• Nenhum resultado encontrado

Conceição Evaristo (Belo Horizonte, 1946 )

A professora, pesquisadora e escritora mineira Conceição Evaristo, que, a exemplo de Miriam Alves, entrou para o coletivo Quilombhoje a partir dos anos 1990, tendo es- treado na literatura nesse mesmo ano, com a publicação de seis poemas nos Cadernos Negros n. 13. Trata-se hoje de um dos nomes mais representativos da literatura ne- gra feminina brasileira, contando com projeção no Brasil e no exterior. Suas obras têm integrado várias coletâneas nacionais – Quilombo de palavras, Vozes mulheres, O negro

em versos – e estrangeiras, especialmente nos Estados Unidos. Trilhando igualmente a via aca-

dêmica, como o fez Cuti, Conceição Evaristo dedicou-se a rel exões sobre a literatura negra brasileira em seu mestrado e no doutorado, estudou as relações entre literatura negra brasilei- ra e a produção literária africana de língua portuguesa. Assim, como ensaísta, seus trabalhos têm sido divulgados em periódicos nacionais e estrangeiros.

Poeta, contista e i ccionista, sua consagração se dá com a publicação do romance Ponciá Vivên-

cio (2003) que narra, numa prosa poética onde se entrecruzam memória individual e memória

coletiva, a trajetória de uma descendente de escravos (Ponciá), da infância, na terra de seus antigos senhores, até a maturidade, na favela de uma grande metrópole. No sentido inverso das histórias de superação com i nal feliz, no romance de Conceição Evaristo, cujas obras sem- pre retratam o cotidiano cruel dos excluídos, as perdas – terra, avô, pai, i lhos, esposo - são maiores que os ganhos. A própria identidade de Ponciá, que como muitos afrodescendentes vive no limiar da cidadania, é afetada pelo fato de portar o sobrenome – Vivêncio – do anti- go dono de seus ancestrais. Um dia, ela retorna às terras do Coronel Vivêncio para contar a história de seu avô que enlouqueceu aos os i lhos serem vendidos após a Lei do Ventre Livre (1871), e também do pai que servia de brinquedo ao sinhozinho e era alijado do universo da leitura, do conhecimento mal visto pelos senhores, pois signii cavam autonomia e liberdade:

Pajem do sinhô-moço, escravo do sinhô-moço, tudo do sinhô-moço, nada do si- nhô-moço. Um dia o coronelzinho, que já sabia ler, i cou curioso para ver se negro aprendia os sinais, as letras de branco e começou a ensinar o pai de Ponciá. O menino respondeu logo ao ensinamento do distraído mestre. Em pouco tempo reconhecia todas as letras. Quando sinhô-moço se certii cou que o negro aprendia, parou a brincadei- ra. Negro aprendia sim! Mas o que o negro ia fazer com o saber de branco? O pai de

Ponciá Vicêncio, em matéria de livros e letras, nunca foi além daquele saber.

Conceição Evaristo, portanto, deu forma ao conceito de “escrevivência” que utiliza para ca- racterizar sua produção textual, na qual se articulam vida, literatura e militância social, étnica e de gênero.

Com a publicação de Ponciá Vivêncio, a autora contrariou a tese até então vigente de que a produção dos escritores negros se limitavam a poemas e narrativas breves (contos), como o demonstra Eduardo Assis Duarte:

Em que consistiria esse romance? Se entendido como texto de autoria afrodes- cendente, tratando de tema vinculado à presença desse segmento nas relações sociais vividas no país, a partir de uma perspectiva identii cada politicamente com as demandas e com o universo cultural afro-brasileiro e destacando ainda o protagonismo negro nas ações, em especial aquelas em que se defronta com o po- der e com seus donos, não há dúvida de que Ponciá Vicêncio não só preenche tais requisitos, como ocupa o lugar supostamente vazio do romance afro-brasileiro. No entanto, o texto de Conceição Evaristo não é exemplo único e tem, sim, seus precursores. Além de estabelecer um saudável contraponto com o abolicionismo branco do século XIX e com o negrismo modernista de um Jorge Amado, um José Lins do Rego ou Josué Montello, Ponciá Vicêncio remete ao Isaías Caminha, de Lima Barreto; em menor escala, ao Brás Cubas, de Machado de Assis; e, com certeza, ao memorialismo de Carolina Maria de Jesus e ao Ai de vós, de Francisca Souza da Silva, entre outros. (DUARTE, 2006: 305).

O romance de Evaristo já foi comparado, em importância, à Cor Púrpura (1982), da escrito- ra norte-americana Alice Walker, obra que foi adaptada para o cinema em 1985 por Steven Spielberg.

Registre-se, também, que a obra da autora tem sido objeto de estudos acadêmicos (seminários, dissertações, teses) no Brasil e, especialmente, no Estados Unidos, onde Ponciá Vivêncio já se encontra traduzido para o inglês e integra a bibliograi a de cursos sobre literatura e cultura brasileiras de inúmeras universidades norte-americanas. No Brasil, a obra tem sido recomen- dada em vários vestibulares e nas bibliograi as em vários estabelecimentos do ensino médio. Um fato recentíssimo nos permite fazer uma ponte com a observação de Paulo Colina em 1987, no prefácio ao Negro Escrito (ver aulas anteriores) com respeito à ausência de escritores negros em eventos nacionais e internacionais: num avanço tímido, quase trinta anos depois, registre-se que Conceição Evaristo é a única escritora negra integrante de uma lista de cerca de 50 escritores representantes do Brasil no Salão do Livro em Paris (março 2015).

A autora mantém um blog (ver referências), contendo informações atualizadas sobre suas obras e atividades.

Referências

AUGEL, Moema Parente. “Geni Guimarães”. In: Literatura e Afrodescendência: antologia crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, vol 2, pp. 273-291.

DUARTE, Eduardo de Assis. “O Bildungsroman [romance de formação] afro-brasileiro de Con- ceição Evaristo”. In: Estudos Feministas, Florianópolis, n. 14, 2006, pp. 305-308. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v14n1/a17v14n1.pdf (acesso em 01/12/2015)

Entrevista com Míriam Alves: um poema com muita pele. Revista Geni n. 5. Disponível em:

revistageni.org/11/um-poema-com-muita-pele (acesso em 01/12/2014)

Portal Literafro. Disponível em: www.letras.ufmg.br/literafro (acesso em 01/12/2014)

Webgrafi a

Blog da escritora Mirian Alves. Disponível em: alvesescritorapoeta.blogspot.com.br (acesso em 01/12/2014)

Blog da escritora Conceição Evaristo. Disponível em: http://nossaescrevivencia.blogspot. com.br (acesso em 01/12/2014)

Vídeos

Geni Guimarães, A poesia que veio do campo. Disponível em: www.youtube.com/watch?- v=1hZS6vmqkcw (acesso em 01/12/2014)

Conceição Evaristo, momentos em Nova Iorque. Disponível em: www.youtube.com/watch?- v=W2DgEX8fIHE (acesso em 01/12/2014)

A escritora Conceição Evaristo fala sobre o negro na literatura brasileira. Disponível em: