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O CORPO FEMININO COMO CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE E

3. ESTUDOS SOBRE A BELEZA FEMININA

3.3 BELEZA E CULTO AO CORPO

3.3.7 O CORPO FEMININO COMO CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE E

Os antropólogos têm observado nos estudos sobre o corpo que o indivíduo, ao mudar seu corpo, pretende transformar sua vida e seu sentimento de identidade.

Para muitos contemporâneos, o corpo tornou-se uma representação provisória. (...) Há um jogo entre homem e seu corpo no duplo sentido do termo. Uma versão moderna do dualismo não opõe mais o corpo ao espírito ou à alma, porém mais precisamente, ao próprio sujeito (LE BRETON, 2003, p.28).

A percepção da mudança no corpo e seus efeitos na representação identitária estão relacionados também, como propõe Le Breton (2003, p.28), com a “encarnação irredutível do sujeito” e outras variações individuais e sociais. Segundo o autor, o corpo torna-se um símbolo do próprio indivíduo. Nesse caso, dá o exemplo do aumento considerável do número de cirurgias estéticas, conforme já mencionado neste trabalho, visto que existe um sentimento de flexibilidade do corpo. “Sua transformação em objeto a ser modelado traduz-se de imediato nos catálogos que os cirurgiões depõem nas salas de espera e que mostram aos clientes para propor uma intervenção precisa.”

Consequentemente, a mulher, de modo especial, tem a liberdade de escolher as proporções físicas desejadas, como uma prótese de silicone, lipoaspirações, implantes subcutâneos, entre outros. Nessa busca, o autor acrescenta que a intervenção cirúrgica não é uma mudança banal de uma marca física no rosto ou no corpo; “ela opera, em primeiro lugar, no imaginário e exerce uma incidência na relação do indivíduo com o mundo” (LE BRETON, 2003, p.29).

Nesse sentido, o cuidado com o corpo assume uma dimensão central na construção da identidade feminina, podendo ser uma forma de narcisismo. Fazer exercícios físicos, malhar, recorrer a procedimentos cirúrgicos, entre outros, podem não significar formas para atrair o olhar masculino, mas a própria satisfação em expressar-se e ver-se embelezada (CASTRO, 2007).

Segundo essa socióloga:

As mulheres estetizam o próprio corpo mais que os homens, pela roupa, maquiagem, adereços, esculpindo-o por exercícios físicos e dietas. Pela atividade física e o controle do corpo, as mulheres constroem sua imagem, definindo, cada uma a sua maneira a própria leitura de sua identidade feminina (CASTRO, 2007, p.102).

Le Breton (2003) concorda com a autora, ao referir que o corpo tornou-se o vetor da individualização, por estabelecer a fronteira entre a identidade pessoal e a social. Confundir essa ordem simbólica, que demarca a posição exata de cada indivíduo no tecido social, representa apagar os limites identificadores do eu e do outro, do individual e do coletivo.

De acordo com as ideias de pesquisadores apresentados neste trabalho, no âmbito da cultura contemporânea, é possível indicar individualidade, autoexpressão e autoconsciência pelo culto do corpo, uso das roupas e formas de entretenimento. Se cada mulher defini-los bem, ou seja, consoante seus gostos, preferências e necessidades, terá sua individualidade preservada num determinado grupo social.

Nessa perspectiva, o culto corporal e o embelezamento são características da pós-modernidade que permitem à mulher tanto identificar-se quanto integrar-se à sociedade, ao manter seus traços pessoais como uma necessidade de separação. É possível essa combinação devido à possibilidade de imitação universal e, ao mesmo tempo, de distinção e acentuação da personalidade.

Lipovetsky (1989) ratifica esse ponto de vista, ao analisar o culto ao corpo com uma ação coletiva que impõe regras de conjunto e, concomitantemente, favorece a reafirmação da autonomia individual e a manifestação do interesse pessoal, resultante de gostos e preferências. Além do mais, as tendências atuais da boa forma vêm ganhando cada vez uma adesão maior por parte das mulheres, que se inserem em subgrupos e diferenciam-se pela modalidade esportiva praticada, pela roupa que usam, pela forma de lazer preferido, pelos locais frequentados, pelo “tipo de programa de televisão a que assistem ou pela leitura que fazem” (CASTRO, 2007, p.86).

De fato, o culto ao corpo é bem aceito socialmente, por não exigir das mulheres uma autocrítica rigorosa, já que se submetem a sofrimentos físicos para manter um padrão estético. Tal fato garante-lhes “o sentimento de pertencimento a um grupo social”, identificando-as entre si no que diz respeito à beleza feminina. Também as práticas de embelezamento operam como elementos de diferenciação, uma vez que criam um estilo próprio, isto é, constroem a própria identidade e estabelecem distinção social (Idem, ibidem).

Dito isso, no dia- a- dia, o mais importante é a corporeidade. A mulher que não cuida de si é denominada irresponsável e é excluída dos projetos de vida da sociedade, por não investir nos ideais de beleza, longevidade, saúde, entre outros. Le Breton (2003) reforça a ideia, pois argumenta que, além da cirurgia plástica, a concepção do corpo esbelto revela-se em outras práticas sociais, como a ginástica tonificante, aeróbica, uso de vitaminas, regimes alimentares, etc.

Ao pontuar essas práticas, Le Breton (2003) também escreve sobre o esgotamento do corpo, determinado pelo limite insuportável do desejo, especialmente quando a modernidade propicia seu esvaziamento. Com isso, o autor denuncia a exaustão do indivíduo pela busca da imagem corporal ideal, em função de esta concorrer com a subjetividade da carne. Para esse pesquisador, o ser humano presta uma atenção especial às trocas simbólicas, para tornar-se fisicamente belo, sem a preocupação com o desgaste e distanciamento (intervenções cirúrgicas) de sua realidade corporal. Consequentemente, deixa-se manipular, desconstruindo a sua identidade.

Dessa maneira, a prática do culto ao corpo está no cerne da modernidade (Castro, 2007). A questão fundamental é ser jovem, desportista, vestir-se bem e dançar conforme o ritmo da moda, acrescenta a pesquisadora, nesse caso, referindo-se especialmente às mulheres. A mesma autora aponta o século XX como um importante marco da preocupação com o corpo esbelto, pois é quando a dieta se prolifera como forma de perder peso e ter cuidado com a saúde.

Outro aspecto abordado pela pesquisadora e que corrobora com a argumentação já citada de Le Breton (2003), diz respeito ao corpo como representação da identidade do indivíduo.

[...] O indivíduo, nas sociedades pós-tradicionais, toma para si a responsabilidade de desenhar seu próprio corpo, como forma de definir sua identidade e o projeto do self, num contexto social no qual os papéis e identidades sociais estão sofrendo o impacto da pluralidade de escolhas, característica da modernidade, que cria a existência de vários ambientes de ação, denominados como setores de estilos de vida, os quais dizem respeito a uma fatia do espaço-tempo dentro da totalidade de atividades de um indivíduo (CASTRO, 2007, p.24).

Diante dessa concepção, o corpo passa a ser elemento fundamental na busca de significados e referências mais estáveis, tanto numa perspectiva individual,

quanto social. Ele é um domínio controlável, apesar de ter-se tornado uma obsessão, já que, de modo particular, a maioria das mulheres estão obcecadas pela construção da aparência como uma afirmação de identidade e uma solução para a instabilidade e fragmentação que marcam a vida social contemporânea.

Nos dias atuais, o indivíduo, ao cuidar da imagem pessoal, desencadeia sua sociabilidade, visto que os efeitos e fórmulas estão relacionados com o padrão cultural, imposto pelas normas sociais e divulgado pelos meios de comunicação de massa (CASTRO, 2007). Talvez essa preocupação com a própria imagem seja uma forma de refletir sobre o prazer que o individuo tem de imediato em mudar sua aparência. Termo chamado por Lipovetsky (1989, p.115) como “hedonista de massa”, já que é uma forma de registrar o indivíduo na cultura contemporânea.

Compartilhando de ponto de vista semelhante, Villaça e Goes (1998, p.30) reforçam: “O que se percebe é que uma leitura do corpo como construção narcísico- hedonista, disciplinado pelas regras da estetização geral da sociedade pós- industrial, pode incidir numa versão redutora do papel do corpo”. Trata-se da busca da perfeição corporal realizada através de rigorosa disciplina (body building) e de uma série de performances (body art/ body modification). Como resultado, o corpo está sempre em cena, sem que se possam predizer os limites e o seu futuro.

Soma-se à cultura hedonista a preservação do corpo, que também tenta definir um ideal de beleza e de jovialidade, valor necessário, principalmente, para o estabelecimento das relações sociais contemporâneas. É um corpo que passa por transformações e reparos, a fim de habitar em outra morada, como reforça Castro (2007). A partir daí, ele vai ser manipulado e modificado pela engenharia genética e pela biotecnologia. Um dos aspectos mais característicos, de acordo com Castro (2007, p.17) é que:

O culto ao corpo está sendo entendido aqui como um tipo de relação dos indivíduos com seus corpos que tem como preocupação básica o seu modelamento, a fim de aproximá-lo o máximo possível do padrão de beleza estabelecido. De modo geral, o culto ao corpo envolve não só a prática de atividade física, mas também as dietas, as cirurgias plásticas, o uso de produtos cosméticos, enfim, tudo que responda à preocupação de se ter um corpo bonito e/ou saudável.

Por conseguinte, cultuar o corpo envolve um número praticamente ilimitado de ações que induzem ao aprimoramento da forma física. Tais ações, quantitativa e

qualitativamente, estabelecem novos tipos de relacionamento intra e interpessoal, ao proporcionar um conhecimento mais profundo do corpo, bem como práticas que o remodelam a partir de um desejo de uma nova identidade, que recebe influências históricas e sociais.