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COMPREENSÃO DO FENÔMENO DA TRANSFERÊNCIA COM CRIANÇAS AUTISTAS E PSICÓTICAS

Aqui buscou-se saber de posicionamentos teóricos das psicólogas para os temas do autismo e psicose envoltos pela transferência. Foi possível identificar nas entrevistas, que as psicólogas psicanalistas entendem a transferência de crianças autistas e psicóticas COMO UMA COMPREENSÃO TEÓRICA EM DEBATE, como é possível perceber na seguinte fala: “[...] até onde a gente está pensando e lidando com o autismo infantil ou a gente está lidando com um gozo autístico, assim né, porque hoje na contemporaneidade a gente tem muito isso, de um gozo próprio, de um gozo que é autístico, das pessoas [...] E2”.

Ao se falar de psicose infantil, Marcelli (2007), organiza condutas, nas quais inclui aquelas que dizem respeito ao quadro característico específico do autismo para algumas vertentes teóricas, tal qual, os rituais frequentemente realizados pelo sujeito, crises de cólera, e etc. Para o autor pode-se dizer que o conceito de psicose e autismo são limítrofes, sendo difícil separá-los totalmente, bem como incluí-los em um único tipo de estrutura. São necessário debates e avanços na teoria para que se possa estabelecer as características exclusivas ou próprias de cada um. Em outras palavras, ainda é controvérsia a distinção entre psicose e autismo, apesar de existir características que os diferem. Contudo, é necessário refletir sobre tal debate, considerando que há um crescente de diagnósticos de autismos quando pouco se fala das psicoses infantis, as quais não se propagaram socialmente como ocorreu com o autismo. Se faz necessário a ampliação de estudos que objetivem compreender a psicose infantil, visando maior conhecimento acerca da mesma e proporcionando questionamentos sobre a quantidade exacerbada de diagnóstico de autismo tão em voga na atualidade, os quais não raras as vezes são confundidos com esta.

Nas entrevistas também foi possível localizar que as profissionais compreendem teoricamente a transferência de crianças autistas e psicóticas como MANUTENÇÃO DA CRIANÇA NA FASE DO ESPELHO, como fica evidente:

A psicanalise coloca que o autismo está lá na fase do espelho, do estágio do espelho, aonde mãe, crianças e enfim, quando a mãe se separa um pouco para que a criança se insira na linguagem, é ali que alguma coisa desse estágio do espelho não dá muito certo, porque ela não se reconhece nesse outro, ela fica num narcisismo dela, então não há uma identificação dela com um corpo estruturado [...] (E2)

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De acordo com Vanoli e Bernadino (2008), a tarefa da mãe, no processo da constituição subjetiva, é fazer com que o bebê se aliene ao outro (mãe), isso se dá de forma tanto real quanto simbólica, pois promove a entrada do indivíduo na língua. Nessa fase, o bebê deseja ser para a mãe o objeto que a completa, se vendo como o falo da mesma (VANOLI E BERNADINO, 2008). Dessa forma, a entrevistada parece se referir que no autismo não ocorre tal alienação perante ao outro, não havendo aí sua iniciação na língua e o desejo de ser algo ao outro, pois o outro, nem sequer é reconhecido nesse sentido.

A perda do objeto real advindo da mãe, permite que o bebê saia da posição de alienação, dando início a um novo momento, no qual há a entrada de um terceiro estabiliza a relação imaginária estabelecida, fazendo uma cisão. A entrada do pai como significante possibilita a entrada da criança no mundo simbólico, desmanchando sua sujeição perante a figura materna, possibilitando o surgimento de sujeito desejante. Quando há um hiato na entrada da função paterna, ocorre a foraclusão do Nome-do-Pai, se dando a rejeição para fora do mundo simbólico, não possibilitando o distanciamento e dando espaço a estruturação de uma psicose. Quando não ocorre a inscrição da função paterna, impossibilita-se a inscrição dos significantes necessários a subjetividade do indivíduo (VANOLI E BERNADINO, 2008).

As entrevistadas também consideram a transferência desse público infantil COMO UMA

LINGUA QUE NÃO SE PRESTA À SIGNIFICAÇÃO, como fica evidente na fala a seguir:

Então como a gente entende ser possível a transferência principalmente no autismo, é através da lalíngua, Então, a posição do analista para o trabalho com crianças autistas, está muito nesse lado de conseguir aprender alguma coisa dessa criança, então a transferência não tem esse saber, esse saber não está no lado da gente, está na criança autista, assim como na psicose, [...] (E2)

Vanoli e Bernadino (2008) citam Mannoni (1980), ao afirmarem que a criança psicótica pertence a um mal-estar provindo de um discurso coletivo, a qual fica reduzida a um objeto parcial sem assumir uma posição identitária. Para a autora citada, é necessário que haja uma mudança no modo de linguagem na qual se encontra prisioneira, para que seja possível seu advento como sujeito no tratamento. As condições para o tratamento da criança psicótica se dão através das transformações do que diz respeito ao âmbito da palavra da criança, a qual deve se distanciar do discurso das figuras paternas (VANOLI E BERNADINO, 2008).

É possível afirmar de acordo com as entrevistas realizadas, que a transferência de crianças autistas e psicóticas é entendida pelas psicólogas psicanalistas COMO UMA RELAÇÃO DE SONHO JUNTO A CRIANÇA, como pode-se notar na fala a seguir:

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[...] ele diz que a mãe tem que sonhar junto com o bebê, sonhar no sentido [...], porque a linguagem do sonho é a linguagem do inconsciente. Se a mãe tem a capacidade de rêverie, de sonhar com aquele bebê, ela tem condições de captar os sentimentos daquela criança, e poder traduzir o que está acontecendo [...]. Então acho que ela acaba sendo muito semelhante a essa comunicação mais primitiva, e a comunicação é inconsciente. (E.1)

O termo “Rêverie” foi utilizado por Bion no ano de 1959, e se define como um estado em que se mantém a consciência. Tal conceito é definido por Lisondo (2010) como a sensibilidade da mãe na reação frente ao comportamento do bebê, na reposta diante das manifestações da criança. A mãe então estabeleceria contato com o filho por meio de experiências expressivas, onde permanece receptiva às transmissões do bebê. Lisondo (2010) acrescenta, que “Rêverie” é o papel materno em que a mãe se esforça em compreender o bebê, mediando o contato com a realidade e sendo indispensável para a formação psíquica. De acordo com a entrevista, a psicóloga formula uma analogia acerca da transferência com crianças psicóticas e autistas com o termo “Rêverie”. Nesse sentido, a relação materna de compreensão do estado que se encontra o bebê, é relacionada com a função do analista diante dos comportamentos de crianças autistas e psicóticas, onde muitas vezes não há o uso da fala para o entendimento do que se passa com a criança. Tal estado então é citado como meio em que se dá o contato transferencial.

A partir dos resultados aqui levantados, pode-se propor outras pesquisas no que tange a melhor identificação da distinção entre autismo e psicose, visto que existe divergência entre profissionais nesse campo. Faz-se necessário pesquisas que busquem localizar intervenções específicas com as famílias de tais crianças também se mostram interessantes, considerando que o processo terapêutico não ocorre sem estas.

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