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PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3. Conceções de Saúde e de Doença

3.1. Conceções de saúde e doença em adolescentes com DM1 e com DII

Nos últimos anos, vários investigadores têm realizado estudos com adolescentes portadores de diversas patologias crónicas, comparando os seus efeitos em diversos domínios, como na qualidade de vida, a adaptação à doença, nos estilos de vida, no impacto na família, entre outros. As conceções de saúde e doença também têm sido exploradas.

Woodgate (1998) realizou uma pesquisa exploratória com 23 adolescentes, entre os 13 e os 16 anos, portadores de uma das seguintes condições: asma, DM1, artrite e DII. As dificuldades vivenciadas são comuns a todos os adolescentes e estão relacionadas com o cumprimento do regime terapêutico, com o controlo de sintomas e com a integração da doença no dia-a-dia. A diferença reside no nível de controlo da doença, no momento. Estes adolescentes consideram que têm uma “vida normal”, quando os sintomas estão controlados e que “a doença não é assim tão má como se pensa”. No entanto, durante os momentos de exacerbação dos sintomas, eles passam por um período difícil, um “inferno”, um “pesadelo”. Nesta fase é necessário um esforço extra a nível físico, mental e emocional. Os adolescentes com DM1 comparativamente aos outros adolescentes com outras patologias referem que o esforço maior, porque tudo tem que ser planeado e se esse plano falha, se a medicação não tem efeito, mesmo sendo tomada corretamente, torna-se difícil seguir o regime terapêutico. Neste estudo, a diabetes tipo 1 surge como um evento restritivo, quando os adolescentes não podem comer o que gostam, o que lhes apetece, ou quando não podem ir ao ginásio ou

41 participar em atividades com os amigos. É, também, doloroso. A dor pode ser física (decorrente da administração de insulina) ou psicológica, fruto da não-aceitação no grupo de pares, do tratamento diferente que passam a receber – maior atenção e preocupação, ou menor compreensão. Além disso, a doença também se transforma numa preocupação, é aborrecida, gera medo e ansiedade, principalmente por causa da possibilidade de surgirem complicações ou do risco de morte. O futuro, a escolha da profissão e o emprego são outras inquietações destes adolescentes, cujas decisões serão influenciadas pela doença (197).

Standiford et al. (1997) conduziu um estudo com 60 crianças e adolescentes com DM1, entre os 10 e os 17 anos, onde explorou o seu entendimento acerca da doença, tendo em conta as dimensões que caracterizam as perceções de doença. A maior parte dos participantes (78%) percebe que a DM1 está relacionada com a falência orgânica do pâncreas e que exige a administração de insulina, para compensar a perda de função do órgão, exigindo também, a restrição da ingestão de açúcar simples (34%). A ingestão abusiva de açúcar e de doces é vista como uma das possíveis causas para a doença, assim como a hereditariedade ou a genética (39%). Quase metade dos participantes não consegue atribuir um fator para a causa da doença. Alguns ficaram com a ideia de que a doença surgiu após um evento marcante, como a entrada no Ensino Secundário ou uma cirurgia, ou após uma infeção viral, como a varicela ou uma amigdalite. Para a maioria, a doença vai durar muito tempo, ou vai ser para sempre, a menos que se descubra uma cura, tal como desejam. Estes jovens pensam que a sua DM1 é igual à das outras pessoas e que não é assim tão má ou tão severa (68%). No entanto, são capazes de enumerar vários problemas relacionados com a vivência da doença e com o tratamento. Por um lado, o tratamento é visto como uma coisa boa, pois ajuda a controlar a glicose, a estabilizar a HbA1c e a prevenir complicações, proporcionando-lhes um estilo de vida mais saudável, uma melhor vida e um futuro mais sorridente. Ainda assim, alguns (39%) preocupam-se com a possibilidade de poderem desenvolver cegueira, neuropatia, doenças renais, hepáticas ou digestivas e amputações, condições que poderão influenciar negativamente a esperança média de vida. Por outro lado, o tratamento é um aborrecimento, exige tempo, interrompe o dia-a-dia (25%) e as constantes picadas nos dedos, para medir a glicose capilar, tornam-se incomodativas (27%), até porque são realizadas, de forma autónoma, pela maioria dos jovens (81%). A dieta também é um assunto que os perturba (49%), especialmente porque não podem comer o que querem, principalmente doces, têm horários mais rígidos para as refeições e têm que alterar as porções dos alimentos. A família é um suporte essencial, até para a otimização da HbA1c (39%), embora os pais lhes coloquem limitações em algumas atividades, como por exemplo, no ficar acordado até mais tarde, com outras pessoas (24%). Por vezes, o descontrolo metabólico, também os impede de fazer coisas, como atividade física (25%). Os adolescentes com DM1 (20%) querem ser

42 tratados como os demais, como se não tivessem qualquer doença, sobretudo pelos amigos, de quem sentem apoio (56%) (195).

Noutro estudo, neste caso sobre a perceção de barreiras à prática de atividade física por crianças e adolescentes portadoras de doenças crónicas como DM1, asma, fibrose quística ou outra condição respiratória crónica, concluiu-se que estes adolescentes têm uma visão positiva da doença, não deixando que esta interfira na prática de atividade física organizada ou de lazer (198).

Relativamente às perceções de doença em adolescentes com DII, Yi et al. (2006) realizaram um estudo quantitativo com 30 adolescentes, onde foi aplicado o questionário The Illness Perception Questionnaire – Brief (IPQ-B), cotado de 0 a 10. De acordo com os resultados obtidos, estes jovens acreditam que o tratamento ajuda a controlar a doença –

𝑥 ̅

7,8 (SD 2,2), sendo esta perceção superior à do autocontrolo –

𝑥 ̅

5,5 (SD 2,7) (199).

Sobre a realidade dos jovens portugueses com DM1, Serrabulho, em conjunto com colegas, tem desenvolvido vários estudos, onde as perceções de doença também são abordadas. Através de um focus-group, 41 adolescentes com idades compreendias entre os 12 e os 18 anos, expressaram a sua opinião acerca da vivência com a doença, considerando- a “complicada e chata, a que custa muito habituar e aprender a relacionar-se, que implica muitas mudanças na alimentação, exercício, passar a fazer muitas vezes por dia insulina e pesquisa de glicémia, o que implica picar o corpo. A diabetes é difícil de aceitar e de controlar, faz sentir revolta e tristeza (…) um bicho-de-sete-cabeças”. Com o passar do tempo, os adolescentes acabaram por se habituar à doença, considerando-a “normal” e como “parte do dia-a-dia” (200).