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Nesse segundo grupo de questões, a primeira constatação da entrevistadora foi a de que, em todas as unidades, a maioria dos alunos reside em locais com o mesmo perfil menos favorecido: o que ocorre é que, nas escolas Freguesia e Pirituba, mais da metade dos alunos vem de bairros mais afastados, e mais pobres. O que se observa nos últimos dez anos, pelo menos, é que famílias de classe média, mesmo de classe média baixa, procuram matricular seus filhos em escolas da rede particular, por considerarem-nas de melhor qualidade. No entorno da escola Freguesia, num raio de quinhentos metros, aproximadamente, há quatro instituições de ensino particulares. Entre as unidades pesquisadas, é esta a que está em local

3 A readaptação docente consiste no afastamento de sala de aula, por problemas de saúde, e para o exercício de

de mais rápido acesso ao bairro da Lapa, da Água Branca e do Centro, e que vem perdendo alunos de forma muito significativa, ano a ano: em 2016, de vinte e três salas de aula disponíveis, apenas dezessete foram ocupadas nos períodos da manhã e da tarde, e sete no período noturno.

A escola Pirituba, como explicaram o diretor e o coordenador, é opção para crianças e adolescentes que vêm de bairros mais distantes, porque é considerada pelos familiares como uma escola “boa”, onde estudam ou estudaram outros familiares, ou mesmo os pais. Para os adultos trabalhadores, é local “de passagem”, entre os locais de trabalho, mais centrais, e os de residência. Seriam essas as explicações para que as 17 salas de aula sejam ocupadas, nos três períodos de aula (manhã, tarde e noite). Assim como no primeiro caso, há escolas particulares que recebem parte significativa dos estudantes do entorno.

As escolas Anhanguera e Mutinga diferenciam-se por receber as crianças, adolescentes e jovens da própria comunidade. Alguns dos professores da Anhanguera também são moradores do entorno e conhecem as famílias dos alunos, inclusive por terem sido professores dos irmãos mais velhos, dos pais ou outros familiares. O que concorre para a perda de alguns alunos do Ensino Fundamental, nessas duas unidades, é a proximidade de escolas da rede municipal: para as famílias mais pobres, a oferta de uniforme escolar, de leite e de transporte é fator considerado para a escolha da instituição de ensino.

O local de residência dos alunos, assim como a condição socioeconômica das famílias, não foi citado pelos gestores como fator que oriente o currículo escolar. Era esperado pela entrevistadora que para as questões referentes aos valores (questão 3.5) e aos projetos interdisciplinares (questão 3.6) fosse considerado o perfil da comunidade escolar, incluindo-se a condição socioeconômica das famílias, os vínculos predominantes de parentesco e os espaços de convivência dos alunos. Esses são dados importantes para se identificar elementos da cultura dos adolescentes e jovens, que chegam à escola com uma compreensão de mundo e com expectativas que devem ser lidos por docentes e gestores, e trabalhados em práticas e projetos educativos. Da mesma forma, as famílias, consideradas a sua constituição e sua condição de vida, podem sugerir estratégias de gestão com o objetivo de adquirir credibilidade e criar vínculos de parceria para um trabalho educativo em sua integralidade. O que ocorre, porém, é apenas a constatação de que os pais ou responsáveis têm modesta participação, restrita às reuniões bimestrais ou ao comparecimento por convocação, para acompanhamento do desempenho escolar do respectivo aluno. Mesmo nesses casos, não há participação regular dos familiares: no Ensino Médio, nas quatro unidades, a presença nas reuniões bimestrais não chega a 50%, na primeira série; na terceira série, não chega a 20%.

Não há, por parte da escola, planos e ações que promovam maior envolvimento dos familiares com a realidade mais abrangente: processos de ensino e de aprendizagem, questões disciplinares, sociabilidade, relações humanas e assuntos que venham a fazer parte das preocupações ou possibilidades da unidade escolar. A narrativa dos gestores não sugere, portanto, que a escola constitua uma comunidade.

A Associação de Pais e Mestres (APM) e o Conselho de Escola são constituídos por pais ou responsáveis pelos alunos, mas ambos decidem, em regra, sobre questões específicas: a APM delibera sobre a aplicação de recursos obtidos pela própria associação, o que acontece, por exemplo, quando há pagamento de aluguel pelo uso de espaço para cantina escolar (por licitação pública), ou contribuição voluntária de familiares. O Conselho de Escola delibera sobre a aplicação de recursos federais, obtidos pelo Plano Dinheiro Direto na Escola (PDDE), decide sobre a ocorrência de eventos culturais ou projetos pedagógicos, sobre a escolha, mediante licitação, para administração da cantina escolar, sobre a recondução do professor mediador e da zeladoria, e sobre medidas disciplinares, para alunos que comprometem, reiteradamente, o trabalho dos professores e o desempenho dos colegas de turma. Em todos os casos, é o diretor da escola quem convoca o Conselho. Conforme a legislação, o Conselho pode ser convocado em razão de necessidade apontada por docentes ou familiares, mas é sempre o diretor quem o convoca e preside. Esta situação, porém, não foi citada pelos gestores. Para a questão referente aos processos decisórios (questão 2.2), todos os entrevistados apontaram a APM e o Conselho de Escola como instância de participação de docentes e familiares. As diretoras da escola Freguesia e Pirituba afirmaram que alguns assuntos necessitam de respostas rápidas e, na impossibilidade de convocar imediatamente o Conselho, reúnem-se com grupos de professores nos diferentes períodos para sugestões ou decisões compartilhadas. A diretora da escola Freguesia colocou a questão em termos de prudência e de responsabilidade por aquilo que é público: “É complicado você decidir, dá medo. É complicado você decidir uma coisa que não é sua. É de uma comunidade, não é sua. (...) Vamos dividir responsabilidade. É melhor, dói menos.”. A diretora refere-se a decisões que envolvem recursos materiais e financeiros e está implícita em sua fala a noção do bem público. O termo público, porém, não foi citado por nenhum dos entrevistados.

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