2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 23
2.1 O MOVIMENTO MAKER 23
2.1.4 Componentes do Movimento Maker 34
2.1.4.4 Comunidade: esferas de impacto do Movimento Maker 43
O Movimento Maker pode influenciar diversas esferas sociais, dependendo do enfoque que cada iniciativa seja tomada, ocasionando impactos distintos. Nesse cenário, Mortara e Parisot (2016) dividem os impactos do movimento em três grupos: social (macro), empresarial (meso) e individual (micro) (Figura 5).
Figura 5 – Esferas de impacto do movimento
Fonte: baseado em MORTARA;; PARISOT, 2016.
O âmbito macro pode ser entendido pelo seu potencial de transformação da sociedade e o potencial de inovação, embasado na colaboração em um cenário mundial. Em um ambiento meso, compreende-se como a possibilidade do Movimento Maker influenciar o ambiente para incubação de ideias e negócios, com impacto direto nos pequenos negócios e no mercado. Já na compreensão micro, apresenta-se como uma atividade de aprimoramento de objetos para fins individuais e atividades de aperfeiçoamento pessoal, tendo esse cenário maior impacto em questões psicológicas individuais advindas do fazer.
Na perspectiva micro, do indivíduo, o fazer envolve todo o processo de aprender,
com frustações e recompensas, chegando a um resultado capaz de despertar orgulho ao poder exibi-lo para outros indivíduos (DOUGHERTY;; CONRAD, 2016). A aproximação com a fabricação do objeto transforma, significantemente, o valor sobre este, visto que, com o controle sobre sua produção, é possível explicitar preferências pessoais (EDWARDS, 2006). Nesse processo, a reflexão e atribuição de valores sobre os artefatos tornam-se mais efetivos, já que ocorrem de maneira dinâmica e constante (DOORLEY;; WITTHOFT, 2012). Edwards (2006) destaca três tipos de intenções do indivíduo que motivam a execução de um projeto para uso individual:
a) a auto expressão artística: busca-se uma atividade produtiva e criativa que pode expressar uma estética mais pessoal e com maior liberdade, frente restrições da produção em massa (ATKINSON, 2006;; EDWARDS, 2006). Acredita-se que a criação de algo tangível possibilita a expressão dos desejos interiores do ser (HATCH, 2014);;
b) autossuficiência: objetivando uma manutenção doméstica, por motivos financeiros, ou ausência de mão de obra especializada, ou ainda uma manutenção do lar motivada por uma opção de consumo consciente (ATKINSON, 2006;; EDWARDS, 2006). Trata-se de um trabalho exploratório, no qual muitas ferramentas e materiais necessários são agregados ao longo do processo por meio de avaliações das necessidades do ambiente (WATSON;; SHOVE, 2005);;
c) o passatempo: visa proporcionar uma maneira produtiva de utilizar o
tempo livre, dando às mãos algo para ser feito. Pode manifestar-se quando há uma manipulação significativa e hábil das matérias-primas, envolvendo um projeto, tendo uma motivação por prazer pessoal, ou através de kits, modelos ou padrões, envolvendo uma montagem de componentes pré-estabelecidos (ATKINSON, 2006;; EDWARDS, 2006).
Independente da motivação, numa perspectiva individual, o fenômeno denominado “Efeito IKEA” (NORTON et al., 2012) pode ser observado. Nomeado em homenagem ao fabricante sueco, que distribui ao seu consumidor produtos que necessitam de alguma montagem, a pesquisa envolvendo o IKEA demonstrou que consumidores que sentem prazer na execução de uma tarefa para a construção de um produto, tendem a supervalorizá-lo, optando por este ao invés de produtos comercializados finalizados. A hipótese inicial da pesquisa considerava que, ao dividir com o consumidor a tarefa de montar o projeto, o consumidor não valorizaria o produto, visto que os consumidores tenderiam a subtrair o valor da mão de obra do valor do mesmo. Entretanto, o estudo demonstrou uma perspectiva diferente uma vez que o esforço do consumidor criou uma supervalorização do produto. Esse valor era intensificado
quando o consumidor exercia tarefas agradáveis (construir junto a família, por exemplo) ou que permitiam alguma personalização do produto (colori-lo, por exemplo), criando um valor auto percebido.
Mais do que uma valorização do produto final, em atividades de construção os usuários desenvolvem competências e confianças que permitem o surgimento de novos projetos (WATSON;; SHOVE, 2005). A mentalidade “eu posso fazer” (do inglês “I can-do”), desenvolvida pela prática, pelo fazer e materializar, encoraja a pessoa a agir, a assumir o controle e desenvolver novas capacidades (DOUGHERTY;; CONRAD, 2016). Desperta então o que Bandura (1997) aponta como auto eficácia, quando, ao realizar uma atividade, o usuário sente-se capaz de produzir novos produtos.
Entretanto, é essencial que haja exitosa finalização do projeto para que as pessoas se sintam felizes com este (BANDURA, 1997);; WATSON;; SHOVE, 2005). No experimento de Norton et al. (2012), observou-se que o Efeito IKEA se dissipou quando o projeto não foi concluído, ou seja, a atribuição é melhor percebida se o projeto é finalizado. Segundo o experimento desenvolvido por Borges et al. (2016), a motivação é fator essencial para despertar o interesse por uma tarefa dentro de um espaço maker, sendo esta motivação potencializada quando relacionada ao desenvolvimento de projetos pessoais, se comparada a um projeto pré-determinado (BARRET et al., 2015).
Numa perspectiva macro, acredita-se que os makers, além do impacto individual,
podem causar impacto na sociedade, posto que o Movimento Maker promove cooperação (BAICHTAL, 2012;; LANG, 2013). Um exemplo são os espaços makers no quais os makers transcendem a esperada divisão de máquinas e ferramentas, pois promovem o compartilhamento de conhecimento técnico (BAICHTAL, 2012), seja este de maneira orgânica, com a convivência do dia a dia entre os indivíduos, como em eventos e cursos (VAN HOLM, 2017).
Num sentindo mais amplo, o Movimento Maker promove um ambiente que favorece também um encontro (seja em ambientes físicos ou digitais) entre sujeitos com áreas de mútuo interesse (BAICHTAL, 2012), fazendo com que a colaboração chegue até o desenvolvimento de projetos em conjunto (HATCH, 2014;; LANGLEY et al., 2017). Isso
fica de acordo com a origem do termo colaboração que deriva das palavras do latim cum (com) e laborare (trabalhar), ou seja, tem o significado de trabalhar em conjunto com outra pessoa para alcançar um objetivo em comum (MANZINI, 2017). Sobre isso, diferentes plataformas e abordagens tangenciam esse assunto no Movimento Maker (KIM;; SHIN, 2016). Segundo Battistella e Nonino (2012), há diversas formas de colaboração, mas pode-se resumir em dois modelos: de cima para baixo (do inglês, top-down), que se caracteriza como uma forma de inovação que são organizadas por uma empresa ou instituição, mas que há uma organização hierárquica, e de baixo
para cima (do inglês, bottom-up), como commons-based peer production4 e open
source5, que são caracterizados por uma estrutura de colaboração livre de um grande número de indivíduos independentes e de maneira horizontal. Os modelos, de baixo para cima, tiveram seu auge praticado na área dos softwares, como, por exemplo, sistema operacional Linux. Mas estendeu-se para além destes, para descoberta e compartilhamento de educação e cultura (como a Wikipedia). E mais recentemente, para além do mundo digital, como projetos de hardware aberto que objetivam produzir bens tangíveis por meio da colaboração (TROXLER, 2010). Sendo, este segundo tipo, o mais comum e recorrente no Movimento Maker.
Estes modelos de colaboração horizontal serviram de inspiração para diversas iniciativas makers e proveram, principalmente, o conceito de portas abertas – em contraste ao modelo de portas fechadas em que a inovação é feita e testada em departamentos empresariais privados de pesquisa e desenvolvimento – que objetivavam a democratização da inovação por meio ambiente amigável e aberto para os integrantes da comunidade (TROXLER;; SCHWEIKERT, 2010).
Nesses cenários, os makers buscam novas formas de recompensa, não só as tradicionais e consolidadas (motivação financeira, por exemplo), mas estão dispostos a renunciar os direitos de propriedade tradicionais, pela oportunidade de trabalhar em projetos que tem significados pessoais e possibilitam o ganho da admiração dos demais (STACEY, 2014). Ou seja, com a possibilidade de colaboração, outro impacto
4 Termo cunhado pelo professor Yochai Benkeler, em tradução, Produção Colaborativa Baseada em
Recursos Comuns, baseia-se em uma produção descentralizada no qual um grande número de pessoas cooperam para um objetivo comum (TROXLER, 2010).
5 Em tradução, código aberto, conceito que surgiu na liberação de código de softwares, e propôs uma mudança de direito autoral, que antes era do programador, para que mais pessoais pudessem estudar modificar e distribuir de maneira compartilhada (TROXLER, 2010).
social do movimento, é que muitos makers são impulsionados a produzir objetos com fins sociais e ambientais (LANGLEY et al., 2017). Isso tornou possível um processo de solução de problemas globalizado (PAPAVLASOPOULOU et al., 2016), no qual problemas locais podem ser resolvidos pela comunidade, utilizando recursos regionais e, após resolvidos, servem de exemplo para outras comunidades em todo o mundo, atendendo a necessidades similares (STACEY, 2014). Entretanto, ainda há muito que discutir sobre os impactos do Movimento Maker a nível global visto que há muitas barreiras, culturais e políticas a serem quebradas (CASTELLS, 1999).
Apesar de todas as vantagens de impactos tanto micro, como macro do Movimento Maker esse trabalho focará em uma perspectiva meso, ou seja, nas relações do movimento com o empreendedorismo, visando a facilitação de processos de empreendedorismo difusos na sociedade (TROXLER;; SCHWEIKERT, 2010). Dessa forma, serão abordados nos capítulos seguintes alguns conceitos, objetivos e enfoques desta perspectiva.