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O conceito de biopolítica

No documento O paradigma biopolítico da modernidade (páginas 55-57)

CAPÍTULO 2 O VALOR DA BIOPOLÍTICA: SOBERANIA E BIOPODER EM MICHEL FOUCAULT

2.1. O conceito de biopolítica

Deve-se a Michel Foucault a formulação que define o modo como, a partir da época moderna, a vida natural do homem passou a ser objecto dos mecanismos do poder. Foucault desenvolveu a implicação mútua do «bios» e do político, fenómeno que tem uma afirmação absoluta nos totalitarismos do século XX, muito especialmente no nazismo, para o qual a política se torna intrinsecamente biológica e a vida tem imediatamente uma dimensão política.

Com o termo biopolítica, Michel Foucault designou o modo como o poder se transformou, do século XVIII ao XIX, em ordem a governar não somente os indivíduos, mas o conjunto dos viventes constituídos em população. Nessa época, marcada por uma melhoria das condições de vida, o biológico não constitui só um meio de pressão, mas também um instrumento de poder ao serviço do político.

Se podemos chamar «bio-história» às pressões pelas quais os movimentos da vida e os processos da história interferem uns com os outros, haveria de se falar de «biopolítica» para designar o que faz entrar a vida e os seus mecanismos no domínio dos cálculos explícitos e faz do poder-saber um agente de transformação da vida humana57.

Neste sentido, o termo biopolítica nasce com a origem da medicina social, num contexto em que o corpo é também socializado.

O controlo da sociedade sobre os indivíduos não se efectua somente pela consciência ou pelo ideológico, mas também no corpo e com o corpo. Para a sociedade capitalista, é o biopolítico que interessa antes de mais, o biológico, o

somático, o corporal. O corpo é uma realidade biopolítica; a medicina é uma estratégia biopolítica58.

57

Cf. Michel Foucault, “História da Sexualidade” in A Vontade de Saber, Relógio D’Água Editores, 1994, p. 188.

58

«Le contrôle de la société sur les individus ne s’effectue pas seulement par la conscience ou par l’idéologie, mais aussi dans le corp et avec le corps. Pour la société capitaliste, c’est le bio- politique qui importait avant tout, la biologique, le somatique, le corporel. Le corps est une réalité bio-politique; la médecine est une stratégie bio-politique». Cf. Michel Foucault, “La naissance de la médecine sociale” in Dits et écrits III, Gallimard, Paris, 1994, p.210.

A biopolítica é especialmente tratada opondo o direito de morte do soberano antigo ao poder moderno sobre a vida; se o poder tradicional possuía o direito de vida ou de morte, o poder moderno controla e governa a vida - gere e produz forças de vida, modela-as e ordena-as. Trata-se, então, de governar populações, controlá-las, medicalizá-las, isto é, favorecer o seu crescimento e bem-estar.

Ora, o primeiro pólo desta gestão da vida foi centrado no corpo como máquina: o seu treino, o aumento das suas aptidões, a extorsão das suas forças, o crescimento paralelo da sua utilidade e docilidade, a sua integração em sistemas de revisão eficazes e económicos, tudo isto foi assegurado por processos de poder que caracterizam as disciplinas: “anátomo-política do corpo humano”. O segundo, que se formou um pouco mais tarde em meados do século XVIII, centrou-se no “corpo-espécie”, no corpo atravessado pela mecânica do vivo e que serve de suporte aos processos biológicos: a proliferação, os nascimentos, a mortalidade, o nível de saúde, a duração de vida, a longevidade com todas as condições que podem fazê-las variar; a sua apropriação opera-se por toda uma série de intervenções e de controlos reguladores: uma biopolítica da população. Assim, se o liberalismo de então provoca a transformação do poder, o biopoder torna-se um poder normalizador, a biopolítica exerce-se através dos biopoderes locais - gestão da saúde, da higiene, da alimentação, da sexualidade, da natalidade, etc.

A medicina é um saber-poder que incide ao mesmo tempo sobre o corpo e sobre a população, sobre o organismo e sobre os processos biológicos, e que vai portanto ter efeitos disciplinares e efeitos reguladores59.

Estando a dualidade poder/saber sempre intimamente aliada, esta estende- se também aos processos da vida e ao seu controlo.

O homem ocidental aprende a pouco e pouco o que é ser uma espécie viva num mundo vivente, ter um corpo, condições de existência, probabilidades de vida, uma saúde individual e colectiva, forças que se podem modificar e um espaço em que se pode reparti-las de forma optimizada60.

59

Cf. Michel Foucault, É preciso defender a sociedade, p. 225.

60

Com efeito, com o conceito de biopolítica, Foucault anunciava o que hoje já não é tão controverso: a vida e o vivente constituem dimensões de novas lutas políticas e de novas estratégias socio-económicas.

Surgem, então, algumas questões relevantes: quais são os objectos que esta biopolítica da espécie humana pretende atingir? Quais são os processos da vida que ela pretende alcançar? Esta nova tecnologia vai afectar os processos ligados à vida, como o nascimento, a morte, a doença, a produção, o casamento, entre outros. Neste sentido, não será a individualização que se coloca, mas, pelo contrário, a massificação; não o homem-corpo, mas o homem-ser-vivo. Os processos como os de natalidade, de mortalidade e de longevidade articulam-se a uma espécie de outros de ordem política e económica, eles serão os principais campos de saber e alvos dessa biopolítica. A preocupação da espécie humana com o seu meio, os humanos como seres vivos e o seu meio de existência, problematizando esse meio como criação da população, a biopolítica vai extrair o seu saber para localizar e definir o campo de intervenção do seu poder.

No documento O paradigma biopolítico da modernidade (páginas 55-57)