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COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA, MERCADO E SEDUÇÃO

4. PUBLICIDADE, CULTURA DE CONSUMO E ESTÉTICA FEMININA

4.4 COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA, MERCADO E SEDUÇÃO

As ideias de Campos (1987), Marcondes Filho (1988) e Lipovetsky (1989) são partilhadas por Vestergaard e Schroder (1988) em relação à publicidade vocacionada para seduzir e persuadir os consumidores na aquisição de bens de consumo. Consequentemente, pensar a publicidade como comunicação exige atenção às sutilezas desse jogo sedutor, conforme se posicionaram os autores acima citados. Trata-se de uma interação simbólica intermediada por produtos e serviços à venda. Por essa razão, não se deseja determinar o vencedor do jogo, mas conhecer as suas regras, os modos de jogar e os jogadores envolvidos nessa trama de imaginário e consumo, reflexo da publicidade.

Para Campos (1987, pp.78-9), na comunicação publicitária, “à beleza e sedução do jogo das imagens, cores, formas e objetos, subjaz uma visão do mundo, uma proposta de relação do consumidor consigo mesmo, com os objetos e as pessoas, com a própria estrutura social, enfim”. Então, o receptor procura pôr em prática as mensagens dos anúncios, ao assimilar, muitas vezes imperceptivelmente, o que lhe é apresentado. Nesse sentido, o discurso publicitário assemelha-se ao “canto da sereia” por seu “aspecto sedutor e envolvente”. Por trás “da beleza visual e da promessa de realização do desejo”, existe uma retórica de sonho e fantasia, cujo efeito persuasivo busca a adesão do destinatário.

Também compete ressaltar o ponto de vista de Kellner (2001), ao compartilhar do preceito de que a publicidade fornece algumas compilações de mitologias modernas. “Do mesmo modo que os mitos, as propagandas frequentemente solucionam contradições sociais, fornecem modelos de identidade e enaltecem a ordem social vigente” (KELLNER, 2001, p. 317). Ao analisar alguns cartazes de anúncios de cigarros, o autor destaca que as imagens simbólicas utilizadas nos anúncios, cujo alvo é, na maioria das vezes, formado pelo sexo masculino, retratam a ideia de que somente os homens de verdade fumam, sendo fumar sinônimo de masculinidade. A partir dessas características, enfatiza-se que a linguagem utilizada pela publicidade estabelece um perfil desejado e considerável,

sendo capaz de induzir as pessoas a consumir o produto, pela razão de que é possível ser igual ao homem do comercial, ou seja, um “homem de verdade” (grifo do autor).

A propaganda vende produtos e visões de mundo por meio de imagens, retórica e slogans justapostos em anúncios nos quais são postos em ação tremendos recursos artísticos, psicológicos e mercadológicos. Tais anúncios expressam e reforçam imagens dominantes de sexo, pondo homens e mulheres em posições de sujeitos bem específicas (KELLNER, 2001, p. 322).

Nesse contexto, o autor argumenta que, em algumas campanhas publicitárias, as estratégias usadas produzem imagens pós-modernas com a intenção de conseguir vender seus produtos. Por conseguinte, a publicidade torna- se um dos elementos responsáveis pela mudança de comportamento, tanto individual, quanto social, pois busca atingir um mecanismo de adesão que encobre, algumas vezes, a compreensão crítica de seus objetivos e conteúdos.

Em relação ao aspecto sedutor das peças publicitárias, Bauman (2005) exemplifica que a publicidade, nos anúncios sobre automóveis, utiliza mensagens que abordam desejo, paixão. Já, com relação aos celulares, adota a inspiração e a libidinagem. “Em suma, os bens de consumo encarnam a extrema revogabilidade e a falta de finalidade das escolhas e a extrema descartabilidade dos objetos escolhidos”, criando a impressão de que são os consumidores que separam o que é útil daquilo que deve ser descartado, porém é a comunicação publicitária que exerce controle e regulação sobre muitas das ações humanas em termos de consumo.

Do mesmo modo, é pertinente analisar os pressupostos de Campos (1987) e Marcondes Filho (1988), quando abordam o papel da publicidade sobre o capital e o fato de as mercadorias estarem ligadas às representações e aos estilos de vida. Isso, porque as mensagens publicitárias contribuem para desenvolver no homem uma nova função em seu modo de vida, o que Campos (1987, p.85) define como a própria atividade de consumo. No início, é usada para objetos considerados básicos para sua sobrevivência, “amplia-se atingindo os vários níveis da vida social e tem como etapa final o consumo da própria instância social e de suas normas”. Logo, a própria mídia publicitária promove a satisfação de carências e desejos por ela mesma provocados.

Por sua vez, Marcondes Filho (1988) refere-se ao fato de que as necessidades de consumo são determinadas historicamente, e sua satisfação depende do conteúdo dos diferentes meios de comunicação. Estes criam dispositivos que esvaziam o repertório mental dos imaginários das pessoas. Por isso, o autor recomenda que o ser humano acorde do sonho de si mesmo, para analisar suas próprias ações, como forma de defender-se das fantasias criadas pela publicidade.

Então, ao fazer seu apelo, a peça publicitária reforça a aparência estética de um produto, visto que a qualidade de um audiovisual está em realçar o que é mais belo do que a vida real. Consequentemente, os signos empregados na publicidade esmeram-se em promover a beleza, com o objetivo de atrair o público para consumir o produto (MARCONDES FILHO, 1988).

Nessa linha de pensamento, os dois autores percebem a publicidade enquanto atividade promotora da sedução e do consumo, uma vez que as mensagens publicitárias partem do que é básico para produzir novas necessidades contempladas pelo consumismo contemporâneo, numa ação cultural e ideológica. Além disso, as fantasias criadas pelos meios de comunicação de massa, em especial, pela publicidade, e os demais signos empregados nos anúncios buscam atrair, cada vez mais, o público consumidor.

Ainda, Marcondes Filho (1988) analisa a questão do mercado em relação às promessas da publicidade no limite da sensualidade, visto que elas costumam reforçar a produção do aspecto sensual enquanto uma mercadoria. Tanto num filme quanto na TV, a sensualidade não é descrita como uma função do corpo. Filme e anúncio não utilizam a publicidade estética de um produto, mas o apelo sensual, a fim de realçar a aparência do que é divulgado, como se fosse mais belo e atraente do que a vida real. Com isso, constata-se que o sucesso da estratégia da publicidade em seduzir pela estética da mercadoria induz as pessoas à busca pela satisfação, o prazer e a felicidade no ato de consumir. O autor complementa, afirmando que, enquanto existir a função econômica da estética mercadológica e o desejo do lucro, a apresentação da mercadoria vai satisfazer apenas pela embalagem, e não pelo produto em si mesmo.

Convergindo com as ideias de Marcondes Filho (1988), Arruda (1985) discorre sobre a publicidade enquanto um componente fundamental da acumulação capitalista, é levada aos extremos, ao tornar-se mercadoria. Nesse sentido, a autora enfatiza:

É precisamente aqui estamos nos movendo no terreno do nosso objeto de estudo: a publicidade. A indústria cultural, numa sociedade dominada pelo valor de troca juntamente com a publicidade, que é a sua seiva, transformam-se em importantes mecanismos reprodutores (ARRUDA, 1985, p.17).

A partir dessa constatação, percebe-se que num sistema econômico em que a competição é exacerbada, a publicidade assume proporções sempre crescentes, passando a ser a arma principal na concorrência. Consequentemente, as campanhas de venda, por meio de anúncios publicitários, adquirem magnitude. Elas se inserem na dinâmica do capital, ao buscarem incessantemente a eficiência. O setor assumiu tamanha complexidade que acabou por se organizar em empresas autônomas. As articulações entre a publicidade e a forma assumida pela produção de novos bens e serviços evidenciam um processo de multiplicação das variedades de produtos que têm mercado certo de compra (ARRUDA, 1985).

Logo, as mudanças decorrentes da articulação entre capitalismo e publicidade refletem-se na sociedade, já que a maioria dos anúncios publicitários destinam-se a uma camada social denominada pela autora de “nova classe média”. Sendo assim, surge um mercado consumidor capaz de absorver grande parte da diversificação constante de mercadorias. Ao mesmo tempo cabe ao empresário e ao publicitário criarem a necessidade de consumo.

A publicidade expressa-se, principalmente, no domínio do consumo, e sua presença é perceptível, tanto na concepção, quanto na divulgação dos produtos e serviços. A competição manifesta-se nas diferenciações de marcas e embalagens. Terá mais eficiência se oferecer mais variedade aos olhos do consumidor. “Ela estará em condições de elevar os preços sem obter, como contrapartida, qualquer ônus suplementar. O papel determinante da publicidade é o de fixar o consumo numa marca e o de tornar menos opaco o mercado” (ARRUDA, 1985, p. 46).

Portanto, publicidade e mercado estão intimamente ligados. O reflexo dessa inter-relação é a crescente relevância dos anúncios publicitários atestados pela

destinação de despesas não só para a fabricação dos produtos, mas também para a sua expansão por meio dos apelos publicitários, que conseguem persuadir o público-alvo a consumir compulsivamente. Em sequência, a autora ressalta que “a publicidade, associada ao crédito, contribui à criação do valor e da mais-valia, na medida em que acelera as metamorfoses do capital que se finalizam no consumo, o qual, de sua parte, expressa a recorrência de todo o processo de reprodução” (ARRUDA, 1985, p.187). Como resultado, a rapidez da rotação do capital determina o total de lucros obtidos.

Em sintonia com os conceitos de sedução e mercado, formulados tanto por Campos (1987), quanto por Marcondes Filho (1988), Arruda (1985), Kellner (2001) e Bauman (2005), Lipovetsky (1989, p.191) destaca que as campanhas publicitárias são elaboradas com o intuito de conquistar o consumidor e vender mais, pois primam por passar credibilidade nas mensagens. O último autor acrescenta que, para tanto, a estratégia é utilizar testemunhos de pessoas famosas ou de indivíduos comuns, que se identificam com os receptores. “Por ser uma comunicação moda, a publicidade não deixa de ser uma forma típica do processo de dominação burocrática moderna”.

Além disso, Lipovetsky (1989, p.191) considera que a publicidade, ao utilizar mensagens criadas por profissionais especializados, integra-se ao raciocínio do poder burocrático, dominante nas sociedades modernas, mesmo “empregando métodos suaves”. Estas são como aquelas usadas por instituições disciplinares, a fim de guiar externamente as condutas, tratando sempre, com astúcia, os consumidores, para adentrar a sociedade até seu íntimo.

Uma das formas pelas quais a publicidade se imbrica com o poder burocrático consiste em programar o mercado e produzir necessidades adaptadas à oferta, cuja armadilha apanha a liberdade dos consumidores. Dessa maneira, utilizando situações institucionalizadas, de administração burocrática, como estratégia para conseguir outros domínios além do consumo, a publicidade concentra-se no objetivo de conscientizar as pessoas acerca “dos grandes problemas do momento e modificar diversos comportamentos e inclinações: alcoolismo, droga, velocidade na estrada, egoísmo, procriação, etc” (LIPOVETSKI, 1989, p.194).

Portanto, esses estudiosos ressaltam o valor político e ideológico da publicidade na sociedade atual, caracterizada pelo consumismo, difundido, de modo especial, pelos meios de comunicação de massa. Isso, porque o setor publicitário dedica-se à difusão de produtos e serviços e, por consequência, vincula-se ao modo de produção capitalista, ao mercado e a indústria de consumo, ao interferir nas necessidades, gostos e preferências não só dos indivíduos, mas também dos grupos sociais.