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Nas ciências sociais, como também na comunicação, diversas pesquisas têm, historicamente, a cultura como eixo condutor das reflexões. Encontrar uma definição de cultura, por si só, já se constitui em um esforço, principalmente pela abrangência e a diversidade de concepções que o conceito recebeu de uma época para outra.

Denys Cuche (2002) passa por diversas caracterizações do conceito de cultura em diferentes contextos históricos, desde as mais “básicas”, entendendo cultura como o cultivo de plantas ou animais, relacionada às artes, ao conjunto de valores e crenças de uma determinada sociedade ou do indivíduo, até o reconhecimento de que a complexidade do termo é notável para ser reduzida de modo simplista. Destaca a complexidade da palavra “cultura”, que teve usos diversos, para significar conceitos diferentes, conforme as fases de desenvolvimento histórico e intelectual.

Reportando-nos à teoria que sustenta este trabalho, Williams (2007) também destaca a complexidade em definir a cultura, buscando na composição do substantivo em latim Colere, que se caracterizava pelos significados de “habitar, cultivar, proteger, honrar com veneração”. Como o autor explica, “em todos os primeiros usos, cultura era um substantivo que se referia a um processo: o cuidado com algo, basicamente com as colheitas ou com os animais” (WILLIAMS, 2007, p.117).

Conforme Williams (2007), à medida que se desenvolvem diversos pensamentos, a palavra assume um caráter de metáfora, passa a incluir o desenvolvimento humano. Cultura, como “processo abstrato ou produto de tal processo” só adquire importância a partir do século XVIII. Cultura também seria uma maneira de designar como um “bem material”, como algo que se tem ou não tem, especialmente quando se faz referência aos “bem nascidos” que

seriam dignos de cultura, ao passo que há aqueles que não a possuem.

Questiona-se, a partir dos estudos de Herder (apud WILLIAMS, 2007), de que civilização ou cultura não são processos lineares, que se desenvolveram de maneiras iguais/semelhantes em todas as partes, como a concepção da cultura europeia sendo dominante e mais importante que as demais, que são subjugadas. Nesse sentido, deve-se pensar em cultura no plural, em culturas. Salienta a crítica de que a modernidade “teria” a cultura como restrita às artes, música, literatura... ao passo que diferentes visões, no entanto, estão condicionadas aos variados usos e também aos problemas que são atribuídos à palavra, pois daí decorrem os tensionamentos que surgem no momento em que se diferencia cultura/arte alta ou baixa, desconsiderando as fases de desenvolvimento histórico real do cultural e do social (WILLIAMS, 2007).

Assim sendo, pensar a cultura sofreu transformações que resultaram no que ficou conhecido como “virada cultural”, que diz respeito a “uma abordagem da análise social contemporânea que passou a ver a cultura como uma condição constitutiva da vida social, ao invés de uma variável dependente” (HALL, 1997, p.9). Esta mudança de paradigma envolve, principalmente, uma virada nos estudos da linguagem, uma vez que as formas de produção e circulação de representações e significados estão diretamente relacionadas com a linguagem. Por meio desta, que se questiona e se estabelecem relações com o que pode ser entendido como “realidade”.

Desta forma, a virada cultural, como explicado por Hall (1997, p.10), trata-se desta nova concepção acerca da linguagem, “pois a cultura não é nada mais do que a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas”. Corresponde, então, a uma ampliação nos modos de compreender a linguagem a fim de entender a vida social como um todo.

Para Hall (1997, p.2), “diz-se que a cultura incorpora o ‘melhor que já se pensou e disse’ em uma sociedade”, mas, além disso, constitui-se como um processo “pelos quais significados e definições são socialmente construídos e historicamente transformados”, (ESCOSTEGUY, 2010, p.28).

É como construção social, como modo de vida, que a cultura deve ser concebida.

[...] Os significados, a importância dada às mais diversas elaborações humanas, são cultura na medida em que fazem parte do modo geral de vida e são, elas mesmas, que nos fazem entender essas elaborações. Em Williams, a ideia de cultura como modo de vida e como produto artístico não se excluem porque em ambos o valor atribuído está no significado coletivo. [...] cultura passou a incluir toda e qualquer

“prática significativa”, contemplando três dimensões antes desagregadas: cultura como “modo de vida global”, como “sistema de significações” e como “atividades artísticas e intelectuais”. Cultura não exclui uma dessas dimensões, mas as agrega, as conjuga, pois tanto as vidas ordinárias, quanto à produção artística, literária e poética são culturais porque carregam em si significados e valores formulados no coletivo, nas interações humanas (ARAÚJO, 2004, p.4).

A abordagem dos estudos culturais britânicos permite pensar criticamente os estudos acerca da cultura e, especialmente, da comunicação, não restringindo-os a um campo ou outro, mas procurando enxergar todas as dimensões de ambos a serem examinadas. Não há como pensar a mídia separada da cultura. Kellner (2001, p.54) ainda complementa essa visão, quando afirma que “[...] a nossa é uma cultura da mídia, que a mídia colonizou a cultura, que ela constitui o principal veículo de distribuição e disseminação da cultura”.

Toda cultura, para se tornar um produto social, portanto “cultura”, serve de mediadora da comunicação e é por esta mediada, sendo portanto comunicacional por natureza. No entanto, a “comunicação”, por sua vez, é mediada pela cultura, é um modo pelo qual a cultura é disseminada, realizada e efetivada. Não há comunicação sem cultura e não há cultura sem comunicação (KELLNER, 2001, p.53).

Santaella (2003) fala de “cultura das mídias”, que consistiria em uma cultura intermediária entre a cultura das massas e a cibercultura. Esta cultura das mídias considera processos que envolvem o surgimento e desenvolvimento, nos anos 1980, de equipamentos e dispositivos – como fotocopiadoras, videocassetes, walkman, tv a cabo – que propiciaram que se individualizassem a escolha e o consumo das mídias, antes massificadas.

Neste ponto, vamos ao encontro dos questionamentos e proposições que são levantadas por Silverstone (2011), procurando uma resposta de quais as razões que nos levam a estudar a mídia. Consideramos a mídia como produtora de sentidos e dinamizadora das relações sociais, uma vez que ocupa espaços de instituições, iguala de alguma maneira as classes, não ficando restrita a características particulares de um ou de outro grupo social. Só pela presença na vida cotidiana, já temos aí argumentos para justificar nossa escolha em estudar a mídia e os discursos que a constituem. Mas, para além disso, estudar a mídia se torna indispensável no momento em que a vemos como “[...] algo que contribui para nossa variável capacidade de compreender o mundo, de produzir e partilhar seus significados” (SILVERSTONE, 2011, p.13).

O autor ainda complementa que é na vida cotidiana, na experiência, que a mídia opera, seja filtrando ou moldando realidades, contribuindo para a produção e/ou afirmação do senso

comum, seja reproduzindo ou conduzindo a vida diária por meio das representações que escolhe.

Neste aspecto, Mata (s/d, p.85) questiona as noções de cultura massiva e de cultura midiática, sendo que esta superaria a primeira, uma vez que é um estado mais avançado, que possibilita que ocorra um “intercâmbio de produtos culturais”. A cultura midiática seria marcada por um dinamismo, por um processo coletivo de produção de significados, de “novas formas de estruturação das práticas sociais, marcada pela existência dos meios” (MATA, s/d, p.85).

Kellner (2001, p.53) já procura adotar a expressão “cultura da mídia” nos trabalhos. Com esse conceito, para além de restringir-se a utilizar as caracterizações massiva ou popular, por exemplo, pensa-se a cultura e a comunicação como um todo, de modo que as pesquisas que tratem da cultura da mídia consigam abranger “todo o espectro da mídia e da cultura”, que estão imbricadas.

É por meio da cultura da mídia que também os indivíduos produzem suas identidades. A cultura pode ser considerada um conjunto de valores e significados partilhados, e, por isto mesmo, conforme Hall (1997) devemos pensar a cultura e as representações a partir da circularidade desses valores e significados. A representação, junto com a identidade, a regulação, a produção e o consumo, são instâncias do circuito da cultura, elaborado por Du Gay et al. 6 (1999), que se propõe justamente a compreender as construções discursivas e os sentidos que são produzidos culturalmente.

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