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Conceções de ensino dos professores

3. Principais resultados

3.5. Conceções de ensino dos professores

Neste ponto, tenta-se a difícil tarefa de caracterizar as conceções dos professores que participaram neste estudo acerca do processo educativo e, em particular, acerca do ensino. Embora preferíssemos a designação considerada mais lata por diversos autores (Andrade & Canha, 2006; Andrade, Canha, Martins, & Pinho, 2006; Pardal, Gonçalves, Martins, Neto- Mendes, & Pedro, 2011), de ‘representações’, neste documento seremos fiéis ao termo usado desde a génese do projeto, também porque mais vulgarizado.

Esse exercício de aceder a tais conceções fica dificultado quer pela principal técnica de recolha de dados que usámos – a da inquirição, por questionário e por focus group – quer pela língua usada, principalmente nos focus group, o português, que alguns inquiridos não dominam. Recorde-se que os questionários são bilingues. A inquirição foi complementada pela técnica da observação direta de aulas. Apesar de não se poder estabelecer uma relação linear de causa e efeito entre conceções e práticas, diferentes autores (Chana & Elliottb, 2004; Pardal et al., 2011; Reis, 2011) defendem as suas influências mútuas e, assim, a observação de práticas pedagógicas pode legitimar inferências que se façam acerca de conceções de ensino, principalmente se tais dados forem triangulados com outros.

Perspetiva dos formadores

O discurso que os formadores foram tendo ao longo do FG realizado permite inferir sobre conceções de ensino dos professores. Mas, para se enquadrar o que se segue, importa retomar a questão da formação de base dos professores não coincidir, por vezes, com as disciplinas que lecionam (Cabrita et al., 2015). A este respeito, os formadores revelam-se críticos, afirmando que, assim como acontece com os alunos, os professores “não têm bases (…) para [lecionar] as disciplinas” (FG-F-25.10.14). Mesmo em relação a Economia e Métodos Quantitativos, como aborda conteúdos que, na conceção de alguns professores e formadores, são de Matemática, os professores não estão preparados para a lecionar – “Porque o professor vem da área da Economia. Não sei como têm essa ideia para fazer esta matéria com esta matemática!” (FG-F-25.10.14). Esta admiração aponta para uma conceção um tanto ‘fragmentária’ de Economia e Matemática, entendendo-as como matérias separadas e sem inter-relação.

Também manifestam uma conceção de ensino centrada nos conteúdos disciplinares a transmitir aos alunos, sustentados, maioritariamente, no que é disposto nos materiais curriculares

Um professor que não tenha lido o Guia, o programa, o plano, não pode dar os conteúdos. Ali tem o plano de aula para consultar. Tem que se orientar com o seu plano. O professor não vai para a aula sem orientação. (FG-F-25.10.14)

Relativamente ao que se verificava no passado, a principal diferença tem a ver com a existência de materiais, que libertam tempo para o professor explicar a matéria - “antigamente, não tinham livros, tinham que passar tudo no quadro. Agora tem fator positivo, é só passar resumo, tem esses livros, diminuiu [o número de] apontamentos no quadro, então o professor tem que estar livre para fazer as explicações” (FG-F-25.10.14). Nota-se, assim, uma aproximação a conceções de ensino assentes em orientações tradicionalistas, ainda que reconhecendo a maior liberdade que a existência de manuais pode trazer à ação do professor, mais focada na compreensão dos conteúdos por parte dos alunos. Não obstante, pode perceber-se uma tendência para encarar o ensino numa lógica transmissiva, apresentando o aluno um papel passivo. Esta parece ser uma realidade que transcende o espaço escolar

Esse método ainda é assim. Mesmo na família, os filhos não têm liberdade de perguntar, para dialogar com os pais. Se tem esse hábito na família, é mais fácil ele fazer isso na escola. Quanto mais o professor! Ele tem medo de perguntar aos professores. (FG-F-25.10.14).

Perspetiva dos professores

Quando questionados (ver questão 11 do Apêndice III) sobre conceções de ensino (tabela 9), a esmagadora maioria dos professores (92,5%) assinala que ensinar é um processo que visa promover a construção de conhecimento pelo aluno (ex. descobrir o significado de palavras,

procurar explicações para determinados factos, …).

Tabela 9: Distribuição das respostas dos professores sobre conceções de ensino (%)

reprodução do conhecimento pelo aluno (ex. memorizar e repetir palavras e matérias) construção de conhecimento pelo aluno (ex. descobrir o significado de palavras, procurar explicações para determinados factos, …) aplicação do conhecimento pelo aluno, na resolução de situações novas (ex. interpretar

um gráfico, um mapa, um texto, …)

desenvolvimento de capacidades pelo aluno (ex. de resolução de problemas, de comunicação, de usar as tecnologias, de

trabalho em grupo, …)

utilização de capacidades pelo aluno, na

resolução de situações novas (ex. escrever um texto, fazer experiências, enviar um e-mail, …) desenvolvimento de atitudes e valores pelo

aluno (ex. a persistência, respeito pelos

outros,…)

mobilização, pelo aluno, de atitudes e valores na resolução de situações novas (ex. esperar pela sua vez para falar

, ouvir os outros, saber

interagir com os outros, …)

Sim 83,6 92,5 73,1 85,1 58,2 86,5 79,1

Não 10,4 4,5 25,4 10,4 38,8 4,5 13,4

Uma análise detalhada à tabela permite perceber que as afirmações que registam percentagens mais elevadas dizem respeito ao desenvolvimento de atitudes e valores (86,5%), ao desenvolvimento de capacidades (85,1%) e à reprodução de conhecimento (83,6%), em detrimento da sua aplicação ou mobilização. Realmente, 38,8% dos professores assinala que ensinar não é um processo que vise a utilização de capacidades pelo aluno, na

resolução de situações novas e 25,4% dos inquiridos assinala que não visa a aplicação do conhecimento pelo aluno, na resolução de situações novas. Tais opções revelam-se coerentes

com conceções de aprendizagem fortemente marcadas pela passividade dos alunos. No entanto, através dos focus group, foi possível esclarecer que, alguns professores participantes no estudo consideram que ensinar não é sinónimo de educar. Ensinar “é transmitir conhecimento” (FG-P-ESCSJB-23.10.14) e ajudar os alunos a formarem-se como pessoas – “A professora além de transmitir a ciência também [tem de] formar a pessoa, valores, costumes” (FG-P-SM-7.10.14). O conceito de educar é mais vasto, é fazer com que o aluno seja capaz de viver em sociedade – “Ensinar é dar conhecimento e educar é para [que] aquele aluno seja bom, seja ótimo, para viver em sociedade” (FG-P-CPVI-10.10.14). Para além disso, a educação não é apenas da responsabilidade do professor, também é da responsabilidade da família, e deve começar desde criança.

Referem, também, que preferem utilizar a palavra lecionar, pois os alunos podem ou não saber a seguir. A este respeito, um dos professores participantes menciona: “Eu nunca ensino aos alunos. Eu leciono. Eu ensino só quando o aluno tem de saber. Por isso eu digo leciono. O aluno pode ou não saber a seguir” (FG-P-CPVI-10.10.14).

Entendendo-se hoje em dia que a finalidade primeira do ensino é a aprendizagem, importa elucidar, ainda que de forma não aprofundada, as conceções de aprendizagem dos professores. A este respeito, um dos inquiridos considera que aprender é sinónimo de ‘indicar’ (FG-P-CPVI-10.10.14), no sentido de reproduzir, enquanto outros evidenciam percecionar a aprendizagem por relação ao ato de conhecer, de adquirir novos conhecimentos, “aprender é ter novos conhecimentos” (FG-P-CPVI-10.10.14). Há ainda participantes que associam aprendizagem à curiosidade, mencionando que “aprender é procurar saber para aumentar conhecimento para viver integrado e ativo” (FG-P-ESSMC-13.10.14). Em qualquer dos casos, a aquisição de conhecimento sobrepõe-se a outras dimensões como capacidades e atitudes. No entanto, alguns professores já começam a valorizar aspetos motivacionais e o questionamento na aprendizagem dos alunos – “Porque gosta da matéria, gosta do professor. Se o professor fizer essa pergunta, vai ajudar o aluno a aprender. [E] o aluno também faz isso” (FG-P-CPVI-10.10.14).

No pressuposto de que as conceções e as práticas se influenciam mutuamente, importa agora antecipar que a observação efetuada em contexto de sala de aula permite perceber uma abordagem de pendor tradicionalista, ainda que emirjam algumas práticas que atribuam um papel mais ativo ao aluno (p. e. NC-Au-Geo-ESSMC-22.10.14) e reflitam a mobilização de estratégias, por exemplo, como o questionamento (p. e. NC-Au-Pt-ES12NOV-10.10.14; NC-Au-Geol-ESSMC-22.10.14), o trabalho em grupo (NC-Au-Mat-ESSMC-15.10.14; NC-Au- Geo-ESSMC-22.10.14) e apresentação oral, pelos alunos (NC-Au-Geo-ESSMC-22.10.14). É de salientar que esta observação foi pontual e condicionada a um curto espaço de tempo, concentrado em momentos próximos e não estendidos ao ano letivo e, dessa forma, pode influenciar a própria dinâmica de aula. Adicionalmente, revela-se necessário acautelar o facto de alguns desses professores estarem familiarizados com as diretrizes curriculares, pelo que sabem, de antemão, o que será de esperar do professor.

Perspetiva dos alunos

Questionados sobre o que será, para os professores, ensinar, os alunos respondem - “O professor fala e explica. Se o estudante não entendeu, faz perguntas [ao] professor” (FG- A-ES4SET-15.10.14). Subentende-se, portanto, das perspetivas partilhadas por alguns alunos, que, para o professor, ensinar é, essencialmente, expor a matéria, tarefa que fica essencialmente a cargo do próprio docente.

No entanto, denota-se a conceção de que o ensino tem de promover a compreensão dos conteúdos abordados: se no anterior currículo era só “ler, ler”, no atual o professor “explica fora da matéria, [ou seja], vai buscar exemplos práticos para [que os alunos compreendam] melhor” (FG-A-CPVI-10.10.14). Acrescentam ainda que, nesse aspeto, preferem a forma como os professores organizam e orientam as aulas no atual currículo, mesmo sendo a língua mais difícil (FG-A-CPVI-10.10.14).

Por outro lado, já se inferem conceções que admitem uma certa abertura para que os estudantes questionem as suas dúvidas. No entanto, alguns professores parecem lidar mal com a situação quando não sabem responder, ficando, portanto, numa posição de maior fragilidade - “Às vezes, a professora de Física fica muito nervosa para responder. Ela não sabia a resposta” (FG-A-CPVI-10.10.14); “Alguns aceitam, outros ficam zangados. (…) Eles dizem eu sou professor, não sou aluno” (FG-A-ESNKS-9.10.14). Esta afirmação deixa subentender que, para os professores, eles são a autoridade, que não pode ser posta em causa.

3.6. Práticas pedagógicas dos professores