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1. INTRODUÇÃO

1.8 A relação entre o profissional de saúde e o paciente

1.8.1 Comunicação em oncologia: o protocolo SPIKES

Há 20 anos, em 1998, médicos oncologistas reconheceram suas dificuldades para a comunicação com os pacientes, sobretudo em situações com um prognóstico ruim, em um simpósio na reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO). Além do componente verbal de dar as “notícias difíceis”, apontaram problemas relacionados a outras habilidades, o que inclui: responder às reações emocionais dos pacientes, envolver o paciente na tomada de decisões, lidar com o estresse criado pelas expectativas dos pacientes para a cura, o envolvimento de vários membros da família e o dilema de como dar esperança quando a doença se mostra em um quadro irreversível ou cujo tratamento seja paliativo (139).

Da pesquisa com os profissionais e de avaliações sobre a experiência emocional dos “portadores de más notícias” nesse contexto, concluiu-se que, em oncologia clínica, as melhores habilidades comunicacionais não são opcionais, mas obrigatórias e que as formações apresentavam importantes lacunas nessa dimensão (139, 140). Como estratégia para lidar com esse problema, foi criado o protocolo SPIKES, subdividido em seis domínios, a fim de subsidiar profissionais de saúde no momento da comunicação com os pacientes em situações difíceis e limítrofes:

• S – Setting Up (Planejamento da entrevista) – preparar o local para o paciente, garantir sua privacidade, rever todos os dados que fundamentarão a comunicação das notícias difíceis, informar sobre a disponibilidade ou restrições de tempo, livrar-se de quaisquer interferências desnecessárias, envolver pessoas importantes se for o desejo do paciente, colocar-se disponível;

• P – Perception (Avaliar a percepção do paciente sobre o seu quadro ou problema de saúde) – saber como o paciente percebe seu adoecimento, saber o que já lhe foi dito ou se ele mobilizou esforços para obter informações em fontes como internet, conversas com outras pessoas, compreensão sobre as razões pelas quais foram feitos exames, aspectos religiosos, etc;

• I – Invitation (avaliar o desejo de saber do paciente e obter o seu pedido por informações, o paciente faz o convite: “conte-me”) – procurar saber se o paciente deseja informações detalhadas, os pormenores, todos de uma só vez ou se prefere ir perguntar

gradativamente conforme sentir necessidade, oferecer-se para responder as perguntas ou falar com familiares ou pessoas de referência para o paciente, verificar se o paciente deseja saber detalhes dos resultados dos exames ou apenas um esboço que o possibilite acompanhar o tratamento;

• K – Knowledge (transmitir a notícia e as informações ao paciente, fornecer subsídios acessíveis, transparentes, claros) – anunciar com delicadeza sobre notícias difíceis e aguardar o tempo do paciente para se dispor a escutá-las, ficar atento a aspectos defensivos ou negação, adaptar-se ao vocabulário do paciente de forma que o mesmo possa compreender o que está sendo dito, informar aos poucos e conferir se há reciprocidade e progresso na compreensão, evitar transmitir desesperança e colocar as diversas possibilidades de cuidados, alívios de sintomas, cuidados para com o sofrimento, inclusive em possibilidades de tratamento paliativo;

• E – Emotions (validar a expressão de sentimentos e oferecer respostas afetivas às emoções dos pacientes e familiares) – dar voz aos sentimentos e reações emocionais dos pacientes e familiares, auxiliando-os a lidar com o estado de choque e evitar o descontrole, acolher a legítima expressão de sentimentos de ansiedade, raiva, tristeza ou inconformismo, dar tempo para se acalmarem, abrir a possibilidade de continuar, fazer perguntas exploratórias que favoreçam a expressão e a nomeação dos sentimentos, ouvir as preocupações, medos, fantasias, crenças, não deslegitimar tais formas de reação, expressar solidariedade, validar os sentimentos, pensamentos e emoções;

• S – Strategy and Summary (resumir as principais questões e traçar estratégias conjuntas) – fazer um resumo dos pontos principais, perguntar se os pacientes estão prontos para pensar em possibilidades de tratamento, convidar os pacientes e familiares para conversar sobre as estratégias de cuidado, compartilhar responsabilidades na tomada de decisão com o paciente e avaliar a sua compreensão sobre as estratégias, cuidar para não haver superestimação de abordagens terapêuticas, focar nas

necessidades do paciente, ser honesto sem destruir as esperanças e a vontade de viver dos pacientes.

As situações de uso desse protocolo são complexas e não se restringe a um simples “seguir o script”. Todo o processo de manejo e aplicação do protocolo SPIKES pressupõe uma interação dinâmica e flexível entre o médico, o paciente e a equipe multiprofissional, de forma a amparar-se no investimento pessoal de tais profissionais para a construção de vínculo, relacionamentos confiáveis, transparentes e solidários, onde o clínico é guiado pela compreensão, preferências e pelo comportamento do paciente.

Não se trata apenas de seguir rigidamente um protocolo, mas sua implementação depende da qualidade do vínculo e das alianças terapêuticas construídas entre o profissional de saúde e o paciente (e sua família). As maiores dificuldades não se dão necessariamente na comunicação de notícias em situações difíceis, mas no estabelecimento de um bom vínculo relacional e uma aliança terapêutica confiável (140).

Reconhecemos a importância das abordagens terapêuticas ao CCP com foco na cura/controle. Porém, elas não são suficientes para lidar com as categorias relacionadas ao sofrimento das pessoas no processo de adoecimento e tratamento. É preciso fortalecer a atuação multiprofissional e interdisciplinar nesse contexto permeado pelos diagnósticos tardios, propostas terapêuticas com os seus respectivos benefícios e prejuízos. A complexa trama da experiência do adoecimento/tratamento para o CCP exige que as percepções dos pacientes orientem as estratégias para a efetivação da atenção integral traduzida em práticas de cuidado.