• Nenhum resultado encontrado

A compreensão de profissionais de Cariacica sobre a educação de crianças surdas na educação infantil

Escolas de Educação Infantil

5.4 O MUNICÍPIO DE CARIACICA

5.4.2 A compreensão de profissionais de Cariacica sobre a educação de crianças surdas na educação infantil

O município de Cariacica foi o último dos quatro a autorizar a pesquisa e, com o final do ano letivo próximo, tivemos dificuldade em estar em todos os CMEIs. Além disso, é a cidade (dentre as quatro) que teve menos alunos surdos matriculados na educação infantil no ano de 2016, com apenas três alunos. O centro municipal de educação infantil investigado contava com uma aluna surda que tinha implante coclear e sua família não aceitava o ensino de Libras no contexto escolar, portanto a forma de comunicação deveria ser a oral. A criança era atendida pela professora regente que, neste estudo, chamaremos de Karla, e por uma professora colaboradora que não estava disponível para dar entrevista.

Para sistematizar as informações coletadas nas entrevistas a respeito dos centros de educação infantil onde estão matriculadas crianças surdas, a seguir apresentamos um quadro com os dados obtidos.

Quadro 9 – Informações coletadas nas entrevistas dos CMEIs

Número de CMEIs investigados Um CMEI

Número de crianças surdas Uma criança surda (com implante coclear)

Formas de atendimento às especificidades dessas crianças

O ensino de Libras não era oportunizado por decisão da família da criança

Existência ou não do AEE na escola A criança não frequentava o AEE por decisão familiar e ele também não era ofertado na escola

Profissionais bilíngues

A escola não contava com profissionais bilíngues, pois a família optou por uma educação oral

Conhecimento de Libras por parte da família das crianças surdas

A família não sabia Libras

Fonte: Elaborado pela autora.

No município de Cariacica, entrevistamos a pedagoga da escola e a professora regente, além de dois profissionais da equipe gestora do município. A seguir,

apresentaremos parte dos depoimentos desses profissionais que contribuíram para o entendimento de como é oportunizada a educação de crianças surdas e, neste caso, de criança surda com implante coclear, cuja família não aceitou o ensino de Libras no município de Cariacica.

SURDEZ

Karla diz que não vê diferença na infância da criança surda para a infância da criança ouvinte, desde que elas não tenham “outro problema junto” (expressão da professora). Diz que, de uma forma geral, elas são iguais.

Ela aponta que seu principal desafio é não saber se o que está fazendo é o correto, pois, por não ter uma formação específica para trabalhar com os surdos, não sabe se o seu trabalho faz diferença para a vida de sua aluna. Afirma que essa falta de formação a respeito da surdez e de suas especificidades não permite que ela possa planejar e viabilizar à criança atividades mais direcionadas e diversificadas:

Eu sei que ela produziria muito mais, aprenderia muito mais, talvez, se eu tivesse esse tipo de auxílio, ou se eu já tivesse esse conhecimento, porque as atividades que eles fazem que eles aprendem, ela vai aprender de forma diferente e aí eu não consigo me comunicar para que ela alcance esse aprendizado (KARLA, professora regente).

Ercília, a pedagoga do CMEI pesquisado, deixa emergir, durante a entrevista, que seu conceito de surdez está atrelado ao de deficiência auditiva e diz que, em um primeiro momento, a preocupação foi com a adaptação da aluna ao aparelho, pois no início ela tirava a todo o momento. No entanto, acredita que, aos poucos, os funcionários da escola foram vencendo o medo da superproteção e de ela se machucar.

Vieira-Machado (2013) aponta que muitos profissionais têm práticas oralistas e os cursos de Libras disponíveis não dão conta de que eles se tornem fluentes em Libras e compreendam a complexidade da educação bilíngue. Assim, o professor se sente inseguro para o trabalho com a criança surda e oferta uma educação para esse aluno, sem ter uma assessoria sobre o que está fazendo.

Percebemos, pelas entrevistas, que a professora muito se angustia pela falta de preparo para lidar com a surdez e compreendê-la em suas especificidades, já a pedagoga relaciona a surdez com a deficiência auditiva e traz em seu relato também os desafios de ter uma aluna com implante coclear na educação infantil. Notamos, dessa forma, a necessidade de mais processos formativos que incluam os professores regentes para que seus anseios possam ser superados e, consequentemente, que eles estejam mais preparados para o trabalho com a criança surda, especialmente a que tem implante coclear.

EDUCAÇÃO BILÍNGUE

Para a professora regente, Karla, a educação bilíngue é aquela que educa a criança em duas línguas. Como a família não autorizou o ensino de Libras para a aluna, a escola não pode ofertar uma educação bilíngue. Karla diz que planeja suas aulas de uma forma geral e inclui a aluna em todas as atividades. Acrescenta

Independente se eu vou precisar falar, se ela vai me entender ou não, eu tento mostrar pra ela como fazer aquilo ali. É claro que, como a gente é muito oral, é muito diferente, eu não consigo atingir todos os meus objetivos que eu espero com as atividades dela. E eu tenho outras atividades que eu faço que são específicas pra ela. Que são as fichas com imagens... Como eu não tenho estagiária aqui e eu também não tenho formação nenhuma em educação especial, foi uma forma que eu vi que, de repente, daria pra ensinar alguma coisa (KARLA, professora regente).

A formação inicial sem a disciplina de educação especial é um realidade para muitos professores que não a tiveram em seu currículo acadêmico e nos leva a refletir sobre a sua importância para a constituição do profissional que trabalha com várias especificidades no cotidiano escolar.

Além disso, ela diz que, com essas fichas de imagens, ela vai tentando falar especificamente o que são aqueles desenhos, pede que a aluna olhe para sua boca e, em seguida, solicita que repita o que foi dito. Outro recurso utilizado pela professora é o aparelho de DVD, que foi elogiado pela fonoaudióloga, mas com uma ressalva, de que não deverá ser o único recurso utilizado. Para Karla, a criança escuta um pouco, mesmo que, quando algum objeto cai perto dela ela, não demonstre nenhuma reação. A professora relata que, quando a aluna quer alguma

coisa, ela pega em sua mão e a leva até onde ela quer ir. Ela não frequenta nenhum tipo de atendimento educacional especializado. Em relação ao apoio da Secretaria de Educação, Karla disse que a pedagoga buscou ajuda, mas que a Secretaria não enviou nenhum profissional para atuar na escola.

Considerando o objetivo maior da educação infantil, que é o desenvolvimento integral das crianças, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, que apontam como fundamental o trabalho com as linguagens e a constituição subjetiva das crianças, entre outros aspectos, alicerçadas em práticas que promovam as interações e as brincadeiras, questionamo-nos sobre as condições de aprendizagens dessa menina com implante coclear.

Tendo em vista o papel da linguagem não só de comunicação, mas também de constituição das funções psicológicas superiores, o que essa criança tem vivenciado e do que tem se apropriado em termos da cultura? A restrição de suas possibilidades de interação e inserção nas práticas sociais apenas por meio da oralização limita suas possibilidades de desenvolvimento e de ser reconhecida e aceita pelos outros em suas singularidades.

Por outro lado, no CMEI, as profissionais se esforçam para encontrar formas de trabalhar com a criança sem a língua de sinais.

Ercília diz não ter muito tempo para estar diretamente com a professora, mas que a ajuda como pode, inclusive contribuindo na elaboração de alguns materiais utilizados pela professora. Relata que a aluna, no início do ano, só ficava subindo nas cadeiras e mesas e que hoje, com o trabalho desenvolvido, ela já consegue interagir mais e participar das atividades e brincadeiras, o que considera um avanço, tendo em vista as condições de trabalho que possuem.

Conforme Drumond (2017) e Skliar (1999), há uma complexidade em definir a educação bilíngue, contudo entendemos que essa educação, quando possibilitada, é uma oposição às práticas ouvintes de educação baseadas no oralismo e na correção do sujeito; sobretudo, é um reconhecimento político da surdez como diferença, o que está ausente no tratamento da criança com implante colear.

Observamos, a partir das conversas com a professora regente e com a pedagoga, que a falta de apoio mais intenso por parte da Secretaria de Educação interfere nas práticas existentes naquele contexto, pois muitas dúvidas a respeito do trabalho com essa criança perpassam por esses profissionais que se angustiam por não terem uma referência de como trabalhar e proporcionar uma educação que promova o desenvolvimento da aluna surda.

LIBRAS E ENSINO DE LIBRAS

Ercília relatou que, a partir da justificativa de que quer que a criança fale, a família não aceitou o ensino de Libras. Sendo assim, a Secretaria de Educação não teve por que disponibilizar um profissional específico dessa área para atender a essa criança.

Karla, a professora regente, diz não ter o conhecimento de Libras, mas, caso tivesse, ela se disponibilizaria a ensinar a criança, se a família autorizasse. Apesar de ter algumas dúvidas a respeito do ensino de Libras, ela acredita na importância dessa língua para a aluna:

Eu acho que essa seria uma opção dela, eu acho que a família deveria ensinar. Como ela é pequena, eu acho que eles deveriam ensinar Libras. Eu não sei se da Libras já parte para ler lábios, como é isso, mas eu acho que eles deveriam ensinar tudo e ela resolver como fazer isso, né? Porque, ainda mais hoje em dia, que a gente vê que as pessoas são discriminadas e se autodiscriminam, eu fico pensando nela assim: quando ela chegar na adolescência, não sei se ela vai ter que... Se ela vai conseguir frequentar a Escola Normal direto ou se ela vai precisar de algum atendimento depois... Se ela tivesse um grupo com o qual ela se identificasse, ia ser melhor para ela (KARLA, professora regente).

Nesse caso, observamos a preocupação da professora em relação à aluna poder fazer suas escolhas e, assim sendo, deveria a ela ser oportunizado o ensino da Libras para que pudesse escolher a melhor maneira de comunicação, contudo, com a negativa da família, a professora preocupa-se com o futuro educacional da aluna e com seus possíveis desafios na vida escolar.

Stumpf (2008) alerta que as dinâmicas educacionais que são focalizadas na língua oral fazem com que o aluno surdo que está inserido nesse contexto de alunos ouvintes e sem os suportes necessários para sua educação acabe por tentar se

comportar como um deles. Assim, ressaltamos que, com a negativa da família ao ensino de Libras, momentos formativos deveriam ser oportunizados para esses profissionais para que eles pudessem compreender a singularidade dessa criança e, dessa forma, poder planejar suas práticas de modo que contribuam para o desenvolvimento dessa aluna, de sua identidade e cultura.

A partir da entrevista no CMEI pesquisado, fica evidente que muitas são as dúvidas no processo educacional inclusivo de crianças surdas na educação infantil. As dúvidas são tanto de origem conceitual quanto do tipo de educação a ofertar, de modo que atenda às especificidades dessa aluna. Os principais desafios estão na falta de formação específica e na ausência da Secretaria de Educação para acompanhar e auxiliar o trabalho dos profissionais com a criança, de modo a contribuir com o seu desenvolvimento.

5.4.3 Possibilidades de práticas pedagógicas e condições de desenvolvimento da linguagem e da Libras na perspectiva dos profissionais

O município tinha três alunos surdos matriculados na educação infantil e, na escola pesquisada, uma aluna com implante coclear que a família não aceitava o ensino da Libras. A professora regente, Kátia, diz que tem dificuldade em planejar suas aulas por falta de formação.

Em relação à criança com implante coclear, a família não aceitava a Libras e ela não tinha nenhum atendimento específico; a comunicação com ela deveria acontecer por meio da oralidade. A pedagoga, Ercília, e a professora regente, Keila, apontam as dificuldades na comunicação com a criança surda e dela com as outras crianças. Em casa, a família usa muito como recurso o DVD, porém na escola estão tentando outras maneiras de ajudá-la no desenvolvimento da comunicação e da linguagem, como a utilização de fichas de imagens que a professora regente e a pedagoga fizeram para ensinar o nome das palavras à aluna. Observemos os relatos abaixo:

Antes a Layla só ficava subindo pelas cadeiras e rodando pela sala; hoje ela já para um pouquinho pra te escutar. Ela não interagia com os brinquedos, hoje ela já pega os brinquedinhos pra brincar, hoje ela já brinca até de fazer comidinha e isso já foi um avanço pra gente (ERCÍLIA, pedagoga).

Podemos constatar, na fala da pedagoga, que a aluna encontra dificuldade para interagir com os amigos e com os brinquedos, mas a escola tem tentado auxiliá-la de modo que ela consiga brincar com seus colegas ou individualmente, além disso, a fala também é incentivada, como podemos identificar no trecho da entrevista a seguir:

Com as fichas, eu mostro as imagens e falo... Tento falar especificamente o que é o desenho, por exemplo, lápis. Lápis. Aí, tento pedir pra ela olhar pra minha boca, falar pra ela repetir, porque não repete, né. E assim, quando vou fazer as atividades, eu pego na mãozinha dela pra mostrar qual o movimento que eu quero que ela faça. As coisas básicas: ‘Vem cá’. Ela ainda não vem, mas ela já está começando a entender que estão pedindo alguma coisa pra ela. ‘Não’ ela entende. As outras brincadeiras de encaixar, de empilhar, tudo eu vou fazendo assim, vou pegando na mãozinha dela, mostro uma vez, se ela não entendeu, eu pego na mãozinha dela pra ela tentar fazer, pra entender o que eu quero que ela faça (KEILA, professora regente).

Observamos que, de acordo com a fala da professora, apesar dos avanços conquistados, como conseguir sentar e fazer as atividades, mesmo que por pouco tempo, participar de algumas brincadeiras e permitir a aproximação dos colegas, ainda há uma grande dificuldade na interação com os outros, por parte da menina.

Como Vigotski (1999) nos diz, a linguagem é um meio de compreender a si mesmo e os demais. Com a fala, a criança consegue resolver tarefas práticas não somente com os olhos, mas também utilizando a fala para orientar seu comportamento e planejar suas ações, tornando-se menos impulsiva (VIGOTSKI; LURIA, 2007). No caso da criança citada, ela encontra dificuldades de brincar, comunicar, ou seja, interagir com seus colegas e profissionais da escola, pois ainda não lhe foi possibilitada uma linguagem que lhe permita compreender e ser compreendida, na maioria das vezes.

Com base nos autores citados, podemos considerar que, mesmo com os avanços demonstrados pelos profissionais que atendem à criança surda com implante coclear, ainda não lhe é ofertada uma educação que lhe permita a apropriação da linguagem verbal de maneira a fazer avançar significativamente seu desenvolvimento.

Diante disso, consideramos pertinente a afirmação de Silva (2013, p. 43) a respeito de alguns municípios que devem orientar uma proposta educativa para crianças surdas com implante coclear:

[...] o processo educacional do surdo implantado deve ser embasado por políticas que se fundamentam no respeito à diferença, construindo um ensino que desenvolva sua língua, sua identidade, dentre outros aspectos. Uma política que proporcione a esses sujeitos uma vida escolar mais significativa e contextualizada, desvinculada da visão clínica, que pode ocasionar prejuízos à aprendizagem.

A aquisição da fala é de extrema importância para que a criança, além de outros aspectos, consiga participar do convívio escolar, como das brincadeiras, que é uma prática social fundamental no desenvolvimento infantil. A brincadeira, porém, também precisa ser aprendida e, por causa da dificuldade da criança em constituir numa língua (oral), ela sente dificuldade em interagir e brincar com os pares, demonstrar seus desejos e necessidades, bem como compreender as regras dessas brincadeiras.

Dessa forma, muitos são os desafios que a criança surda com implante coclear encontra na escola: a dificuldade na interação, nas brincadeiras, na comunicação, na expressão de seus sentimentos e necessidades que acabam por dificultar sua compreensão de si mesma e dos outros à sua volta, bem como interferir em seu aprendizado e desenvolvimento. Ressaltamos, também, a necessidade de formação para os profissionais que lidam com a criança com implante coclear, visto que as legislações vigentes não deixam claro como é a educação que essa criança deve receber, fazendo com que os profissionais se sintam despreparados para o trabalho com esse aluno, como demonstrado pela professora regente.

5.5 PRINCIPAIS QUESTÕES QUE SE COLOCAM NA EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS