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2 A EDUCAÇÃO INFANTIL, EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO DE SURDOS

2.1 A INFÂNCIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL: ASPECTOS HISTÓRICOS E POLÍTICOS

2.1.3 Políticas educacionais para as crianças pequenas

Discutir sobre políticas de educação infantil implica levar em conta a especificidade e relevância dessa etapa de educação básica bem como a dos sujeitos que nela estão inseridos. É fundamental, então, que tenhamos políticas públicas capazes de assegurar, além da universalização das matrículas, um ensino de qualidade comprometido com o desenvolvimento do aluno, em uma perspectiva de emancipação humana.

O acesso às creches e pré-escolas pelas crianças ocorreu a partir de vários movimentos sociais e de órgãos governamentais ao longo da história da educação brasileira, como apontam Corsino e Nunes (2010), abarcando dimensões sociais, políticas e administrativas.

Para Krawczyk (2000), as políticas educacionais no Brasil têm o conhecimento como principal variável na explicação das novas formas de organização social e econômica e tal conhecimento é gerador e condicionante de novas desigualdades e diferenciações. A política educacional passa a ser considerada, no âmbito das políticas sociais, como uma política de caráter instrumental e subordinada à lógica econômica. A autora ainda diz que “É preciso a definição de uma política educacional que crie condições para o acesso ao conhecimento atualizado e significativo do conjunto da sociedade e de valores que permitam construir uma identidade coletiva democrática” (KRAWCZYK, 2000, p. 6).

Segundo Campos (2010), foi com a Constituição Federal (1988) e com a LDB (Lei nº 9.394/96) que a tensão entre a função assistencial (creches) e a educativa (pré- escola) dessa etapa de educação básica foi “superada”. Além disso, com as referidas leis, as crianças têm o direito de acesso à educação infantil. Contudo, estando em uma sociedade de classes, essa democratização do ensino nem sempre

é possibilitada visto os limites impostos pelas classes dominantes, fazendo com que a educação infantil ainda não esteja assegurada para todas as crianças de zero a cinco anos.

A Emenda Constitucional nº 59/2009 determina que o Estado oferte o ensino obrigatório a partir dos quatro anos de idade, porém, de acordo com Alves e Alves (2010), a exclusão das crianças de zero a três anos nessa obrigatoriedade demonstra que a educação básica continua fragmentada, revelando que as crianças maiores têm prioridades em relação às menores. Siqueira (2012) aponta que tal pensamento emerge do entendimento de que as crianças maiores deveriam ser preparadas focando um retorno econômico-social, enquanto às crianças menores seria suficiente a função de cuidar. Alerta Siqueira (2012) que a educação infantil de qualidade como um todo é um direito social da criança que não deveria ser violado. A respeito disso o autor nos diz que

A educação infantil como direito público e social da criança implica considerá- la em sua condição política, ou seja, como um bem público, como um bem comum, portanto, para todas as crianças, independentemente de qualquer condição econômica. Nesse sentido, se, por um lado, a questão do direito precisa ser compreendida no campo de tensão entre a dimensão política e econômica, por outro há que se ter claro que a garantia de qualquer direito implica uma disputa de interesses que se justapõem no plano das desigualdades sociais (SIQUEIRA, 2012, p. 243).

Assim sendo, é necessário compreender a educação infantil como uma política para todos e não uma política que segregue de acordo com alguns interesses. Ela deve “[...] ser tomada como expressão e resposta da ação permanente do Estado, que compreende, articula e promove ações para atender às necessidades das crianças e suas famílias como sujeitos de direitos” (SIQUEIRA, 2012, p. 243).

Nessa perspectiva, cabe aos municípios a responsabilidade pela educação infantil e um de seus desafios é abranger a oferta a todos e acabar com o caráter assistencialista que até os dias atuais faz parte, por muitas vezes, da educação infantil. Tal caráter emergiu a partir do modo de trabalho assistencialista que foi ofertado para as crianças pobres. Outro desafio aos municípios é em relação à falta de apoio financeiro por parte do Estado para suprir o custo com profissionais, materiais pedagógicos, espaços físicos de acordo com as necessidades dos alunos, alimentação, dentre outros.

Corsino e Nunes (2010) apontam que a responsabilidade da educação infantil, que era do Estado e passou a ser, também, dos municípios, pode ser considerada em dois níveis: de um lado, uma política nacional de educação que fica a cargo do Ministério da Educação, que toma decisões a partir de estatutos legais e, de outro, políticas municipais que devem planejar e administrar a rede escolar. Os municípios, muitas vezes, acabam (re)interpretando as políticas nacionais e elaborando as suas próprias políticas.

As desigualdades dos municípios brasileiros em suas condições sociais e econômicas levam a diferenças na quantidade de oferta de vagas e na qualidade do ensino, “[...] nessa trajetória, muitos municípios procuram delinear propostas, certamente a partir de suas convicções ideológicas, de seus compromissos políticos e de suas condições econômicas, sociais e culturais” (CORSINO; NUNES, 2010, p. 7).

Ainda à luz das ideias da autora, as causas da baixa qualidade do ensino envolvem alguns fatores, como infraestrutura insuficiente nas escolas públicas, a desvalorização do trabalho docente, a formação inadequada desses profissionais e a fragilidade educacional de muitos municípios. Mesmo com documentos elaborados pelo Ministério da Educação, como os “Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil”, os “Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil” e os “Indicadores de Qualidade na Educação Infantil”, não há garantia, por si só, da ação efetiva nos diversos municípios brasileiros.

De acordo com Siqueira (2012), a educação infantil tem aspectos que precisam ser levados em consideração, como a avaliação, a supervisão e a regulação das unidades de ensino por parte de órgãos competentes, o que demanda a criação de equipes para executar tais tarefas, a fim de que se observe se as políticas estão articuladas com as etapas de ensino. O autor ainda acrescenta outro aspecto que merece atenção na educação de crianças e que está presente nas diretrizes curriculares: o currículo. Afirma que

A importância da formação integral da criança rompe com a lógica de prescrição de conteúdos e enfatiza as vivências e experiências que as crianças trazem, bem como aquelas que devem ser propiciadas pelas

instituições. Portanto, ressalta a importância de que as crianças se apropriem

dos conhecimentos que constituem o patrimônio da humanidade, ao mesmo

tempo que propõe a brincadeira e a interação como eixos do trabalho, a fim de garantir que as crianças ampliem sua visão de mundo (SIQUEIRA, 2012, p. 246).

Por outro lado, Campos (2008) aponta que as políticas para a educação infantil ainda são, muitas vezes, de caráter compensatório e direcionadas às “populações vulneráveis”. Desse modo, acabam por retirar a educação infantil da esfera do direito, reduzindo-a a uma ajuda às populações mais pobres, com o intuito de combater a pobreza, e acabam por não realizar ou dificultar a igualdade e a universalização da educação.

A autora aponta que, apesar de existir uma ideia de que o simples acesso à educação garantiria a superação da pobreza, ela, por si só, não é suficiente para retirar da pobreza os milhares de brasileiros. Além disso, mesmo a criança sendo referida como sujeito de direito nos documentos, isso não acontece na prática, uma vez que muitas políticas implementadas pelo Estado não são compatíveis com a compreensão das crianças como sujeitos de direito e atores singulares. Campos (2008, p. 10) ainda acrescenta:

Dentro dessa lógica, as políticas sociais são principalmente residuais, tendo ação direta sobre os segmentos que estão fora dos processos integradores, de forma que a focalização se torna um componente da racionalização do sistema. A grande política seria a econômica, de forma que a política social sofre uma minimização, sendo transformada em um apêndice no processo de eficiência proclamado pelo mercado. O imperativo do mercado, ou seja, da eficiência acaba por superar o dos direitos.

Campos diz que, a partir da década de 90, sob a justificativa da universalização e equalização do ensino de qualidade, no Brasil e no mundo, foram lançados vários projetos educacionais com a finalidade de possibilitar uma transformação produtiva dessas regiões. Nesse contexto, o investimento na educação infantil era visto como uma ação que ajudaria a quebrar o ciclo de pobreza, estabelecendo um vínculo entre educação, emprego e renda.

Observamos que as justificativas para os investimentos na educação da infância são fortemente condicionadas pela perspectiva do desenvolvimento de recursos humanos, tendo em vista a capacidade produtiva futura e a possibilidade de gerar uma distribuição mais equitativa. Essa argumentação se contrapõe à concepção de educação, tanto aquela direcionada para a pequena infância como direito e inalienável, tendo como finalidade as pessoas e não sua capacidade produtiva (CAMPOS, 2008, p. 11).

Estando em acordo com o discurso de universalização da educação e direitos sociais, da superação das desigualdades sociais, nas últimas décadas, a educação infantil tem sido atravessada por uma relação de mercantilização, com foco no aspecto econômico. Além disso, Fullgraf (2008) diz que muitas organizações internacionais, como o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), além de financiadores, exercem grande influência na elaboração de políticas nacionais.

Nessa direção, Rosemberg (2000) afirma que há uma preponderância dos bancos multilaterais no financiamento e orientação da educação e que as organizações multilaterais funcionam numa dinâmica de “toma lá, dá cá”, ou seja, os países aceitam as orientações dessas organizações em troca de financiamento da educação. Além disso, o tipo de financiamento também pode orientar os rumos das decisões tomadas pelas organizações internacionais.

A autora chama a atenção para o fato de que, a partir da década de 70, houve uma mudança por parte da Unesco no perfil dos assessores para atuarem na educação infantil: a predominância europeia deu lugar à norte-americana. Rosemberg (2000) interpreta tal mudança como reflexo da introdução da educação infantil na agenda das políticas educacionais para o desenvolvimento econômico e social dos países em desenvolvimento.

Pelo fato de a educação infantil dos países em desenvolvimento estar na pauta das agências financiadoras, visando ao desenvolvimento econômico, seja por meio de construção de futuros trabalhadores “qualificados”, seja por meio da formação de novos consumidores, a Unesco termina por assumir um perfil que atende a essa a demanda. Como parte desse perfil, expressa-se a predominância norte-americana.

Em relação à ampliação do acesso ao ensino e da educação, estabelecido na legislação em vigor, Pinto e Alves (2010, p. 213) ressalta que ela contribuirá para a superação dos baixos índices de escolarização da população brasileira, se for acompanhada pela qualidade do ensino, pois “[...] somente uma educação de

qualidade pode permitir ao estudante se inserir de maneira crítica na sociedade e desempenhar com autonomia seu papel político, social e econômico”.

Muitos são os desafios a serem superados. Diante disso, as políticas públicas que foram se desenvolvendo em nosso país tiveram/têm caráter universalista o qual visa à garantia do direito à educação a todos. Contudo, segundo Corsino e Nunes (2010), a universalização de políticas sociais é, por vezes, residualista, pois o Estado atende apenas a uma parcela da sociedade, especificamente aos sujeitos mais pobres.

O discurso da universalização da educação infantil ocorre “[...] num contexto marcado pelo acirramento das contradições sociais, que engendram políticas sociais restritivas e focais, típicas dos países do capitalismo dependente” (CAMPOS, 2010, p. 300). Assim, embora esteja pautada nas propostas de direito e igualdade, na educação infantil, afasta-se de sua função social e emancipatória.

É necessário, portanto, que a educação infantil seja tomada como uma política pública em defesa dos direitos das crianças, pois, mesmo ela sendo reconhecida como direito, muito se discute a respeito das condições de acesso, permanência e qualidade no ensino ofertado, além da precarização da função docente e das condições de trabalho.

Kramer (2003) faz algumas reflexões a respeito da educação da infância e diz que sua assistência tem se constituído no Brasil num objetivo não concretizado e que há uma discrepância entre a valorização dada à criança ao nível de discurso e a situação real da infância brasileira. A autora diz que atender à criança hoje no Brasil tem a justificativa de prepará-la para um futuro melhor e para uma sociedade diferente, mas questiona sobre quais mudanças são feitas no presente.

Além disso, ressalta que os três planos de atendimento à infância, ou seja, saúde, assistência e educação, são precários, não se integram e são resultantes da estrutura social e do modelo econômico brasileiro que determinam a vida das famílias.

Outro ponto de destaque para Kramer (2003) é que a criança é vista, muitas vezes, como causa dos problemas sociais, porém, na verdade, ela é consequência deles e divulga-se a ideia de que, por meio do seu atendimento, será promovida a mudança social. Assim sendo, o problema é identificado na criança, na família, mas nunca na sociedade e muito menos na divisão de classes sociais. Nesse contexto, o seu atendimento acaba sendo proposto, em geral, com caráter compensatório.

Concordamos com a autora quando diz que se faz necessária uma ação pedagógica diversificada e que leve em consideração as condições reais de vida das crianças, que busque garantir um aprendizado verdadeiro, acreditando sempre nas suas possibilidades. Para tanto, “[...] só é possível concretizar uma política de infância voltada para a cidadania e a emancipação, e preocupada, portanto, com a cooperação e a autonomia, se os adultos envolvidos forem dessa mesma forma considerados” (KRAMER, 2003, p. 128), pensando, assim, em investimentos, tanto na formação inicial quanto na formação continuada dos profissionais.

A educação como direito é uma conquista de todos os cidadãos que agora lutam por uma educação de qualidade. Sendo assim, apresentaremos um breve contexto histórico a respeito da educação especial e da educação de surdos, que também teve forte influência de movimentos sociais nas últimas décadas, em busca da garantia do direito à educação.

2.2 EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO DE SURDOS: DA DEFICIÊNCIA À