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Capítulo II – Intercompreensão: uma possibilidade de abordagem do

2.1 Conceito de intercompreensão

No capítulo anterior é referida a existência de várias abordagens plurais utilizadas no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, sendo a intercompreensão uma delas e aquela que adotámos no nosso trabalho. Deste modo, importa compreender em que consiste o conceito de intercompreensão, tentando clarificá-lo, e conhecer algumas das perspetivas existentes acerca do mesmo.

Na tentativa de clarificar este conceito, Santos (2007) identifica três entendimentos principais do mesmo, embora estes não sejam estanques nem exclusivos, designadamente: estratégia de comunicação, competência, método de ensino ou de aprendizagem.

A intercompreensão pode ser considerada como estratégia de comunicação, sendo defendido um ideal de interação, de compreensão mútua entre sujeitos (Santos, 2007, p. 513). Neste sentido, segundo Doyé (2005, p. 7), a intercompreensão is a form of

communication in which each person uses his or her language and understands that of the other. Desta forma, tanto a comunicação oral como escrita são tidas em consideração, uma

vez que um dos dois modos geralmente prevalece, ou seja, em algumas situações comunicativas é feita a compreensão de enunciados orais e, em outras ocasiões, é

27 necessária a compreensão de textos escritos (Doyé, 2005).

A intercompreensão destaca-se, ainda, por se tratar de uma estratégia de comunicação que se pretende que seja uma característica de identidade da Europa, podendo ler-se na brochura da DGLF

l’intercompréhension est une méthode de communication qui illustre une approche nouvelle de la politique d’apprentissage des langues: elle permet d’éviter le recours à une langue tierce entre deux personnes parlant des langues proches (DGLF, 2006, p. 3, citado por Santos, 2007, p. 509).

Neste seguimento, a intercompreensão como estratégia de comunicação socorre-se das relações de parentesco entre as línguas, uma ideia que orientou a maior parte dos projetos que foram realizados a partir deste conceito (Santos, 2007, pp. 511-512). Assim, este conceito tem sido relacionado com a noção de famílias de línguas, sendo que, segundo Beacco & Byram (2003, p. 37, citados por Santos (2007, p. 512),

le fait que l’on puisse classer les langues en «famille» en fonction de leur origine signifie que les langues «descendant» de la même famille peuvent être «intercompréhensibles», c’est-à-dire que si les locuteurs des langues en question parlent leur propre langue, ils peuvent être compris par les autres.

Para além disto, ainda existe quem defina a intercompreensão como sendo uma competência e, neste sentido, Doyé (2005, p. 7) aponta que

From the performance aspect it can be described as an activity of people with different first languages who communicate in such way as to use their own language and understands that of the others. From the competence aspect it can be conceived as the capacity to understand other languages without having studied them.

Por sua vez, Santos & Andrade (2008, p. 293) referem-se à intercomprensão como a

capacidade que qualquer sujeito tem para aceder ao sentido de uma língua estrangeira nunca estudada, e nunca contactada aos níveis oral e/ou escrito, através da promoção de estratégias de descodificação baseadas no conhecimento que tem da sua própria língua (a língua materna) ou das línguas estrangeiras que já estudou e com as quais contactou (Veiga, 2003:41).

Uma outra perspetiva sobre a intercompreensão apontada por Santos (2007) considera-a um método de ensino ou de aprendizagem, qui repose sur la similitude des

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langues, sur leur apparentement (North, 2006:6) (Santos & Andrade, 2008, p. 293),

focando-se no desenvolvimento de competências de receção de línguas próximas (em detrimento das competências de produção) (Santos, 2007, pp. 514-515), seguindo, como dissemos já, as potencialidades da proximidade genética das línguas e das relações de transparência e opacidade decorrentes dos seus graus de parentesco. Neste sentido,

educationists have begun to explore the ways of promoting intercomprehension through the development of translinguistic methods (Meiner and Reinfried, 1998) (Doyé, 2005, p.

12).

Segundo Santos (2007, pp. 515-516), os métodos centrados na intercompreensão possuem como vantagens a promoção de uma maior eficácia na comunicação, a rapidez

da aprendizagem, a aprendizagem de línguas que apostem no desenvolvimento de competências parciais, a valorização das competências receptivas, como também a valorização dos conhecimentos prévios.

A intercompreensão é, assim, encarada como educationally reasonable, no sentido em que se pressupõe que a aquisição de competências em intercompreensão pode ser suportada através do ensino (Doyé, 2005, p. 10). Neste sentido, Doyé (2005, p. 10), recorrendo a Gagné (1975), diz-nos que professores considerados como managers of

learning poderão organizar as condições de aprendizagem dos seus alunos de modo a

tornar possível ou a facilitar o processo de aquisição de competências de intercompreensão.

Segundo o mesmo autor, Doyé (2005, pp. 10-11), podem ser considerados vários princípios didáticos para promover o ensino e a aprendizagem da intercompreensão, princípios esses que poderão também facilitar ou rentabilizar o ensino e a aprendizagem de outros conhecimentos, capacidades ou atitudes e valores. São eles:

 a motivação, considerando-se que uma forma de motivar os alunos é torná- los conscientes das suas competências e do que já aprenderam. Assim,

Intercomprehension teachers can take up their work by making their learners aware of their funds of useable knowledge and encourage them to activate this knowledge for the understanding of new texts and utterances.

 a adequação, uma vez que as atividades propostas pelo professor devem ir ao encontro do estádio de aprendizagem dos alunos e os professores devem, por isso, employ methological devices that are appropriate to this stage (Ausubel, 1968,

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26).

a autonomia dos alunos, sendo que the acquisition of intercomprehensive

competence lends itself to being organized as a self-directed process where the learners take the first steps and the teacher (…) offers support (Holec & Huttunen, 1997: 27) e, por isso, o papel do professor no processo de ensino/aprendizagem

nunca poderá deixar de ser o de mediador e de apoio à aprendizagem.

 a promoção da educação intercultural, dado que a aquisição e promoção da intercompreensão podem ser consideradas uma forma de promover a educação intercultural.

Ao considerar-se que na intercompreensão os participantes possuem um estatuto de igualdade uns relativamente aos outros, a intercompreensão poderá proporcionar a aprendizagem e o desenvolvimento de atitudes e habilidades necessárias na comunicação intercultural, como o respeito e a cooperação, promovendo uma postura nos participantes que consiste em ver e tratar os outros interlocutores como parceiros.

A metodologia de ensino da intercompreensão e todos os princípios didáticos enunciados acima convergem numa direção: a intervenção dos professores deve ser baseada na observação das necessidades dos alunos e, neste sentido,

teachers intending to help their pupils develop competence in Intercomprehension have to base their assistance on a clear observation of the needs of these pupils [and] such an observation usually discloses the fact that most learners possess considerable funds of useable knowledge which can be exploited (Doyé, 2005, p. 13).

Desta forma, a tarefa dos professores é tornar os alunos conscientes do conhecimento prévio ou dos alicerces de conhecimento que estes possuem e capacitá-los para o uso desse conhecimento, através do desenvolvimento de estratégias adequadas no contacto com novos dados verbais.

2.2 Intercompreensão, competência plurilingue e capacidades de ordem