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ao Conhecimento Tradicional Associado ao Recurso Genético

5 INSTRUÇÃO NORMATIVA FUNAI Nº 01, DE 29 DE NOVEMBRO

1.10 Comunidades Locais, Comunidades Tradicionais

A disciplina jurídica da relação entre empresa e comuni- dades locais e indígenas origina-se da Convenção sobre Diver- sidade Biológica, artigo 8. (J), que externa a preocupação inter- nacional em regular o intercâmbio de conhecimento, inovações e práticas das comunidades indígenas e locais relevantes para a conservação e uso sustentável da biodiversidade .

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Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas. (BRASIL, 1992)

Nesse dispositivo, a Convenção sobre Diversidade Biológica, ao afirmar a proteção de conhecimentos tradicionais, apresenta como detentores os sujeitos designados por “comunidades indígenas” e “comunidades locais”. Com essas expressões, a CDB desagradou aos povos indígenas e tornou a expressão mais imprecisa, ao optar pelo qualificativo “local” ao invés de “tradicional”.

1.10.1 Legislação Brasileira

O fato é que, seguindo a nomenclatura internacional, a Medida Provisória n. 2.186/2001, coerentemente, traz para a legislação brasileira a expressão “comunidades locais”, criando no direito interno uma dupla designação, posto que a lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei n. 9.985/2000, portanto anterior à Medida Provisória, já trazia a expressão “populações tradicionais”, designando os mesmos sujeitos. Todavia, a definição de “populações tradicionais” nesta lei foi vetada, sob a justificativa de que o texto era excessivamente amplo. Então, o direito brasileiro ficou com a expressão “populações tradicionais” sem uma definição legal e agregou a expressão comunidades locais, definida pela Medida Provisória. O resultado no sistema jurídico brasileiro foi a validade de duas expressões distintas, apenas uma sendo definida, impondo à interpretação realizar a relação entre elas.

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A interpretação extensiva e analógica conduz à adoção da definição de “comunidade local”, apresentada pela Medida Provisória sobre acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, para a expressão “populações tradicionais”, posto que, na realidade, a mens legis

refere-se aos mesmos sujeitos concretos.

A Medida Provisória n. 2.186/2001 define “comunidade local” como:

Grupo humano, incluindo remanescentes de comunidades quilombolas, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas instituições sociais e econômicas. (BRASIL, 2001) Apenas a título de lembrança, deve-se mencionar a Portaria n. 22/1992, do IBAMA, que criou o Centro Nacional do Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais, e estabeleceu a seguinte definição para as populações tradicionais: “[...] comunidades que tradicional e culturalmente têm sua subsistência baseada no extrativismo de bens naturais renováveis”. (BRASIL, 1992)

Essa definição deve ser vista com muita reserva, posto que é tão ampla e imprecisa que não é suficiente para identificar um grupo que por seu modo de vida se diferencia e passa a ser depositário de direitos e obrigações especiais em relação ao seu conhecimento sobre a biodiversidade.

De fato, a qualificação da comunidade como “local” não traduz o sujeito buscado, tanto pela Convenção da Biodiversidade como pela Medida Provisória. Além de estarem fixadas em um local, essas comunidades devem ter características especiais de modo de vida, como vem esclarecer as definições dos antropólogos relacionadas a seguir.

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Manuela Carneiro da Cunha e Mauro de Almeida trazem as seguintes características para as populações tradicionais:

[...] uso de técnicas ambientais de baixo impacto, formas eqüitativas de organização social, presença de instituições com legitimidade para fazer cumprir suas leis, liderança local e, por fim, traços culturais que são seletivamente reafirmados e reelaborados. (SANTILLI, 2005, p. 129)

Diegues e Arruda propõem a seguinte definição de “populações tradicionais”:

Grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza. Tal noção refere-se tanto a povos indígenas quanto a segmentos da população nacional, que desenvolveram modos particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos específicos. (SANTILLI, 2005, p. 132)

Nesse mesmo sentido, Diegues esclarece que

[...] as populações tradicionais não só convivem com a biodiversidade, mas nomeiam e classificam as espécies vivas segundo suas próprias categorias e nomes. Uma particularidade, no entanto, é que essa natureza diversa não é vista pelas comunidades tradicionais como selvagem em sua totalidade; foi e é domesticada, manipulada. Outra diferença é que essa diversidade da vida não é tida como recurso natural, mas como um conjunto de seres vivos detentor de um valor de uso e de um valor simbólico, integrado numa complexa cosmologia. (DIEGUES, 2003, p. 33)

Os esclarecimentos destes antropólogos brasileiros auxiliam a interpretar a definição legal e a identificar os grupos humanos que nela se enquadram. Não basta que a comunidade encontre-se em um local fixado pelo seu trabalho ou estrutura familiar, é necessário que traga marcas claras no

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seu modo de vida resumidas em: 1. posse comunal ou familiar da terra; 2. produção voltada predominantemente para dentro da comunidade; 3. distribuição comunitária do trabalho não assalariado; 4. tecnologia desenvolvida e transmitida por processo comunitário, a partir da disposição de adaptação ao meio em que se estabelecem; 5. transmissão da propriedade, conhecimento, pela tradição comunitária, intergeracional.

Cabe trazer também a posição do estudo organizado pelo Ministério do Meio Ambiente, que por sua autoridade política deve orientar nossa reflexão:

Alguns autores como Darcy Ribeiro (1977), Manuel Diegues Jr. (1960) Alceu Maynard de Araújo (1973), tentaram uma ordenação das populações tradicionais não-indígenas de acordo com o conceito de áreas culturais. Este trabalho, apesar de fundamentado nos autores citados, adota enfoque mais operacional, utilizando também denominações que constam dos trabalhos analisados. Portanto, estão caracterizadas aqui as seguintes populações tradicionais não indígenas: açorianos, babaçueiros, caboclos/ribeirinhos amazônicos, caiçaras, caipiras/sitiantes, campeiros (pastoreio), jangadeiros, pantaneiros, pescadores artesanais, praieiros, quilombolas, sertanejos/vaqueiros e varjeiros (ribeirinhos não-amazônicos). (DIEGUES, 2003, p. 38) Desse quadro, pequenos agricultores, assentados, cooperados agrícolas, pequenos mercadores e comerciantes que estejam desvinculados da cadeia existencial apresentada acima, não podem ser considerados “comunidades locais” e, portanto, para a negociação de acesso com estes sujeitos, não poderá ser exigida a elaboração de laudo antropológico.