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Não seria possível falar de reabilitação ou intervenção urbana, sem falar do conceito de cidade. Na verdade, não é possível entender estes conceitos, o interesse que lhes está associado ou a sua finalidade, sem entender o espaço que lhes é inerente.

A cidade é, em primeiro lugar, um espaço dinâmico, um espaço interativo, onde para muitos tudo acontece. É o espaço de vivências, de encontros, de negócios, de socialização, é um espaço multicultural e na realidade sempre assim foi.

É certo que o objetivo deste trabalho não passa por analisar de forma exaustiva e aprofundada a história das cidades ou a sua evolução, mas o que seria da parte sem o todo? E para se compreender um pouco melhor este espaço, é necessário debruçarmo-nos um pouco sobre a sua problemática e perceber as suas dinâmicas.

Assim, apesar de o presente trabalho incidir sobre uma época relativamente recente da nossa história, a compreensão da cidade moderna só se torna credível se incluir também os processos históricos que a moldaram. (Teixeira, 1993, p. 374)

Da mesma forma, este trabalho não terá tanto em conta o desenho das cidades ou do espaço urbano, a organização do espaço ou os tipos de edificação, será por isso, uma abordagem mais qualitativa, mais centrada nas pessoas e no seu contributo para a evolução da cidade, que não terá tanta preocupação com o espaço em sim, mas mais com os processos sociais que lhe deram origem.

Segundo (Salgueiro, 1999), a população residente em espaço urbano foi aquela que mais aumentou nos últimos séculos e foi durante a Revolução Industrial, iniciada em Inglaterra na segunda metade do século XVIII e que depois proliferou para a maioria dos países europeus, que, no caso europeu e em termos relativos, esse aumento populacional foi mais significativo. Assistiu-se a um enorme êxodo rural, as populações abandonaram o espaço rural em direção à cidade industrial à procura de melhores condições de vida. No entanto, encontraram aquilo que muitas vezes foi chamado de um “espaço doente” e, assim, surgem durante o século XX, os primeiros planos que tinham como objetivo melhorar a cidade existente.

É também durante o século XX, em 1933, que é elaborada pelo CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) a Carta de Atenas, que se apresenta como um excelente exemplo das novas conceções de cidade que foram surgindo durante o início daquele século. Este documento é também marcado pelo cariz progressista face à cidade, muito mais direcionado para o modernismo (à semelhança da arte da época), e para tal a cidade deveria traduzir todos os avanços tecnológicos do seu tempo.

Mas era também uma cidade homogeneizada, com pouca identidade, pois a ideia defendida era a de que as cidades deveriam ser idênticas em qualquer lugar do mundo, não havendo por isso, espaço para a individualidade ou para as tradições. Foi utilizada a construção em altura, necessária para dar resposta ao enorme aumento populacional, sendo em muitos casos a única forma de disponibilizar habitação condigna às populações. Além disso não existia o conceito de rua, pois esta era considerada barulhenta e perigosa, contrariando as questões de higiene e de luminosidade que se defendiam na época. Contudo, este modelo padronizado foi alvo de inúmeras críticas por parte de moradores e técnicos e os modelos defendidos foram progressivamente abandonados.

Desta forma, o foco vira-se, então, para a cidade mais real, mais verdadeira, com todas as suas tradições e peculiaridades, com as suas gentes, com as suas ruas e praças, com as suas fachadas e lojas. Esta mudança de paradigma, é bem evidente na Nova Carta de Atenas, lançada em 2003 pelo Conselho Europeu de Urbanistas e que teve como principal objetivo a renovação da anterior Carta. Pretendia-se a criação de uma rede europeia de cidades que mantivessem a sua riqueza e diversidade cultural, mas que se tornassem mais adaptadas às novas problemáticas do século XXI, como as questões da imigração ou da globalização, surgindo assim, uma visão mais moderna da cidade.

A Nova Carta de Atenas propõe uma Visão da cidade coerente que pode ser atingida pelo urbanismo e pelos urbanistas, em colaboração com outros profissionais. Propõe novos sistemas de governância e pistas que permitam o envolvimento dos cidadãos nos processos de tomada de decisão, utilizando as vantagens das novas formas de comunicação e as tecnologias de informação, ao mesmo tempo que se centra mais nos habitantes e nos utilizadores da cidade e nas suas necessidades. (Conselho Europeu de Urbanistas, 2003).

A Visão que fundamenta a Nova Carta de Atenas 2003 é ainda completada por uma breve referência às principais questões e desafios que afetam as cidades no princípio do século XXI, bem como os necessários compromissos dos urbanistas para pôr em prática esta mesma Visão. (Conselho Europeu de Urbanistas, 2003) As principais questões a ter

em conta dizem respeito às alterações sociais e políticas, às alterações económicas e tecnológicas, às alterações ambientais e às alterações urbanas, por causa dos seus efeitos potenciais no desenvolvimento de uma cidade. Por outro lado, alguns dos principais desafios para as cidades do futuro passam pelas alterações ambientais, pelo desenvolvimento das comunicações e dos transportes e por um planeamento mais coerente entre as zonas mais antigas das cidades e as mais recentes. (Conselho Europeu de Urbanistas, 2003)

Segundo a Nova Carta de Atenas, o futuro constrói-se em cada instante do presente pelo efeito de cada uma das nossas ações e o passado oferece-nos lições de grande valor para o futuro. Assim, relativamente a determinados aspetos, a cidade de amanhã já existe hoje. Existem, no entanto, muitas características da vida na cidade que apreciamos e gostaríamos de realçar e transmitir às gerações futuras. Qual é, então, o problema de base das cidades de hoje? É a falta de coerência: não só em termos materiais, mas também a falta de coerência na continuidade de evolução no tempo, que afeta as estruturas sociais e as diferenças culturais e isto não significa somente a continuidade das características dos espaços construídos, mas também a continuidade da identidade, que é um valor muito importante a salvaguardar e a promover num mundo sempre tão dinâmico. (Conselho Europeu de Urbanistas, 2003)

Henri Lefebvre entendeu a cidade de outra forma, defendendo o direito a esta como forma superior de direito. Entendeu o direito à cidade como direito à liberdade, à individualização na socialização, como direito ao habitar e ao habitat. Porém, o valor mais importante, seria aquele que ele denominou como direito à obra, ou seja, o direito a participar e o direito à própria apropriação do espaço, pois entedia que sem apropriação nunca poderia haver participação. (Bandeirinha, 2014, p. 41)

No século XXI, com o acentuar da globalização, as cidades adquirem uma importância crescente e são entendidas como espaços onde o conhecimento e a inovação se podem desenvolver, mas que também são elas as mais afetadas por problemas como o desemprego, a pobreza, a segregação social, a criminalidade ou as disparidades sociais.

Ora a presente dissertação aborda precisamente uma das formas de resolver alguns dos problemas das cidades, pois a reabilitação urbana assume-se como uma ferramenta a utilizar no espaço urbano e que ao permitir a realização de iniciativas que têm em conta o existente e abrangem vários setores possibilita ir ao encontro das necessidades das cidades. Desta forma, o reforço do papel da reabilitação urbana tanto ao nível dos conceitos como

das políticas deveu-se também, em grande medida ao aumento da importância das cidades para o processo de desenvolvimento global, para o qual as várias intervenções nas cidades contribuíram.

Mas o interesse pela cidade reside também no facto de esta ser um local privilegiado para a transformação social e para a exploração de novos caminhos nas áreas da arquitetura e urbanismo, o que permitiu a criação de um amplo espaço de convergência com os movimentos populares e com as organizações de moradores. (Nunes & Serra, 2002)

Assim, as cidades e o espaço que as rodeia são, na atualidade, os territórios onde se verificam os principais acontecimentos económicos e sociais e são também os locais onde as questões identitárias mais de colocam. Em relação ao nosso país, todas as mudanças que têm acontecido refletem-se de forma clara nestes espaços, pela sua heterogenia, pelos números populacionais e na nossa história recente foram muitos os acontecimentos que marcaram e de certa forma transformaram o espaço urbano. O advento da liberdade em 1974, o regresso dos portugueses das ex-colónias, as mudanças sociais, políticas e económicas, a entrada na CEE em 1986 e todo o processo de integração e a consequente globalização que o país foi sofrendo, transformaram a nossa sociedade e as nossas cidades. (Ferreira, 2005)

Neste contexto de mudança, as cidades tendem a assumir um papel relevante, talvez porque seja nestes espaços que estas transformações sejam mais visíveis. Mas também por serem nelas, que as adaptações e as soluções para os problemas que surgem também mais facilmente emergem. Neste contexto, podem também passar pelas cidades as mudanças necessárias para os problemas habitacionais.