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Maria Lúcia Adriana Silva Gomes 1 Rodrigo Barbosa e Silva

COMUNICAÇÃO E CULTURA NA CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL

Assim sendo, tem-se que a personalidade social do indivíduo é determinada por fatores externos e adquirida por meio de um processo de aprendizado, que os antropólogos denominam endoculturação. E essa aprendizagem só é possível se estiver balizada em dois pilares que fundamentam o conceito antropológico de cultura, daí se configuram de grande relevância para este estudo (LARAIA, 2008).

O primeiro desses pilares é a comunicação, que atrelada à cultura são elementos que constituem a identidade do ser humano e o diferencia dos outros seres vivos. Não há como analisar cultura e ignorar a comunicação, da mesma forma que comunicação não pode ser compreendida como fenômeno isolado, “é necessário considerá-la integrada às relações culturais, não é possível desvinculá-la da cultura” (PINTO, 2000, p.5). É bem verdade que a forma de comunicar cultura pode variar dependendo do período

histórico e do grupo na qual está inserida, todavia a comunicação é elemento imprescindível. Isso acontece dada a natureza dinâmica da cultura, como concordam Geertz (1989). Laraia (2006), Santaella (2003), Santos (2006) e Siqueira, D; Siqueira,E (2007).

Carneiro (2009) assinala que a comunicação humana se diferencia da dos demais animais pelo seu caráter simbólico. Santaella (2003, p.65) concorda e ressalta que a linguagem permite que o homem planeje e programe o futuro, incitando-o a “projetar e corrigir o que fez ontem”. Chadin (1986 apud CORREIA, 200?) complementa ao chamar de capacidade reflexiva, essa faculdade humana de “não mais apenas conhecer, – mas conhecer-se; não mais apenas saber, mas saber que se sabe”. E Laraia (2006, p. 95) arremata elucidando que os homens têm a capacidade de questionar seus próprios hábitos e modificá-los.

Diante do exposto até aqui é possível constatar que processos culturais são mediados por comunicação. Constatação essa, reforçada pela seguinte afirmação de Santaella (2003, p.65): “toda e qualquer apreensão do mundo se dá inelutavelmente pela mediação da linguagem”. Januário (2005, p.15) também é guiado por essa mesma percepção, segundo ele, cultura equivale a “compartilhar conhecimento”. E esse compartilhar só é possível por meio da comunicação.

E a comunicação, por sua vez, apesar de está entrelaçada à cultura, é tratada por Berlo (2003) como um processo independente. Entende-se aqui processo “como qualquer fenômeno que apresente contínua mudança no tempo” (ALONSO, 2002 apud REIS). Dentro desse contexto, Berlo (2003, p.25) explica que é adequado analisar a comunicação como processo, porque ela “não é coisa estática, parada. É móvel.”

O processo da comunicação proposto por Berlo (2003) aponta seis ingredientes indispensáveis para sua composição. São eles: 1) Fonte: parte que origina a mensagem; 2) Mensagem: idéia a ser transmitida; 3) Codificador: módulo que transforma a idéia a ser transmitida em sinais para compor a mensagem; 4) Canal:

GILSON PÔRTO JR.; DARLENE T. CASTRO ; GABRIELA P. MELO; ALESSANDRA BACELAR (ORGS.) | 95 condutor da mensagem; 5) Decodificador: módulo que traduz e dá sentido a mensagem àquele que a receberá; 6) Receptor: parte que recebe a mensagem.

Entendendo isso, é possível concluir, por exemplo, que o ‘diálogo’ entre um youtuber - indivíduo que se utiliza do site Youtube especificamente para compartilhar vídeos sobre os mais variados assuntos, geralmente produzidos e estrelados por si próprio (CAMBRIDGE ADVANCED LEARNER’S DICTIONARY & THESAURUS) - e os seguidores do seu canal representa uma extensão do processo comunicativo do ser humano, resultante dos avanços culturais e tecnológicos vivenciados na sociedade. Pode-se dizer que é uma versão amplificada daquele processo da comunicação concebido por Berlo, no qual podem ser percebidos todos os seis elementos, mas, dispostos em uma dimensão espacial bem maior que a da comunicação interpessoal.

O segundo pilar sustentador do conceito antropológico de cultura, segundo Laraia (2006), é a faculdade do ser humano de produzir instrumentos que aperfeiçoem seus processos biológicos e otimizem as condições de vida em seu hábitat.

Tal capacidade criativa humana deu origem a diversas fases tecnológicas da sociedade, acarretando em uma séria de mudanças culturais, cada uma a seu tempo. Pode-se dizer que essas fases vêm evoluindo desde os períodos pré-históricos do homem, Paleolítico e Mesolítico (500.000 A.C. à 18.000 A.C): fase em que ele começa a dominar a natureza, fabricar utensílios, usar trajes para se proteger do frio, usar o fogo e, dentre outras coisas, desenvolver a linguagem para se comunicar; até chegar ao digitalizado e interativo século XXI (FÓTON DROPS, 2008). Todavia, a evolução tecnológica na qual se vive hoje começou a ser mais intensa entre os séculos XVIII e XIX, justamente no período em que as discussões em torno dos conceitos de cultura iniciaram seu processo de sistematização. Santaella (2003, p.196) traduz esse momento:

Se antes da Revolução Industrial, as relações entre homem e máquina eram ainda incipientes, limitando-se a truculentos artefatos, do tipo de uma catapulta, ou a instrumentos, tais como os de tortura, o relógio e alguns instrumentos de medida e de pesquisa como o telescópio, a partir [desse período], esse cenário começou a passar por profundas e crescentes transformações.

Tais inovações tecnológicas também foram percebidas no campo da comunicação, os meios daí pra frente só evoluiriam. Fascioni e Vieira (2001) relatam que apesar dos tipos móveis de Gutenberg terem surgido em meados do século XV, somente com a Revolução Industrial é que vieram as transformações mais significativas, tais como o advento das prensas a vapor em 1869, que substituíram os operadores manuais, e do equipamento de fotocomposição em 1950, que permitiu, entre outras coisas, a sobreposição de imagens e textos.

Todo esse frenesi tecnológico que envolveu os meios de produção e de comunicação incitou mudanças no aspecto cultural de toda a sociedade. Causa que pode ser explicada ao citarmos Fábio Gomes, quando diz que “cada novo meio de comunicação propicia o aparecimento de um correspondente ciclo cultural” (2005, p.6). No final do século XIX as mudanças são tão representativas que Pinto (2000, p.37) chega a considerar o período como uma das épocas mais exuberantes da história mundial.

Regiões do globo se comunicam através do telégrafo; o telefone facilita os contatos humanos; realizam-se com êxito os experimentos cinematográficos, a imprensa se transforma em empresa capitalista; a propaganda estimula o consumo; aparecem os primeiros automóveis, mudando as estruturas urbanas; por fim o homem inicia a grande aventura pela conquista do espaço.

E é claro que o Brasil não ficou imune à Revolução Industrial, iniciada em meados do século XVIII na Inglaterra que permeou e influenciou o mundo inteiro. Foi com a vinda da família

GILSON PÔRTO JR.; DARLENE T. CASTRO ; GABRIELA P. MELO; ALESSANDRA BACELAR (ORGS.) | 97 real portuguesa em 1808, motivada pelos ataques do Império Napoleônico francês a Portugal e pela crise econômica vivida pela monarquia por causa do avanço da nova ordem econômica mundial baseada no capitalismo, que a antiga colônia tomou parte de todas essas mudanças tecnológicas e culturais que o Velho Mundo estava vivenciando (COTRIM, 1996).

Aliás, D. Pedro II foi um grande interessado e importante incentivador das ciências e das novidades tecnológicas. Foi por intermédio dele, por exemplo, que o telefone chegou em solo brasileiro, apenas um ano após a invenção ter sido patenteada por Alexander Graham Bell. “O interesse do imperador pelo aparelho foi tanto que ele se tornou a primeira pessoa a comprar ações da ‘Bell Telephone Company’, companhia de Bell e também um dos primeiros donos do equipamento no mundo” (PORTAL DO PLANALTO, 2015).