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A compreensão da notícia: os scripts e os modelos mentais O leitor também desempenha importante papel no processo de

O discurso da notícia: referencial teórico

3.3 A notícia como discurso

3.3.2 A compreensão da notícia: os scripts e os modelos mentais O leitor também desempenha importante papel no processo de

produção de notícias, pois é a eles que se destinam as notícias e são eles quem deverão atribuir ao texto noticioso os sentidos pretendidos pelo redator. Entretanto, para o discurso da notícia, é fundamental saber como as pessoas processam as informações, porque, como sabemos, a compreensão de um texto implica processos cognitivos e especialmente a compreensão da notícia se dá dentro de um contexto social.

De acordo com o Censo 200049, quase 90% das residências brasileiras

possuem rádio e televisão e, em dados de 2007, segundo a página eletrônica da revista Info50, 39 milhões de brasileiros têm acesso à Internet, em suas

residências ou no trabalho. Note-se que, para a sociedade brasileira, o rádio e a televisão são as mais importantes fontes de acesso à informação, especialmente porque o analfabetismo e a falta de estímulo à leitura ainda estão muito presentes em nossa sociedade. Porém, de acordo com Lucena (2008)51, a venda de jornais no Brasil teve alta de 11,8% no ano de 2007.

49 http://www.ibge.gov.br/7a12/voce_sabia/curiosidades/default.php 50 http://info.abril.com.br/aberto/infonews/122007/04122007-8.shl

Esses dados indicam que a informação está cada vez mais acessível, porém é importante ressaltar que ter acesso à informação não garante, necessariamente, a sua compreensão. Especificamente para as notícias da mídia escrita, Van Dijk (1988)52 afirma que sua compreensão envolve alguns

passos, a saber:

Percepção e atenção: a atenção diz respeito inicialmente ao interesse de ler algo e, posteriormente, mais sobre algo. A percepção envolve a identificação do jornal ou da notícia, em função das formas de apresentação de ambos. No discurso da notícia, a manchete desempenha importante papel, porque sua forma de diagramação configura uma estratégia para a percepção e identificação dos itens da notícia. Também são estratégias de percepção a localização da notícia na página e demais recursos gráficos, como fotografias, boxes, tamanho, cores etc.

Leitura: a leitura refere-se ao ato voluntário de decodificar e interpretar uma notícia. A interpretação da manchete, por exemplo, pode levar o leitor a decidir se prossegue ou não a leitura do texto. Como estratégia, a estrutura hierárquica dos itens da notícia favorece e é favorecida pela leitura.

Entendimento: o entendimento consiste em decodificar e interpretar os diversos elementos da estrutura da notícia, iniciando pela manchete, seguida pelo lide e depois a estrutura superficial, como a sintaxe e a semântica da frase. Este processo pressupõe a ativação de scripts, ou

frames, e de modelos prévios e novas opiniões serão formadas.

Representação: a representação refere-se ao processo de estabelecer um modelo de situação na memória episódica, isto é, durante o entendimento da notícia, recuperamos modelos prévios, aos quais adicionamos novas informações e assim constituímos um novo modelo de situação. São essas novas informações que trazem as opiniões e, consequentemente, repercutem a ideologia presente no discurso.

Como se sabe, não se faz jornalismo dissociado de um contexto histórico, tampouco se excluem do texto jornalístico as ideologias presentes na sociedade. Nesse sentido, é mister que as cognições sociais sejam compreendidas também como parte do processo de produção e recepção das notícias, atuando conforme o contexto histórico e social desse processo e contribuindo para a repercussão ou modificação das ideologias vigentes.

Desta forma, as notícias devem ser analisadas como produto de interações sociais, pois os jornalistas são também seres sociais e não apenas representantes de instituições, e suas experiências, crenças e objetivos interferirão na produção da notícia, isto é, cada redator armazena em sua memória os conhecimentos que tem de certos episódios da vida social e, durante o processo de redação, os aciona e os emprega. Esses episódios armazenados na memória são os frames ou scripts:

Eles representam o conhecimento consensual e estereotipado que as pessoas têm a respeito de ações, eventos e episódios na vida social, como ir ao cinema ou uma festa de aniversário. Muito das informações em textos acerca de cada episódio normalmente fica implícito porque o falante assume que o ouvinte a conhece. Também se assume que durante a compreensão o leitor ou ouvinte ative, aplique e talvez adapte ou modifique cada informação do script. (...) Eles explicam como leitores podem construir uma representação significativa mesmo quando o próprio texto é apenas fragmentário53 (Van Dijk, 1988:102)

Segundo Van Dijk (2000:78), os scripts ou frames não são arbitrários, mas “unidades de conhecimento, organizadas em torno de um certo conceito” típico de uma cultura; portanto, são socialmente partilhados e mais gerais.

Mais específicos, no entanto, são os modelos armazenados na memória de cada indivíduo, isto é, as “representações mentais de experiências

53 They represent the stereotypical and consensual knowledge people have about actions, events and episodes in social life, such as going to the movies or having a birthday party. Much of the information in texts about such episodes usually remains implicit because the speaker assumes that the listener knows it. It is also assumed that during understanding the reader or listener activates, applies, and perhaps adapts or changes such script information. (...) They explain how readers can construct a meaningful representation even when the text itself is only fragmentary.

pessoais relativas a ações, acontecimentos ou situações particulares”54, aos

quais o usuário da língua recorre durante a leitura de textos e, por meio deles, atribui sentidos ao texto. O mesmo ocorre durante a produção do texto, pois o redator também possui seus modelos e, em razão deles, seleciona os eventos noticiosos que serão narrados, bem como o léxico que será utilizado para a narração e, desta forma, opina e orienta o discurso.

Evidentemente, o leitor poderá não recorrer a esses modelos durante a leitura, porque são modelos pessoais e, portanto, dependem de cada leitor. Porém, é preciso considerar que as mídias impressas preveem um leitor definido de acordo com posturas políticas e ideológicas similares e, portanto, muito frequentemente esses leitores partilham dos mesmos valores, crenças e opiniões. Assim, como há um acordo tácito entre redator e leitores, o texto deixa implícitos, porque o redator supõe que o leitor, durante a leitura, acionará os scripts necessários para fazer a construção dos sentidos do texto, a partir de seus modelos individuais:

Os modelos não representam apenas o conhecimento que temos de ações, de outros acontecimentos e dos participantes nesses acontecimentos, mas também as

opiniões específicas, pessoais, que acerca deles formamos. Daqui se conclui que os

modelos são pessoais e avaliativos, subjetivos e únicos: cada pessoa possuirá um modelo específico (plano, interpretação) de cada texto em cada situação. Uma leitura posterior do mesmo texto pode dar origem a um modelo diferente, atualizado ou modificado. (Van Dijk, 1997:117)

Van Dijk (1997) explica que os modelos podem ser de situação, de

acontecimentos antigos e generalizados. Entretanto, para o autor, há um

modelo específico designado modelo contextual, o qual desempenha importante papel no discurso da notícia, porque, além de fazer representações de acontecimentos, incide na “orientação e interpretação de variações de estilo, uma vez que as escolhas lexicais e a ordem de palavras podem depender do contexto comunicativo”55, e também define o ponto de

54 VAN DIJK, Teun A. Semântica do discurso e ideologia, 1997, p. 116. 55 Ibidem, p.118-9, passim.

vista e a perspectiva segundo os quais os acontecimentos são descritos e, desta forma, orienta as ideologias.

De acordo com Van Dijk (2000:80) o contexto é, “ao mesmo tempo, uma abstração teórica e cognitiva derivada da verdadeira situação físico- biológica”, isto é, o contexto reúne informações específicas de uma situação real, as quais devem ser importantes para a interpretação correta de cada proposição do discurso. Assim, pois, por meio dos modelos contextuais, redatores e leitores interagem no discurso: aqueles, quando orientam o discurso em decorrência da seleção lexical, e estes, quando interpretam tais escolhas.

Conforme podemos observar, Van Dijk (1988) propõe também que a análise da notícia como discurso seja feita sob um ponto de vista que vá além da análise dos aspectos semânticos do discurso, enfatizando os processos cognitivos dentro de um contexto social, o que se revela significativo para os estudos do discurso da imprensa escrita, visto que os jornais, mais do que apenas notícias, veiculam ideologias dentro de um contexto histórico e social para a manutenção ou mudança de valores e crenças sociais.

É sob essa perspectiva que, nesta tese, além dos elementos constitutivos da estrutura da notícia, os quais apresentaremos a seguir, analisaremos também os elementos contextuais que podem estar envolvidos na produção e na compreensão da notícia, com o objetivo de identificar de que maneira esses elementos contribuem para a propagação das ideologias presentes no contexto histórico e social de veiculação das notícias dos crimes passionais que compõem nosso corpus.