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Marcuschi, bem como muitos outros autores, em vários de seus textos, afirma que nós falamos, nos comunicamos, interagimos através de textos. Seria, então, razoável dizer que não falamos ou escrevemos qualquer texto, para qualquer audiência, em qualquer situação comunicativa. Quando falamos ou escrevemos, sabemos que o nosso texto “tem” que se adequar ao nosso interlocutor, à situação sócio-interativa e à prática social em que nos encontramos e é

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Uma análise mais aprofundada sobre charges de loiras e outras que retratam tipos sociais marginalizados e excluídos na sociedade poderá ser vista no capítulo 4, quando trataremos das práticas sociais que podem serT analisadas através das charges e do preponderante papel que elas podem desempenhar como instrumento de ampliação do grau de letramento escolar, se utilizada como suporte pedagógico.

justamente aí que entram os gêneros. Os textos que produzimos encontram-se, de alguma forma, relacionados com outros, partilhando conteúdos, semelhanças composicionais e, até mesmo, coerções sociais afins. Isso acontece porque, dependendo da prática social em que estamos envolvidos, utilizaremos uma receita ou um artigo científico para interagir com o outro; ou seja, a posição discursivo-enunciativa em que nos encontramos vai determinar e vai ser determinada pelo gênero.

Segundo Mangueneau (1997), esses “lugares de enunciação” ou sujeitos podem ser de três tipos: sujeito lingüístico, sujeito genérico e, por fim, o sujeito da formação discursiva. Por ora, nos interessa o sujeito genérico, que, segundo esse autor, se faz necessário porque

“no discurso, “o indivíduo não é interpelado como sujeito, sob a forma universal do sujeito da enunciação, mas em um certo número de lugares enunciativos que fazem com que uma seqüência discursiva seja uma alocação, um sermão...” (Marandin apud Maingueneau, 1997, p.34).

Embora esta citação permita vislumbrar um certo assujeitamento do sujeito em relação ao contexto em que se encontra, essa posição é aceitável quando lembramos a concepção de sujeito adotada neste trabalho, que é um sujeito que determina e é determinado (grifo meu) pelo social, como mostrado no item há pouco comentado. Maingueneau, criticando a tentativa da retórica antiga de fazer exaustivas classificações dos gêneros, faz uma observação interessante referente ao interesse de, em vez de criarmos tipologias, pensarmos nas coerções genéricas que cada gênero possui. Assim, nos restringimos, por ora, à sugestão de Maingueneau de nos questionarmos sobre o seguinte fato:

Por que será que certos conteúdos só podem apresentar-se, ou melhor, para não sermos tão categóricos, apresentam-se geralmente sob determinada forma: isto é, por que alguns temas estão mais presentes em determinados gêneros que em outros?

Maingueneau (1997) chama nossa atenção:

“Na via aberta pela pragmática, a tendência consiste em passar de uma concepção de gênero como conjunto de características formais, de procedimentos, a uma concepção “institucional” (...). Isto não significa, evidentemente, que o aspecto formal seja secundário, mas apenas que é preciso articular o “como dizer” ao conjunto de fatores do ritual enunciativo. Não existe, de um lado, uma forma e, do outro, as condições de enunciação”.

A preocupação de Maingueneau também é a nossa, porque que não nos interessa estudar a charge a partir apenas de suas características lingüístico-textuais, por estarmos pensando o gênero na perspectiva da LT. Basta dar-se ao trabalho de observar a concepção de texto/discurso na qual se baseia não apenas esta dissertação, mas a LT em suas pesquisas mais recentes. O que nos interessa também é saber em que práticas sociais se insere a charge; em quais contextos ela é

desejada, e até necessária; porque os temas político-sociais (num sentido ideológico) são mais freqüentes nesse gênero e não em outros.

Sabemos, mesmo que intuitivamente, que recorremos a uma charge para veicular certos discursos, principalmente certos temas tabus, que são geralmente os mais explorados nas charges, dado que elas operam e são constituídas, na sua maioria, por estereótipos. Chamando a atenção para essa característica das charges, podemos inferir algo bastante pertinente ao que estamos discutindo aqui: dificilmente encontraremos uma charge sobre um banqueiro que é homossexual. Certamente, será mais provável ver uma charge dizendo que o banqueiro é ladrão e corrupto e que os gays são promíscuos. Os discursos veiculados nas charges acabam por caracterizar o próprio gênero. Maingueneau (1997) nos alerta:

“O importante é não se limitar à constatação de que existe este ou aquele gênero, mas estabelecer a hipótese segundo a qual recorrer, preferentemente, a estes gêneros e não a outros é tão constitutivo da forma duscursiva quanto o “conteúdo”15.

Os gêneros discursivos, para Maingueneau, mobilizam e implicam em duas condições, a saber:

*comunicacional: refere-se às próprias condições da enunciação em que o texto é produzido, ou seja, se é oral ou escrito, em que meio será veiculado, etc.

“A cada gênero associam-se momentos e lugares de enunciação específicos e um ritual apropriado. O gênero, como toda instituição, constrói o tempo-espaço de sua legitimação. Estas não são “circunstâncias” esteriores, mas os pressupostos que o tornam possível” (op.cit., p.36);

*estatutário: Determinados gêneros, senão todos, só podem ser anunciados por quem pode fazê-lo e dirigido para um co-enunciador específico também.

“O gênero funciona como o terceiro elemento que garante a cada um a legitimidade do lugar que ocupa no processo enunciativo, o reconhecimento do conjunto das condições de exercício implicitamente relacionados a um gênero” (op. cit., p.36).

Reformulando as considerações de Maingueneau sobre os gêneros discursivos de outra forma, encontramos bastante próxima a noção de gênero que subsidiará as reflexões que tencionamos fazer a respeito das charges.