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Conceito de Adoção e os procedimentos legais no Brasil

CAPÍTULO 4 – ADOÇÃO

4.1 Conceito de Adoção e os procedimentos legais no Brasil

Segundo Levinzon (2004), a palavra adotar vem do latim “adoptare” e significa cuidar, considerar, escolher. A autora define adoção como uma maneira de oferecer a uma criança, que, por alguma razão, não pode ser criada pelos pais biológicos, a oportunidade de ter uma família. A adoção também representaria a oportunidade de ter filhos para pais que não podem por motivos biológicos ou que optam por cuidar de crianças com quem não apresentam ligação genética. Silva Júnior (2006a, p. 86) define a adoção como “o vínculo legal que cria, à semelhança da filiação consangüínea, um parentesco, pelo valor de afeto”.

A adoção é um dos institutos do Direito que existem há mais tempo, visto que sua prática, ou seja, o acolhimento de crianças e/ou adolescentes como se fizessem parte da família biológica, é constatada em quase todas as sociedades, desde as mais antigas até as atuais. Na sociedade pré-romana, por exemplo, já havia um Código que estabelecia normas para a adoção, o Código de Hamurabi, que instituiu alguns artigos sobre o assunto. Esse Código, formulado por volta de 1780 a.C., foi estabelecido pelo sexto rei sumério “Khammu- rabi” e regia normas sobre a vida e as propriedades por meio de leis específicas. Nesse código, os seguintes preceitos falam sobre a adoção:

[...] 185. Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho,

criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem. 186. Se um homem adotar uma criança e esta criança ferir seu pai ou mãe adotivos, então esta criança adotada deverá ser devolvida à casa de seu pai. [...] 190. Se um homem não sustentar a criança que adotou como filho e criá-lo com outras crianças, então o filho adotivo pode retornar à casa de seu pai. 191. Se um homem, que tenha adotado e criado um filho, fundado um lar e tido filhos, desejar desistir de seu filho adotivo, este filho não deve simplesmente desistir de seus direitos. Seu pai adotivo deve dar- lhe parte da legítima, e só então o filho adotivo poderá partir, se quiser. Ele não deve dar, porém, campo, jardim ou casa a este filho. [...] 194. Se alguém der seu filho para uma ama (babá) e a criança morrer nas mãos desta ama, mas a ama, com o desconhecimento do pai e da mãe, cuidar de outra criança, então eles devem acusá-la de estar cuidando de uma outra criança sem o conhecimento do pai e da mãe. O castigo desta mulher será ter os seus seios cortados [...] (CÓDIGO, 2005).

No Brasil, desde 1988, com a Constituição Federal, extingui-se a distinção que havia entre filiação legítima e filiação adotiva, garantindo a todos os filhos os mesmos direitos e o mesmo tratamento legal. Conjuntamente com a Constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil legitimam a filiação adotiva ao anular o registro de

origem da criança, criando um novo registro de nascimento com os nomes dos pais adotivos, integrando, assim, legalmente a criança à nova família. Apesar dessa integração legal, isso não significa que a criança já esteja profundamente socializada e integrada afetivamente com a família. Na adoção, como não há um elo de ligação sangüíneo, a ligação é construída por meio das relações de afetividade vivenciadas na família (PINHEIRO, 2004).

O tema da adoção sempre despertou polêmica e discussões, especialmente sobre o bem-estar da criança. Vários mitos perpassam este tema, principalmente quando diz respeito à adoção por homossexuais, que ainda é um tema controverso. Nesses casos, além dos mitos acerca da adoção, são somadas visões estereotipadas, preconceituosas e patologizadoras sobre a homossexualidade. Talvez esses mitos se mantenham pela falta de proximidade da sociedade com esse tipo de realidade, por isso, verifica-se a necessidade de conhecê-la e estudá-la.

A adoção muitas vezes é desvalorizada em relação à filiação biológica, já que se acredita que a hereditariedade seja a responsável pelo elo entre pais e filhos. Porém, o vínculo e o sentimento de filiação advindos da adoção têm significado simbólico. Estes se constroem no cotidiano, com o convívio familiar, por meio de experiências compartilhadas, culminando na elaboração de valores e projetos (MALDONADO, 2001; PERES, 2006).

Como o laço sangüíneo entre pais e filhos é muito valorizado e a adoção não o abarca, ela ainda gera muito preconceito social e, muitas vezes, as pessoas têm medo de assumir a adoção tanto para o filho quanto para a sociedade (MALDONADO, 2001).

Algumas pessoas acreditam que os filhos adotados sofram mais que os filhos biológicos e tenham mais problemas psicológicos. No entanto, pesquisas mostram que o número de filhos adotivos e de filhos biológicos que passam por tratamento devido a problemas psicológicos não apresenta diferenças significativas (PERES, 2006).

Há muita expectativa favorável e desfavorável em torno da adoção, o que sugere que dificuldades não possam ser encontradas nas relações familiares em que há filiação biológica, o que é um equivoco porque estas relações também devem ser construídas e desenvolvidas entre os membros que compõem uma família. Segundo Maldonado (2001), mesmo tendo um filho biológico, é necessário “adotá-lo” no sentido de que ele será diferente do que foi idealizado e é necessário aceitar seu modo de ser particular. O mesmo ocorre com o filho biológico em relação aos pais, aquele deve “adotar” estes, ou seja, aceitar os pais que tem, os quais, em algum momento, serão diferentes do que se idealizou.

A sociedade leiga tem idéias sobre os procedimentos jurídicos da adoção de que há muita burocracia para adotar uma criança e, por isso, haveria tanta criança sem família e tantas famílias querendo adotar. Segundo Pinheiro (2004), atualmente, em São Paulo, há 200.000 crianças que não possuem família e 6.100 famílias que querem adotar. No entanto, pesquisas mostram que a maior parte dos candidatos a adotante apresenta o desejo de adotar crianças brancas e que tenham idade entre 0 e 2 anos. No entanto, a maior parte das crianças que busca uma família adotiva é de cor negra ou mulata, e como a maioria não é adotada quando pequena, essas crianças acabam crescendo em Casas de Abrigo. Para crianças de mais de 10 anos, a proporção é de 66 crianças para cada candidato a adotante.

Maldonado (2001) acredita que, devido à extensa burocracia existente no processo de adoção, há no Brasil um grande número de adoções ilegais, como, por exemplo, a chamada “adoção à brasileira”, na qual a família recebe o bebê e o registra como filho, sem passar pelos tramites legais. Vale ressaltar que esse tipo de ação constitui crime de falsidade ideológica. Para a autora, as famílias que querem adotar, na maior parte das vezes, acabam recorrendo a tais meios no intuito de evitar serem “tão rigorosamente examinadas, controladas e fiscalizadas para que se determine se estão aptas ou não a receber a criança” (p. 21).

No Brasil, o processo de adoção ocorre em várias etapas. Os interessados em adotar devem, em primeiro lugar, apresentar um requerimento com a solicitação de inscrição no cadastro do banco de adoção juntamente com os documentos exigidos e a indicação das características da criança que querem adotar. Esse requerimento é autuado pelo cartório e recebe numeração em ordem cronológica crescente, conforme a respectiva apresentação dos candidatos. Posteriormente, os autos são encaminhados ao Setor Técnico do Fórum37 para serem realizadas as avaliações psicológica e social. A próxima etapa é o encaminhamento dos autos com os relatórios das avaliações dos psicólogos e assistentes sociais à Curadoria da Infância e da Juventude.38 Nesta etapa, o Promotor Público deve se manifestar antes da decisão judicial para a inclusão do cadastro de adoção. Em caso de deferimento pelo juiz, os candidatos passam a fazer parte do cadastro e esperam ser chamados pelos profissionais da Vara da Infância para conhecerem crianças com as características que relataram durante o processo de avaliação. Dependendo do parecer do juiz, os candidatos podem passar por nova

37

O Setor Técnico do Fórum é composto por psicólogos e assistentes sociais que auxiliam o juiz em sua decisão por meio de relatórios específicos da área, de acordo com cada situação.

38 De acordo com Pinheiro (2004), os adotados podem ter qualquer idade. A diferença é que a adoção de crianças e adolescentes é regida pelo ECA, enquanto a adoção de maiores de 18 anos é regida pelo Código Civil. A única restrição é a que o adotante deve possuir 16 anos a mais que o adotado.

avaliação no prazo de seis meses ou ter a inscrição indeferida (PAIVA, 2004; PINHEIRO, 2004).

No processo de adoção, conforme se verifica no§ 2º do artigo 45 do, caso o adotando tenha mais de 12 anos de idade, é necessário que ele seja ouvido pelo juiz para saber se ele consente ou não com a adoção. Em relação às crianças menores de 12 anos de idade, de acordo com os artigos 28 e 168 do ECA, aquelas que tiverem condições de expressar sua opinião deverão ser ouvidas pelo juiz antes que este tome sua decisão (BRASIL, 2002; PINHEIRO, 2004).

No ECA, os requisitos descritos para o adotante são os seguintes: a) ter mais de 18 anos de idade;39 b) ser pelo menos 16 anos mais velho que o adotado; c) adotar conjuntamente quando forem casados, viverem em união estável ou concubinato ou forem separados judicialmente, desde que o período de convivência com a criança tenha se iniciado antes da separação e desde que acordem sobre as visitas e a guarda. Além disso, a adoção pelo adotante deve significar vantagens legítimas para o adotado, proporcionando ambiente familiar em que este possa se desenvolver psíquica e fisicamente de maneira saudável; os motivos da adoção devem ser legítimos, ou seja, a motivação do adotante deve ser de vivenciar a paternidade/maternidade. Esse requisito é avaliado e as informações chegam até o juiz, essencialmente, por meio dos pareceres psicológicos e sociais (BRASIL, 2002; PERES, 2006; PINHEIRO, 2004; PINTO, 2001; UZIEL, 2006).

Esses seriam os requisitos legais que o candidato a adotante deveria preencher para conseguir se inscrever no banco de cadastro de adoção, no qual, no caso de serem aprovados, esperariam uma criança para adotar. Mas antes dessa aprovação o(s) candidato(s) deve(m) passar por uma avaliação social e outra psicológica com os próprios profissionais do Fórum, assistentes sociais e psicólogos, respectivamente.

Neste trabalho analisaremos o papel do psicólogo judiciário nos casos de adoção.

4.2 Breve Histórico sobre a Psicologia Judiciária no Estado de São Paulo e o