• Nenhum resultado encontrado

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 1. Migrações

1.4. Comunidade cabo-verdiana em Portugal

È a partir da década de 60 do século passado, que a emigração cabo-verdiana passa a ter o continente europeu como destino principal. A escassez de mão-de- obra na Europa do pós-guerra faz com que muitos cabo-verdianos emigrem à procura de trabalho. No final da década de 60, Roterdão e Lisboa são as principais cidades de imigração dos cabo-verdianos na Europa (Góis, 2006).

A política colonial portuguesa e a pressão económica levaram muitos portugueses a fugir para não cumprirem o serviço militar. Perante esse facto e para responder à necessidade de mão-de-obra, o Governo português, aliciava os cabo-verdianos à emigração, com promessas de uma fácil instalação no país. Eram sobretudo

19

homens que haviam deixado as suas famílias em Cabo-Verde ou solteiros. Maioritariamente de comunidades rurais, muitas vezes permaneciam temporariamente na cidade local mais próxima, a fim de adquirirem o dinheiro suficiente para fazer o percurso migratório. Muitos apenas tinham a escolaridade básica incompleta (2.° ou 3.° anos do 1º ciclo), ou eram analfabetos. (Grassi & Évora, 2007; Batalha, 2004).

O facto de existirem referências históricas e sociais, vão condicionar os imigrantes na escolha dos seus destinos migratórios, no caso cabo-verdiano, isso é claramente um fator condicionante, como explica Jackson (1991), num estudo realizado com imigrantes cabo-verdianos: «(Porque emigram para Portugal?) Quer dizer, dada as relações entre Portugal e os PALOP, em princípio, é muito mais fácil chegar até Portugal, e depois prosseguir o caminho daqui para o estrangeiro»(Jackson, 1991 cit. por Góis, 2006: 89).

«Os primeiros fluxos migratórios foram exatamente para aqui, embora entre os cabo- verdianos tenham um número razoável noutros estados membros [da UE]. Vêm para, Portugal porque também há muitos, e em Portugal sempre se fala português. Acho que a língua e também todos os antecedentes históricos» (Jackson, 1991 cit. por Góis, 2006: 89).

È importante referir, que a cada ilha de Cabo-Verde correspondem destinos de emigração diferentes: a Portugal chegam essencialmente cabo-verdianos da ilha de Santiago, por sua vez, os ilhéus procedentes da Brava e do Fogo emigram sobretudo para os Estados Unidos.

De facto existe, até aos dias de hoje, um número significativo de cabo-verdianos a escolherem Portugal como país de acolhimento. No entanto, devido sobretudo à complexidade de situações em que estes imigrantes se encontram, dificulta o apuramento total do número de cidadãos cabo-verdianos a residirem em Portugal. As dificuldades existentes no controlo da entrada de cidadãos estrangeiros, criando bolsas de imigrantes em situação ilegal que não são contabilizados nas estatísticas oficiais dos vários organismos responsáveis (SEF, INE, Embaixadas,

20

etc.) é também outro fator que torna a apresentação desses dados algo complexo (Grassi & Évora, 2007).

Os cabo-verdianos residentes em Portugal encontram-se dispersos, formando assim, pequenas comunidades diferentes. Isso não significa que estes não partilhem uma identidade comum, em termos globais e gerais, entendida como “cabo-verdiana”(Batalha, 2004).

Inicialmente, apenas um pequeno grupo de cabo-verdianos residia na “metrópole”. Tratava-se principalmente de estudantes que vieram para Portugal por falta de condições em Cabo-Verde e que após os estudos, conseguiram colocação compatível. Formou-se assim uma “elite” de pessoas instruídas que pouco ou nada se identificava com os seus conterrâneos que chegavam à procura de novas oportunidades de trabalho. Mas, podemos dizer, que apesar de esta “elite” ter conseguido integrar-se facilmente na sociedade portuguesa, preservava uma identidade coletiva “cabo-verdiana”, algo comum aos dois grupos. «Estes

“portugueses cabo-verdianos” são agora uma pequena minoria de apenas algumas centenas que vive sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa. Vivem em bairros de classe média, onde compraram ou alugaram casa, alguns casos, há mais de trinta anos. A maioria dos seus filhos e netos nada tem a ver com Cabo Verde ou com “ser cabo- verdiano”.» (Batalha, 2004:29).

Estes trabalhadores cabo-verdianos, embora tivessem de se ajustar à nova condição social, mantiveram as representações sociais e os valores fundamentais da sociedade rural de onde eram provenientes. Com o passar dos anos, estes imigrantes foram reconstruindo as suas vidas, constituindo família e assim dando origem a uma nova geração de imigrantes, aqueles que devido às adversidades da vida, nasceram não no país dos seus país mas no país que estes escolheram como segunda pátria. Estes, como refere Luís Batalha (2004:25): «cresceram numa espécie de limbo social: por um lado, não se identificaram com o mundo dos pais, mas, por outro, também não ganharam um espaço social satisfatório na sociedade portuguesa pós-colonial.»

Na década de 1990, o governo português financiado por fundos Europeus, deu inicio à construção de “bairros sociais”, onde na atualidade reside a maior parte

21

dos imigrantes cabo-verdianos e suas famílias. População que anteriormente vivia em condições adversas em “bairros de lata” localizados na Área Metropolitana de Lisboa, a maioria nos concelhos de Amadora, Cascais, Lisboa, Loures, Oeiras e Setúbal. Os imigrantes construíam “barracas” com materiais que recolhiam dos estaleiros de construção civil onde trabalhavam. Esses “bairros sociais” são zonas de isolamento social, onde os descendentes dessas famílias, nasce e cresce sem sair daquele espaço, a não ser para frequentar a escola e/ou para trabalhar. (Smith, 2006).

Á semelhança de outros fluxos migratórios, inicialmente, a migração cabo- verdiana era sobretudo de homens. Só uns anos mais tarde, quando os homens já estavam instalados é que as mulheres começaram a chegar. Nos anos de 1970-80 era habitual encontrar famílias inteiras de imigrantes cabo-verdianos, instaladas em alguns bairros de Lisboa como São Bento e Estrela (Batalha, 2004). As mulheres cabo-verdianas começaram por trabalhar como vendedoras ambulantes, fazendo concorrência às peixeiras tradicionais. Só nos finais dos anos 80 e de 90 e devido às regras de comercialização impostas pela CEE (atual UE) que as impedia de vender peixe na rua, é que passaram então a dedicar-se ao sector das limpezas, quer em empresas, quer em casas de famílias portuguesas. Hoje em dia, esse trabalho é dividido por cabo-verdianas (e outras mulheres africanas), cidadãs do leste da Europa (ucranianas, moldavas e romenas) e também brasileiras.

«Muitas famílias portuguesas preferem agora uma “empregada de leste” ou uma

“brasileira” a uma “cabo-verdiana”. No fundo, as cabo-verdianas são objeto do racismo não assumido da “classe média” portuguesa e preteridas em favor de “ucranianas” e “brasileiras”, vistas como “racialmente” e “culturalmente” mais próximas. Toda esta concorrência contribui para manter baixos os salários no sector das limpezas, o que torna a vida das famílias cabo-verdianas (e das mulheres em particular) cada vez mais difícil.» (Batalha, 2004: 34 e 35)

Mas essa competição não acontece apenas com as trabalhadoras migrantes cabo- verdianas, os homens cabo-verdianos também têm-se deparado com a concorrência de imigrantes de leste e de brasileiros. Apesar de terem migrado para o nosso país a menos tempo, os brasileiros e ucranianos sujeitam-se a salários

22

mais baixos e horários mais longos. Até os próprios cabo-verdianos que se tornaram pequenos subempreiteiros angariadores de mão-de-obra, referem preferir os trabalhadores do leste. Perante esse facto, constatamos que o número de imigrantes cabo-verdianos a trabalhar na construção tem vindo a diminuir (Batalha, 2004).

Como se pode verificar, esta população tem uma forte representatividade no nosso país. Não se podendo ignorar os contributos que a mesma tem dado para o crescimento económico português.

24