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Compreensão, leitura, interpretação e construção de gráficos

CAPÍTULO III HISTÓRICO DOS GRÁFICOS E SUA APRENDIZAGEM NO

3.2 Compreensão, leitura, interpretação e construção de gráficos

A compreensão dos gráficos é um aspecto importante de ser alcançado com vistas a realizar julgamentos frente a diferentes informações veiculadas por meio desse tipo de representação estatística. Na visão de Ponte (1984) a compreensão de um gráfico está relacionada ao desenvolvimento de três competências básicas: a leitura, interpretação e construção de gráficos. A competência que envolve a leitura de um gráfico deve ser desenvolvida de modo que o sujeito extraia dados do gráfico e produza novas informações (Wu, 2004). A interpretação do gráfico, por sua vez, refere-se à capacidade de formular opiniões sobre as suas informações. Já a competência de construção está associada ao domínio de representar ou editar os dados graficamente. De acordo com Wu (2004) há ainda uma quarta competência que envolve a compreensão dos gráficos, a que se denomina por avaliação. Essa competência refere-se à capacidade dos indivíduos saberem avaliar a precisão e eficácia de um gráfico estatístico.

Para além das competências necessárias no processo de compreensão dos gráficos, os diversos componentes de um gráfico parecem manter influências sobre o tipo de leitura e interpretação que se faz deles. Assim, quando as pessoas se envolvem na leitura de um determinado gráfico, podem apresentar ações baseadas em conhecimentos formais da matemática, mas também expressões que se apegam a aspectos visuais e/ou representacionais que compõe o gráfico. (Carvalho, Monteiro & Campos, 2010)

A pessoa que interpreta um gráfico está desenvolvendo um processo dinâmico, na medida em que precisa estabelecer interações entre os aspectos visuais e conceituais, tanto mobilizando os conhecimentos e as experiências, quanto construindo novos significados no âmbito da interpretação. (p. 226)

De acordo com Coutinho, Silva e Aumouloud (2011) a leitura e interpretação da linguagem expressa nos gráficos é uma competência altamente complexa, que não se adquire de forma espontânea. Um dos alertas feito por esses autores é que infelizmente, as pesquisas mostram que tal habilidade não parece ter sido ainda alcançada com o ensino. Para Arteaga (2011) muitos erros cometidos por professores na construção de gráficos ou em sua leitura e interpretação estão ligados a falta de compreensão de alguns dos elementos estatísticos e suas relações com o contexto de produção desse tipo de representação. Em seu artigo Arteaga, Batanero, Ortiz e Contreras, (2011) discutem

76 gráficos produzidos por futuros professores espanhóis em uma tarefa aberta. Eles perceberam que os erros produzidos nos gráficos pelos professores apresentavam origem na carência do sentido numérico. Eles sugerem que o trabalho com gráficos estatísticos possa contribuir para o desenvolvimento tanto da competência do tratamento da informação quanto do sentido de número nos professores.

No Brasil, pesquisas apontam para a dificuldade que professores dos anos iniciais sentem ao lidar com temas relacionados aos conhecimentos em estatística. (Gitirana, Guerra & Selva, 2005, Araújo e Flores, 2007).

Gitirana, Guerra e Selva (2005) investigaram a compreensão de oito professoras da Rede Pública de Ensino do Recife sobre a construção e interpretação de gráficos a fim de identificarem, dentre outros elementos: “a) o desempenho em interpretar e contruir gráficos; b) quais os tipos de gráficos mais utilizados quando solicitados a construírem espontaneamente; c) questões relativas à interpretação de gráficos (leitura global, valor máximo e mínimo, comparação de dados). As participantes foram convidadas a construir e interpretar gráficos de barras com variáveis nominais em uma das atividades. Os principais resultados sugerem que a atividade de construção dos gráficos é mais complexa do que a interpretação para as professoras. Nessa atividade, as professoras construíram mais gráficos de barras do que de setores e linhas. O argumento para construírem essas representações assentou-se na facilidade e familiaridade que as participantes afirmaram ter nesses tipos de gráficos. Apesar disso, elas demonstraram dificuldades em representar informações constitutivas comuns à maioria dos gráficos, tais como: legendas, títulos, nomeação dos eixos e escala.

Esses resultados nos ajudam a entender que apesar dos gráficos serem considerados boas formas de representar dados estatísticos, ainda há uma dificuldade das pessoas, para gerar essas representações e extrair significados das informações nelas contidas. Sobre isso, Cazorla (2002, p. 5) alerta:

Se, de um lado, se reconhece a importância dos gráficos, de outro, também se reconhecem as dificuldades que o indivíduo enfrenta durante a leitura de gráficos. Tal constatação mostra a necessidade de serem desenvolvidos estudos visando à compreensão dos diversos aspectos que envolvem a construção e interpretação de gráficos, bem como os processos cognitivos envolvidos durante a extração das informações.

Na busca por identificar na literatura aspectos comuns que caracterizassem as dificuldades na construção de gráficos, bem como os processos de leitura e interpretação de gráficos no contexto escolar, nos baseamos em Curcio (1989) que elege três principais

77 tipos de leituras de gráficos, a saber: leitura dos dados, entre os dados e além dos dados. A capacidade de ler os dados refere-se a leitura literal do gráfico. A leitura entre os dados, por sua vez, inclui o uso de conceitos matemáticos tais como a habilidade de comparar quantidades. O terceiro tipo de leitura envolve a capacidade de realizar inferências a partir dos dados e de estabelecer conjecturas que extrapolam os dados apresentados.

Friel, Curcio e Bright (2001) mais tarde ampliaram essa classificação defendendo um novo nível de leitura dos gráficos, nomeadamente: ler por atrás dos dados. Esse quarto tipo de leitura consiste em apreciar de forma crítica elementos da pesquisa estatística tais como o método de recolha dos dados, a sua valides, fiabilidade e a generalização das conclusões.

A atividade de leitura de um gráfico possui várias funções semióticas. De acordo Bertin (1967 apud Vasconcelos & Fernandes 2013) a leitura acontece a partir da relação de um antecedente (expressão ou significante) e um consequente (conteúdo ou significado) estabelecido por um sujeito. Nessa perspectiva, ao ler um gráfico um sujeito precisa realizar “várias atividades de tradução entre o gráfico no seu conjunto ou numa parte e o que nele é representado”. (Vasconcelos & Fernandes, 2013, p. 130)

Monteiro e Ainley (2007) salientam que a leitura de um gráfico se modifica também em função do contexto em que a mesma ocorre. Assim, temos que no contexto acadêmico, social ou dentro da escola é possível obter diferentes leituras. Esses autores apontam ainda que o contexto escolar esconde um suporte para interpretações relativamente mais limitadas, uma vez que dão pouca atenção ao contexto social dos quais os dados foram supostamente retirados.

Essa visão sustenta-se na ideia desenvolvida por Ainley (2008), que percepciona os níveis de compreensão dos gráficos propostos por Curcio (1989) como não suficientes para abarcar a complexidade da compreensão de um gráfico. Para essa autora, apesar desses níveis de compreensão serem adequados para os alunos apresentarem um pensamento útil em relação à leitura dos dados, ainda faltaria uma estratégia para entender o sentido do contexto do gráfico. Com base nisso, Ainley (2000; 2008) sugere o modelo teórico da transparência, que presume que um gráfico deve ser visível e invisível, o que permite interpretar o gráfico, olhar através de seus dados e construir significados que estão relacionados ao seu contexto.

A ideia da presença de contextos distintos na atividade de leitura dos gráficos também é sustentada por Cavalcanti e Guimarães (2011). Ao analisar a relação entre o texto escrito e a representação gráfica, essas autoras indicaram que, por vezes, gráficos

78 expostos em notícias apresentam a função de corroborar os dados expostos no texto mas, no contexto escolar, a preocupação passa a ser com a representação em si. Essa diferença contextual pode ser, inclusive, percebida na forma como os gráficos são apresentados nos livros didáticos.

Arteaga (2011), por sua vez, articulou os tipos de leitura apontados por Curcio (1989) e os níveis de leitura de gráficos de Bertin (1967, citado em Arteaga, 2011) para construir sua classificação sobre a construção de gráficos por professores em formação. Em sua pesquisa, ele buscou avaliar o componente matemático e didático do conhecimento estatístico de professores em formação inicial, a partir do desenvolvimento e evolução de um projeto aberto de análise de dados.

A partir disso, o autor classificou a produção de gráficos dos futuros professores em função da sua complexidade: Nível 1: São gráficos construídos a partir de valores individuais que apresentam conceitos e procedimentos de menor complexidade. Por se tratar de uma representação com valores da variável de um caso particular, este tipo de gráfico só permite um nível de leitura: a leitura dos dados (Curcio, 1989). Nível 2: Em gráficos classificados como sendo de nível 2, os valores de uma variável também são apresentados individualmente. É possível perceber a estrutura dos dados apresentados. No entanto, apesar do gráfico permitir responder a questões ao nível da extração de dados não se consegue ir além disso, nem tão pouco chegar ao nível da extração de tendências. Nível 3: Apresentam separadamente em dois gráficos as distribuições para duas variáveis. De outro modo, cada par de variáveis é representada por meio de dois gráficos. Essa estratégia geralmente dificulta a comparação das variáveis, sobretudo quando o sujeito constrói representações muito diferentes. Mas, é considerado superior ao nível 2, pois o sujeito já consegue extrair a tendência do gráfico. Nível 4: Nesse nível o sujeito já é capaz de produzir um gráfico que agrega duas distribuições de variáveis. Esse tipo de gráfico apresenta uma maior complexidade e por isso, permite tipos mais sofisticados de leitura, considerando a análise da estrutura, a comparação de tendência entre duas variáveis e a variabilidade dessas no mesmo gráfico.

Os níveis de complexidade na construção de gráficos (Arteaga, 2011) têm sido utilizados em diversas pesquisas sobre a construção de gráficos estatísticos, uma vez que tal classificação se constituiu por meio de dados empíricos e por uma revisão cuidadosa dos diferentes tipos de leitura dos gráficos.

79 Vasconcelos e Fernandes (2013) utilizaram a mesma classificação proposta por Arteaga (2011) para analisar a construção de gráficos estatísticos por meio da folha de cálculo entre jovens estudantes do 7º ano de uma escola em Portugal.

Os níveis de complexidade na construção dos gráficos elaborados por Arteaga (Idem) foram considerados na construção do questionário de prospecção do presente estudo. Portanto, a inclusão desses níveis em instrumentos de medida possibilita identificar como a complexidade semiótica dos gráficos relaciona-se com as escolhas dos professores de anos iniciais.