nossos dias, não poderia atuar, em face do desaparecimento de seu único, porém suficiente, suporte justificatório.”

Pelo fato de tal princípio não estar elencado no rol do artigo 37 da CF/88, o qual explicitou somente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, não significa que este é menos importante, muito pelo contrário, todas as ações motivadas pela Administração Pública devem atentar ao interesse público. Apesar de implícito no ordenamento e sem qualquer referência específica mantém uma grande afinidade com o princípio da legalidade.

Com base na afirmação acima, Osório (2000, p.70) concorda em dizer que (...) “o interesse público possui uma complexa funcionalidade no Direito Público e, especialmente, no ordenamento jurídico-administrativo, sendo enquadrado, não raro, na categoria de “princípio jurídico-constitucional” implícito ou imanente.”

Ainda, Osório (2000, p. 89, grifo do autor) entende que:

No Brasil, é certo, não há norma específica consagrando o interesse público como princípio geral da Administração Pública na CF, mas tal princípio ostenta status constitucional, na medida em que consagra uma finalidade

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indisponível e imperativa da Administração Pública e, por conseguinte, de seus agentes relevando-se imanente ao sistema.

Nesse sentido, Odete Medauar (2003, p. 185) comenta que:

A noção de interesse público aparece, ao mesmo tempo, como fundamento, limite e instrumento do poder; configura medida e finalidade da função administrativa. Já foi utilizada no direito francês como critério de caracterização do direito administrativo. Subjacente o grande número de institutos do direito administrativo, apresenta-se como suporte e legitimação de atos e medidas no âmbito da Administração, sobressaindo com frequência nos temas do motivo e fim dos atos administrativos.

Vale ressaltar a existência de uma enorme dificuldade em definir e conceituar o interesse público. Quem enfatiza essa dificuldade é Celso Antônio Bandeira de Mello (2012, p. 59, grifo do autor), pois:

Ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoal de cada um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. Dizer isto, entretanto, é dizer muito pouco para compreender-se verdadeiramente o que é interesse público.

Torna-se difícil definir interesse público pela amplitude de sentidos, com muitas possíveis interpretações, não podendo ser entendido apenas como o somatório dos interesses individuais, pois não é meramente o interesse da maioria. A definição da expressão “público” refere-se ao que interessa ao Estado, às pessoas, passa a ser “interesse público” quando dele participam muitas pessoas de um determinado país, inclusive aqueles que não compartilham deste interesse. A definição exata do que seja interesse público não está inserida de maneira acabada em nenhum documento, já que o sistema no qual está inserido engloba vários entendimentos.

Ao se falar em Direito Administrativo, necessário se faz comparar os dois ramos em que ele é dividido: o Direito Público e o Direito Privado. O Direito Público é, portanto, o direito do Estado, e tem a função de tutelar os interesses da vida em sociedade, ou seja, o interesse público.

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Como bem destacam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p.1) o objeto do Direito Público é “a regulação dos interesses da sociedade como um todo, a disciplina das relações entre esta e o Estado, é das relações das entidades e órgãos estatais entre si. Tutela ele o interesse público, só alcançando as condutas individuais de forma indireta ou reflexa.”

Diferente é o direito privado, vez que tutela o direito dos particulares, individuais de cada pessoa. Alexandrino e Paulo (2011, p. 2) asseveram que “o direito privado tem como escopo principal a regulação dos interesses particulares, como forma de possibilitar o convívio das pessoas em sociedade e uma harmoniosa fruição de seus bens.”

Todavia, tem-se o direito privado quando há predominância dos interesses particulares, de modo oposto, tem-se o direito público quando há a predominância dos interesses que afetam todo o grupo social. No direito público, só é permitido fazer aquilo que a lei autoriza, e não o que a lei proíbe; por outro lado, no direito privado aquilo que não é proibido é permitido.

2.3 A concepção de Bandeira de Mello sobre o interesse público

Ao pensar em Direito Administrativo, necessário é associar ao interesse público, uma vez que nas relações da administração ele assume um papel essencial e fundamental na sociedade. Necessário salientar a legalidade, que também se relaciona com o interesse público no momento em que ocorre a prática dos atos que atendam a sociedade.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2012), em uma excelente definição, diz que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inseparável de qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência, afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social.

Assim, Bandeira de Mello (2012) defende o interesse público. Demonstra que o pilar do Direito Administrativo encontra-se localizado entre o interesse público e a legalidade, e estes têm por finalidade estabelecer prerrogativas e privilégios para a Administração Pública.

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As prerrogativas inseparáveis da supremacia do interesse público sobre o interesse privado só podem ser examinadas para o alcance de interesses público e não para satisfazer apenas interesses supérfluos do Estado, e muito menos dos agentes públicos.

Segundo o autor (2012, p. 77), "a Administração não titulariza interesses públicos. O titular deles é o Estado, que, em certa esfera, os protege e exercita através da função administrativa (...)”. Significa que o poder não é dos administradores, eles apenas o exercem em nome do Estado. E quando o exercem, não significa dizer que eles exerceram esse poder atendendo ao interesse público, uma vez que, a administração nem sempre age em consonância com a finalidade que deveria ser, e com isso, ocorre o não atendimento ao interesse público, gerando mais uma vez um obstáculo para que se concretize e se estabeleça uma cidadania.

Para Bandeira de Mello (2012), o interesse público é um interesse comum a todos os indivíduos, que representa o ideal de bem-estar e segurança almejado pela sociedade. Portanto, o interesse público está na base de todas as funções do Estado, por isso ele constitui fundamento essencial em todos os ramos de direito público e ainda, este interesse deve ser regularizado pela legalidade.

Em conclusão, Bandeira de Mello (2012, p. 62, grifo do autor) conceitua interesse público como "o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem." Esse interesse público, que em regra deve atender aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito e estabelecidos, no caso brasileiro, no artigo 1º da CF/88.

2.4 Compreensão do conceito de cidadania a partir da ideia de participação social

Cidadania e participação social têm uma relação íntima, como expressa Berwig (1997). Neste sentido, a exclusão da cidadania acarreta a exclusão da vida em sociedade e impossibilita o exercício da própria participação social, uma vez que cidadão é o indivíduo que integra determinada sociedade. Assim, não basta apenas ter direitos estabelecidos e não aplicáveis, é preciso mais ação por parte das pessoas, é necessário exigir a efetividade destas garantias previstas constitucionalmente. O vínculo do sujeito com determinado Estado

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