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O paralelismo entre a década de setenta e a atualidade

Importa para o desenvolvimento desta dissertação a realização de um pequeno paralelismo entre a década de setenta e a atualidade, não se pretendendo, contudo, uma comparação exaustiva a todas as áreas da sociedade, incidindo apenas, nas questões e nas problemáticas que sejam relevantes para os temas abordados. Assumindo, que as diferenças entre as duas épocas são abismais em termos sociais e políticos, a comparação irá centrar- se principalmente na habitação, nas questões populacionais, nos movimentos associativos urbanos e na participação.

Uma das principais diferenças entre o presente e o período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, pretende-se com a questão da habitação, pois se em 1974 se estimava que faltassem cerca de meio milhão de fogos, na atualidade estima-se que haja um valor próximo de fogos em excesso. Desta forma, na década de setenta existiam carências habitacionais bastante graves, nas grandes cidades, como Lisboa, uma vez que a crescente industrialização atraiu muitas pessoas do campo para a cidade, verificando-se um êxodo rural bastante intenso e, na ausência de uma oferta de habitação compatível em número e valor, acabaram por emergir bairros clandestinos e bairros de lata. Note-se que em 1975, este aumento populacional foi ainda agravado pelo regresso de mais de meio milhão de portugueses das antigas colónias africanas.

A situação que em termos habitacionais antecedeu o 25 de Abril e o período imediatamente a seguir teve como pano de fundo um conjunto de carências que o antigo regime não tinha conseguido atenuar. (Vilaça, 1991). Segundo (Ferreira, 1987), estimava à data um défice de 600000 alojamentos, destacando-se também o elevado nível de degradação do parque habitacional. De acordo com (Bandeirinha, 2011), citado por (Lima,

2011, p. 58), cerca de 25% da população vivia abaixo das condições mínimas de conforto, segurança, salubridade e privacidade. Os dados oficiais indicavam a existência de mais de 300000 habitações precárias, só no território continental, mas, na realidade, este número referia-se unicamente a um tipo de alojamento ao qual associamos a designação de barraca.

Na atualidade, a situação inverteu-se e segundo os dados disponíveis do INE (Instituto Nacional de Estatística, 2012) existem hoje mais habitações do que agregados familiares, significando que podemos dizer que em vez de défice habitacional, o nosso país apresenta nos dias de hoje habitações em excesso, assunto que será abordado de forma mais detalhada nos capítulos seguintes. Ainda assim, apesar de não de verificar défice habitacional e existirem maiores facilidades no acesso à habitação, continuam a verificar- se determinadas carências, essencialmente relacionadas com situações de habitabilidade, ao mesmo tempo que também aumenta o segmento da população que com o aumento dos preços da habitação, não dispõe de recursos para adquirir ou arrendar casa.

Outra das grandes diferenças entre as duas épocas relaciona-se com as questões das lutas urbanas nas cidades e a participação das populações, pois o período que se seguiu à Revolução de Abril de 1974 é marcado pela fundação de muitas associações de moradores e pela existência de muitas lutas urbanas, reivindicando, nomeadamente, melhores condições de habitação. Segundo (Vilaça, 1991), em Lisboa as contestações aconteciam sobretudo nos bairros de lata com uma população na sua maioria proletária e no Porto o movimento foi iniciado pelos moradores dos bairros camarários e das “ilhas”. O associativismo urbano foi nesta época, um elemento de participação e de dinamismo na cidade (Vilaça, 1991)

Também a participação tinha um peso muito maior na sociedade posterior à Revolução de Abril de 1974, justificado pela liberdade recentemente conquistada e pelas carências que existiam em vários setores da sociedade, estando a participação presente em várias áreas como as artes, a política ou a arquitetura. Nessa altura, coincidindo com uma profunda transformação nas estruturas de poder, as relações de contaminação entre os processos reivindicativos, as estruturas representativas e as organizações autónomas precipitaram-se de forma vertiginosa. Nessa vertigem – em boa parte movida pelas tensões de uma sociedade que tentava, com inúmeras contradições e a diferentes ritmos, apanhar o comboio do seu tempo – jogavam-se questões básicas de organização societária, como o modelo político, o modelo económico ou o surgimento de direitos fundamentais do estado social. (Bandeirinha, 2014)

Estas questões tão importantes para o desenvolvimento de qualquer sociedade e que foram fundamentais para as transformações sociais e económicas do nosso país, estão hoje apenas na memória daqueles que as viveram ou nas palavras da história. Eram diárias na época, de uma importância extrema para um país que acabava de sair de um regime autoritário que perdurou durante quatro décadas e que nunca tinha conhecido aquilo que nós hoje entendemos como políticas sociais, em áreas como a saúde, o emprego e particularmente a habitação.

Em termos históricos, o período que se seguiu à revolução é marcado por sucessivos governos provisórios (seis, no total) que foram sendo formados ao sabor das transformações nas correlações de forças e nas alianças políticas, na base de coligações de partidos e organizações de diferentes fações do MFA (Movimento das Forças Armadas), geralmente situados na esquerda do movimento. Os governos eram, por um lado, tutelados pelos militares, e, por outro, extremamente sensíveis à pressão dos movimentos sociais e cívicos. (Nunes & Serra, 2002)

Contudo, o período atual, é também turbulento, no qual pequenos acontecimentos podem gerar efeitos de grande alcance, flutuações amplas nos processos políticos e sociais e na dinâmica da economia, acelerando a instabilidade e a incerteza; neste sentido as novas oportunidades poderão também ser construídas através de iniciativas cívicas e movimentos sociais. (Nunes & Serra, 2002)