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CAPÍTULO 1 Fundamentação Teórica

1.1 Os Estudos da Tradução

1.2.4 Conceito de lexical priming

Após a apresentação dos conceitos de corpus, padrão e colocação, faz-se necessário explorar o conceito de priming. Por uma questão de lógica, começar-se-á com o conceito de priming na psicolinguística. O priming é um efeito experimental que se refere à influência que um evento antecedente (prime) tem sobre o desempenho de um evento posterior (alvo), ou seja, uma palavra pode ser acessada mais rapidamente se precedida por outra com a qual ela mantenha conexões semânticas (médico/hospital), fonológicas (hora/ora) ou morfológicas (dança/dançarino). Conforme esclarecem França et al. (2005, p. 283):

Exploramos a hipótese de que há relações semânticas primordiais entre palavras (do tipo qualia), de que outras são mais tênues e de que estas relações podem ser definidas com mais precisão através de uma sintaxe interna à semântica. Para verificar esta hipótese, formatamos o presente estudo de priming semântico encoberto que compara quatro séries de pares de palavras com níveis de relacionamento progressivamente mais tênues: Série 1, pares do tipo escola-aluno; Série 2, praia-calção; Série 3, cadeira-revólver; Série 4, batata-parobo, esta última envolvendo uma não palavra que justifica a tarefa requisitada ao voluntário de distinguir entre alvos-palavra e alvos-não palavra.

Os resultados encontrados nesse teste experimental realizado pelas autoras antes citadas mostram uma progressão estatisticamente significativa entre os tempos de reação e entre as séries estudadas. Os alvos da série 1, por exemplo, foram processados mais rapidamente do que as séries subsequentes.

Há relações que fazem com que uma palavra esteja relacionada a outra e, também, relações que são mais tênues. As palavras empresa/empresário possuem uma relação primordial, enquanto que a relação panela/mesa é mais tênue. O priming é a experiência, o estímulo antecedente para processar uma palavra. Ao oferecer o estímulo (experiência prévia), o alvo (palavra) é ativado. Esse conceito de priming expandiu-se dentro da LC ao mesmo tempo que a noção de colocação.

Com base no conceito de priming, surgiu a teoria do Lexical Priming, desenvolvida por Hoey (2005, p. 13-14)clxi, que extraiu dados e evid†ncias de corpus da l…ngua para explicar a exist†ncia das colocaƒ„es. Hoey (2005, p. 10)clxii explica que “o priming colocacional ‡ sens…vel aos contextos (textual, gen‡rico e social) em que o item lexical ‡ encontrado e ‡ parte do conhecimento que se tem de um item lexical que ‡ usado em certas combinaƒ„es em certos tipos de texto”. Os diferentes tipos de informaƒ‰o com os que um item lexical ‡ carregado s‰o os seus primings. Eles est‰o associados aos contextos de tal forma que um priming que opera em um dom…nio textual como medicina n‰o irŠ operar em outro dom…nio tal como, por exemplo, o direito. Segundo Hoey (2005, p. 8)clxiii, essa constataƒ‰o pode ser verificada em um corpus de especialidade:

Assim como uma palavra ‡ adquirida atrav‡s de contatos com ela na fala e na escrita, ela se torna acumuladamente carregada com contextos e cotextos em que ‡ encontrada, e seu conhecimento inclui o fato de ela ocorrer com certas palavras em certos tipos de contexto.

Hoey (2005, p. 5)clxiv redefiniu o conceito de colocaƒ‰o como uma “associaƒ‰o psicol‹gica entre as palavras (n‰o somente lemas) at‡ quatro palavras separadas e ‡ evidenciada por sua ocorr†ncia conjunta nos corpora mais do que pode ser explicada em termos de distribuiƒ‰o aleat‹ria”. Seus estudos serviram para corroborar a teoria da LC, que defende a vis‰o da linguagem padronizada e considera relevante o estudo de palavras em contextos distintos e seu aparecimento relacionado mais a algumas palavras que a outras. As consideraƒ„es de Hoey (2005, p. 183) contribuem para a formaƒ‰o de tradutores na medida em que exp„em que existem ativaƒ„es que s‰o comuns Œ grande parte dos falantes de uma l…ngua e que, portanto, a traduƒ‰o deve considerar o modo como essas ativaƒ„es ocorrem.

Como afirmou Stubbs (1996, p. 56)clxv, “os falantes s‰o livres, mas apenas dentro de determinados limites”, por isso os tradutores em formaƒ‰o devem ser conscientizados de que a l…ngua ‡ composta de padr„es l‡xico-gramaticais, de colocaƒ„es que a distinguem de outras l…nguas e que mostram o n…vel lingu…stico em que os aprendizes se encontram.

Da mesma forma que hŠ uma rotina no dia a dia de qualquer trabalho, tamb‡m se criam rotinas de fala. Em alguns momentos, os

seres humanos são criativos ao inserirem palavras em novas construções linguísticas, mas, em geral, criam-se hábitos de fala que são reproduzidos por outros falantes. Dá-se o estímulo e o prime é ativado, preparando o ouvinte para o que se dirá.

Os estudos de Hoey (2005, p. 14)clxvi foram levados a cabo com dados de um corpus monolíngue (língua inglesa), do jornal inglês The Guardian. Ele começou com uma análise de coocorrências, mas em estado de alerta para o efeito priming em um corpus, informando ser preciso ter cautela, pois um corpus indica apenas probabilidade de ocorrências compartilhadas por falantes de uma mesma língua:

Se minha analogia entre a concordância mental e a computacional estiver correta, o corpus computacional não pode nos informar quais primings são apresentados por um usuário qualquer da língua, mas pode indicar os tipos de dados que este usuário encontrará no curso de ativação do priming (HOEY, 2005, p. 14)clxvii. Hoey (2005, p. 183)clxviii esclarece que os primings são ativados quando se adquire a língua materna (LM). Na aquisição de uma segunda língua, é desenvolvido um segundo conjunto de primings, por isso o tradutor em formação que tem o português como língua nativa e o espanhol como LE tem que desenvolver dois primings para línguas que são muito próximas e sempre correm o risco de não diferenciar as duas línguas em sua totalidade, pois a LM (primeiro priming) influencia na apreensão da LE (segundo priming). Durão (2004, p. 225-234) explica que o aprendiz, seja do espanhol ou do português, inevitavelmente, quando tem uma das duas línguas como materna, sofre a interferência desta, produzindo transferências negativas14. Nesse mesmo sentido e com base nos esclarecimentos dados por Hoey (2005, p. 183) e Hoey (2005, p. 116)clxix, pode acontecer de o tradutor em formação não desenvolver os conjuntos lexicais de modo separado e não fazer distinções claras entre os primings de cada língua, pois, especialmente no caso do português e do espanhol, quando é feita uma tradução

14

A transferência negativa ou interferência ocorre quando o emprego da língua materna não é produtivo no desempenho da língua estrangeira (DURÃO, 2004, p. 27)

durante o aprendizado de uma LE, ‡ ativado o priming da l…ngua materna e n‰o o da LE, tendo como consequ†ncia associaƒ„es e coligaƒ„es das novas palavras no conjunto lexical da LM, al‡m da possibilidade de apagamentos das distinƒ„es nos conjuntos de ambas as l…nguas.

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