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Os Filhos e Netos de Imigrantes Cabo-verdianos – Identidade

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

CAPÍTULO 2. IDENTIDADE CULTURAL

2.2. Família

2.2.2. Os Filhos e Netos de Imigrantes Cabo-verdianos – Identidade

“Os descendentes de imigrantes não são imigrantes e, por isso, não devem ser considerados estrangeiros nos países onde nascem e vivem! (…) O corpo é o suporte e o espelho da nossa identidade” (Cardoso, 2006).

No início desta investigação, tínhamos como objetivo estudar os “imigrantes cabo-verdianos de 2ª e 3ª geração”. Posteriormente, após muitas leituras e alguma reflexão, optámos por nos debruçar sobre os filhos e netos dos imigrantes cabo- verdianos em Portugal. Com o decorrer da investigação foi possível perceber, que embora pareça ser o mesmo “objeto de estudo”, a expressão utilizada faz toda a diferença. Rotular aqueles que nasceram em solo português e muitas vezes nunca avistaram, sequer, o mar que banha o Arquipélago de Cabo-Verde, de imigrantes de 2ª e 3ª geração é à partida, negar que estes pertencem ao país que os viu nascer e uma forma de os manter sempre à margem da sociedade. Afinal, quantas gerações são necessárias para que o cidadão nascido em Portugal possa ser identificado como cidadão português?

«Já houve, nomeadamente, tempo suficiente para que as primeiras gerações chegadas reproduzissem uma “segunda geração” que, efetivamente, já não é imigrante, na medida

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em que é formalmente nascida e integralmente socializada no contexto da sociedade portuguesa.» (Vala, 2003: 26).

Tendo em conta os dados estatísticos do Instituto Nacional de Estatística, em 2011 nasceram em território português 86.853 nados vivos cujas mães eram estrangeiras (INE, 2011).

Segundo as autoras Rosales, Jesus e Parra (2009), descendentes de imigrantes constituem uma população complexa e multifacetada e que necessita ser melhor conhecida. É importante que estes se sintam bem no meio onde vivem e que exista um esforço intercultural e pessoal para conviverem com os seus pares, sejam eles nativos ou de grupos socioculturais minoritários.

É no sucesso da integração dos descendentes diretos dos imigrantes que se avalia a eficácia da política de acolhimento e os valores de fraternidade existentes na cultura maioritária. A falência dos processos de integração das “segundas gerações” dá origem a conflitos sociais de rua, dificilmente controláveis como se observou, não há muitos anos, na região parisiense.

Ninguém escolhe o país ou a terra onde vai nascer! Portanto, constitui um direito natural, pertencer ao país em que nascemos. Os descendentes de imigrantes nascem com determinados direitos, pelo facto de terem nascido nos países onde vivem. Como naturais, sujeitos de direitos, cidadãos e atores sociais, têm legitimidade de lutar pelo respeito e reconhecimento dos seus direitos! Os filhos de imigrantes cabo-verdianos, antes de serem cabo-verdianos, portugueses, espanhóis ou outros, são cidadãos dos países onde nascem (Cardoso, 2006). Infelizmente, não nos foi possível apurar os números que correspondem á população descendente de imigrantes cabo-verdianos. Esta dificuldade prende-se, essencialmente, com o facto de, a sua maioria, já possuir a nacionalidade portuguesa e de não termos conhecimento de estudos que declarem esses dados. Vala (2003), no estudo realizado com jovens de “segunda geração”, constatou que apesar desta população, na sua maioria, possuir a nacionalidade portuguesa, a verdade é que apenas uma minoria refere sentir-se português e identifica-se com os símbolos da identidade portuguesa. Os descendentes de imigrantes, na sua

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maioria, manifesta dificuldades no processo de construção da sua identidade individual, independentemente do seu lugar de nascimento.

“Os cabo-verdianos em Portugal têm a sua identidade organizada em torno de representações sociais de “raça”, etnicidade, educação e classe, que combinadas definem a sua posição social dentro da sociedade portuguesa e, nas próprias comunidades locais, entre eles mesmos.” (Batalha, 2004 cit. por Góis, 2008:25).

Vala (1997) e Amâncio (2000), consideram que existem duas dimensões analíticas da identidade: identidade social, que sucede através da associação entre o eu e categorias sociais de pertença; e a identidade pessoal. A identidade social pode abranger variadas dimensões, como por exemplo: identidade de género, identidade nacional, identidade profissional, identidade religiosa, etc. As identidades sociais são reestruturadas e reinventadas em função dos contextos sociais, são criações coletivas. Ajudam a objetivar a cultura e a construir a história, não são concretizações de tradições culturais ou cargas históricas.

A dimensão de identidade que pertendemos estudar é aquela que é construída no cruzamento da memória do “país de origem” e da presença em Portugal. Jorge Vala (2003), parte do pressuposto que, «nesse cruzamento, uns criam uma identidade nacional como referente fundamental (por exemplo, “sou angolano” apesar de se poder ter a cidadania portuguesa), outros criam uma identidade racial (por exemplo, “sou de raça negra”), outros, ainda, uma identidade cultural (para alguns autores, uma identidade étnica porque assente numa dimensão cultural e referida a um grupo dominante – por exemplo, “sou africano”; “sou luso-africano”), etc.» (Vala, 2003:10).

A aculturação dá-se no choque das duas culturas, seguindo-se uma estratégia com vista a integrar, na identidade pessoal, a descontinuidade cultural. Podendo assim optar, por um dos seguintes modelos: modelo de Assimilação (Malgesini e Giménez, 2000), ou seja, optar pela cultura dominante, o que implicara a perda de toda a riqueza da cultura do país de origem, materna; modelo de Separação, que consiste na coexistência de ambas as identidades culturais, delimitando os respetivos espaços de expressão, sem interligações entre elas, organizando-se numa espécie de dupla identidade; ou ainda, optar por uma estratégia de Coexistência, integrando as duas culturas (Juliano, 2003), o que se verifica extremamente difícil de realizar. Importa referir, que qualquer que seja a

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estratégia a adotar implicará sempre uma perda, seja da cultura dominante da sociedade na qual se vive, seja da cultura do país de origem. Para que os descendentes de imigrantes, possam construir uma identidade sólida, que englobe de modo positivo os dois sistemas culturais a que pertencem, é necessário construir canais que permitam aos descendentes intercomunicar e internacionar os dois mundos nos quais vivem.

Thomson e Crul (2007), são da opinião que a integração de descendentes de imigrantes, não deve ser medida apenas através dos indicadores estatísticos do sucesso económico mas também através da “raça”, cultura, identidade étnica e/ou religiosa. Diz ainda que para isso torna-se necessário repensar a perspetiva “assimilacionista” clássica de forma a conhecer-se a multiplicidade de estratégias e formas de integração existentes.

Várias organizações, desde o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), a Associações de Imigrantes, fazem as mais diversas atividades para a inclusão dos imigrantes na sociedade portuguesa e lutam incansavelmente para que estes alcancem os seus direitos. Mas será que todos estes esforços têm obtido os resultados esperados? Será que os descendentes de imigrantes sentem-se verdadeiramente acolhidos no país onde nasceram? A sociedade portuguesa depara-se assim com uma nova realidade, até então, pouco ou nada conhecida. Como lidar com esta população? Como fazer com que estejam integrados na sociedade? Afinal, são cabo-verdianos ou portugueses?

Jorge Vala (2003), no seu estudo com jovens negros em Portugal, constatou que apesar de 42% dos jovens entrevistados possuírem a nacionalidade portuguesa e 28% desses serem de naturalidade portuguesa, apena 2% dizem serem considerados portugueses pelos portugueses brancos.

A perceção dessa discriminação de que é alvo, faz com que o negro, ainda que nascido em Portugal, continua a ser visto como estrangeiro e a identificar-se como estrangeiro.

Enquanto produtora de identidade, a comunicação social, ajudou a criar uma imagem negativa dos descendentes de imigrantes cabo-verdianos em Portugal. È frequente ouvir-se nas notícias, quando se referem a esta população: “Cabo-

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verdianos nascidos em Portugal”; ou “português de origem cabo-verdiana”; ou simplesmente “Português”; dependendo do teor da notícia, se esta for negativa ou positiva! Outrora os pais eram descritos como “trabalhadores explorados”, “bons trabalhadores” e “pobres mas honestos”, por sua vez, os filhos são vistos como “delinquentes juvenis” e “vítimas do insucesso escolar”. Para os jovens de origem familiar cabo-verdiana que se sentem desintegrados e marginalizados, a sociedade “tuga” é a principal responsável pela situação de “marginalidade” em que vivem. Grande parte destes jovens desvaloriza a educação escolar, não considerando que este é um veículo de ascensão social. Consideram que estudar não vale a pena, já que os melhores empregos serão destacados para os portugueses brancos.

Estes jovens têm elevadas taxas de desistência e reprovação no ensino básico. Muitos são os que abandonam a escola antes de completarem o 9º ano, por terem ultrapassado o limite de idade para estudar no regime normal de ensino. Poucos são aqueles que conseguem voltar à escola para o completar no ensino noturno. Ainda assim, podemos dizer que, grande parte dos que completam o 9º ano de escolaridade são “analfabetos funcionais”, os quais estão destinados a empregos mal remunerados e de pouco prestígio social (Batalha, 2004 cit. por Góis, 2008). Tendo em conta que a sociedade portuguesa é uma sociedade em que o poder de compra é um veículo fundamental da inserção social e da identidade, muitos jovens vêem-se “atraídos” para a prática de atividades marginais, com vista à inserção numa economia informal.

Os jovens de naturalidade portuguesa de pais de origem imigrante são, muitas vezes, conotados como causadores de confusão e distúrbios nos bairros, por seu lado, os jovens sem naturalidade portuguesa, são vistos como menos „conflituosos‟ e/ou „reivindicativos‟ que os primeiros, com uma maior tendência a seguir até mais tarde os estudos ou a fixarem-se mais facilmente no mercado de trabalho (Rocha, 2003).

Atualmente deparamo-nos com um novo facto, estes filhos de imigrantes, são hoje pais de crianças e adolescentes também estes, nascidos em território Luso. Como questionámos anteriormente, quantas gerações são necessárias, para que o cidadão nascido em Portugal possa ser identificado como cidadão português? Ora, os pais destas crianças e adolescentes, nasceram em Portugal; muitos deles só ouvem

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falar de Cabo-Verde sem nunca lá terem estado; como são vistos na sociedade portuguesa, como é que eles se sentem? Neste estudo, tentamos perceber qual a identidade cultural destas crianças e jovens, através de questões colocadas aos pais, uma vez que se trata de uma população bastante jovem para refletir sobre estas questões. Provavelmente, serão essas as razões, de não termos identificados estudos que abrangem os netos dos imigrantes cabo-verdianos.

Segundo Contador (2001:32), a juventude negra portuguesa, vive numa tensão entre “o que se é” e “o que se quer ser”; o “ser negro” e “ser português” e o “ser negro em geral”.

Nos seus estudos, Contador (1998 e 2001), revela que os descendentes de imigrantes PALOP são detentores de novas identidades, que se propagam para além da pertença étnica. Operando como elo de ligação entre os modelos de socialização propostos pela sociedade portuguesa e as referências identitárias das origens culturais dos seus antepassados, reinventando e reinterpretando as suas referências identitárias de base e assim colaborando para a criação do que o autor chama de “ficção das origens”, recriada através dos rituais, nas celebrações, festas e reconfigurada pelo contacto com outros referências culturais, divulgadas pelos media. Segundo o autor, a identidade dos jovens descendentes de imigrantes dos PALOP é uma identidade ambivalente, em constante tensão. A coexistência de dois códigos culturais não favorece uma identidade singular, tendo em conta que a vivência de ambos permite o desenvolvimento de um sentimento de não pertença cultural.

Para Vala (2003), no interior da identidade social cabo-verdiana, existem várias caboverdianidades, ou seja, fala-nos de uma “caboverdianidade dual” na diáspora, que vai diferenciar os recém-chegados (mais “crioulizados”), dos que chegaram há mais tempo (mais “assimilados”).

“Num contexto de múltipla inserção social, estes transmigrantes constroem múltiplas identidades sociais de referência e, embora possam construir a sua socialização maioritária ou preferentemente dentro dos limites de um espaço social, os transmigrantes ou migrantes transnacionais e seus descendentes recusam confinar a sua identidade exclusivamente às referências sociais do espaço em que se inserem (…) Estes migrantes e/ou seus descendentes influenciam a mudança (em ambas) as comunidades ou locais de

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pertença não só através das suas remessas, sociais e económicas, mas igualmente através das práticas políticas transnacionais, práticas culturais transnacionais ou práticas sociais transnacionais (…)” (Góis, 2004:10).

O autor refere ainda que: “A existência de uma identidade múltipla é ou constitui, para

estes imigrantes e seus descendentes, uma vantagem competitiva que lhes permite, em caso de necessidade transferir o capital político, social ou económico de um sistema político para outro se quando necessário. Esta opção leva a que os transmigrantes tentem moldar as suas identidades adaptando-se ou resistindo às necessidades do sistema mundial, enquanto cultivam dependências múltiplas (…) os indivíduos participantes nesta realidade são frequentemente bilingues; movem-se em culturas diferentes; frequentemente mantêm casas em dois países, e prosseguem interesses económicos, políticos e/ou culturais que requerem a sua presença em múltiplos países (…)” (Góis, 2004:10 e 11).

Como nos diz Cardoso (2006), a localização geográfica de Cabo-Verde no atlântico, a imagem deste país no mundo e os seus valores culturais só engrandecem e beneficiam os emigrantes cabo-verdianos e seus descendentes, que pela lei cabo-verdiana, são também cabo-verdianos, com direitos, liberdades e garantias. Dessa forma, o autor considera que ser descendente de cabo-verdianos constitui uma vantagem.

“Cabo Verde e os cabo-verdianos constituem «Avenidas de Comunicação com o resto do Mundo». Ser descendente de cabo-verdianos constitui uma vantagem!” (Cardoso, 2006: 8).