• Nenhum resultado encontrado

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL DO

3. Conceito de supervisão clínica em Enfermagem

Alarcão & Tavares (2003:16) debruçaram-se sobre o conceito de supervisão no campo da formação de professores. Contudo, referem que “Embora o nosso enfoque seja colocado na formação de professores, por ser fundamentalmente este o campo em que temos praticado supervisão, reconhecemos a pertinência da sua transferência para outros campos profissionais e testemunhamos a aceitação que as nossas propostas têm merecido em sectores diversificados”

Um desses sectores/campos é o da Enfermagem. Segundo estes mesmos autores (2003:4) “A conceptualização sobre supervisão e a sua prática sustentada (…)” no âmbito da formação de professores “(…) estenderam-se a outras áreas profissionais, com destaque para a formação em enfermagem”.

34 Neste sentido, para compreender o conceito de supervisão clínica em Enfermagem, torna-se imprescindível recorrer ao conceito de supervisão pedagógica.

Supervisão pedagógica é um termo recente em Portugal na medida em que a sua utilização remonta aos anos 80 (Alarcão & Tavares, 2003), como alternativa à designação de orientação da prática pedagógica no contexto da formação de professores (Alarcão & Tavares, 2003 e Sá-Chaves, 2000). Contudo, em países como a Áustria e Estados Unidos este conceito implantou-se logo nos anos 40, através da designação de “supported learning”(Spence, 2000, in Abreu, 2003).

Alarcão & Tavares (2003) explicam que o atraso verificado em Portugal na utilização deste termo, foi resultado das inúmeras resistências que se colocaram à sua utilização na esfera educativa, devido a uma falta de compreensão relativamente à conceptualização que o sustentava.

Supervisão era assim “(…) uma designação que, na língua portuguesa, evocava (e de certo modo ainda evoca) conotações de poder e de relacionamento sócio - profissional contrárias aos valores de respeito pela pessoa humana e pelas suas capacidades auto- formativas(…)“(Alarcão & Tavares, 2003:3)

E é nos anos 90 que com “ A criação de cursos de mestrado, a realização de doutoramentos, a publicação de livros e artigos científicos, a constituição de linhas de investigação, a realização de encontros científicos (…) “e com as preocupações em torno da qualidade das instituições, que a supervisão se difunde e se desenvolve.

Também a inclusão nesta altura da área de Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores na legislação sobre formação especializada, como uma das “(…) necessidades de qualificação dos professores para o desempenho de determinadas funções educativas (…)”, constituiu-se como mais um factor responsável pelo desenvolvimento da supervisão em Portugal (Alarcão & Tavares, 2003:4).

Na área da formação clínica dos enfermeiros, Abreu (2002:53) refere que “(…) os debates em torno das experiências de `preceptorship´, `mentorship´, qualidade de cuidados, aprendizagem pela experiência e educação informal fizeram emergir a problemática da supervisão das práticas clínicas. As próprias normas constantes de diversos programas de auditoria e acreditação fazem referências explícitas à supervisão clínica na área de enfermagem.”, sendo que “ Uma análise da produção

35 científica dos enfermeiros na União Europeia permite concluir que a supervisão clínica entrou decisivamente no vocabulário utilizado nos contextos de saúde “

Com o passar dos anos, Portugal foi-se apropriando deste termo, reconhecendo-lhe o dicionário não só funções como “(…) fiscalização e superintendência (…)”, mas também “(…) a ideia de acompanhamento do processo formativo.” (Alarcão & Tavares, 2003:4).

Também Sá - Chaves (2000:124), analisando a dispersão semântica subjacente ao conceito de supervisão, refere que existem “(…) perspectivas de supervisão que vão desde as intenções mais rígidas de inspecção e de direcção até às mais flexíveis e facilitadoras de orientação e aconselhamento(…)”

Esta evolução conceptual da supervisão, segundo Alarcão & Tavares (2003:5), ocorreu a par da “(…) evolução das abordagens de educação e de formação de professores” A supervisão foi influenciada pela “(…) consciência da necessidade de formação contínua e pela conceptualização entretanto desenvolvida no que respeita aos processos de desenvolvimento profissional .Ganhou uma dimensão auto-reflexiva e auto-formativa à medida que os professores começavam a adquirir confiança na relevância do seu conhecimento profissional e na sua capacidade de fazerem ouvir a sua voz como investigadores da sua própria prática.” (Alarcão & Tavares, 2003:5). Deste modo, é assentando em modelos de formação que concebem o formando como um elemento activo, responsável pela sua própria formação, que se explica que a supervisão não possa continuar a ser concebida como “ (…) um processo hierárquico e impessoal de inspecção, domínio controlo (…)”(Soares, 2002:203), mas sim como um processo de orientação, de aconselhamento, de ajuda do aluno no desenvolvimento de práticas reflexivas e auto-formativas, aspectos estes que desenvolveremos ao longo desta investigação (Alarcão, 1996; Alarcão & Tavares, 2003; Sá-Chaves, 2000, entre outros).

É dentro desta linha de pensamento que Alarcão & Tavares (2003:16) definem supervisão da prática pedagógica como um “(…) processo em que um professor, em princípio mais experiente e mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional”

36 Da análise desta definição depreende-se que a supervisão definida como um processo significa que “(…) tem lugar num tempo continuado (…)” , “ Tem um objectivo: o desenvolvimento profissional do professor. E situa-se no âmbito da orientação de uma prática profissional, daí chamar-se-lhe também Orientação da prática pedagógica.” (Alarcão & Tavares, 2003:16).

A respeito da figura do supervisor, Abreu (2002:56) refere que este “(…) não deve estar comprometido com a hierarquia organizacional e deve obrigatoriamente desenvolver, também ele, a prática clínica. É (…) uma das prerrogativas para poder ajudar a promover uma utilização terapêutica do self”, pelo que o profissional informado e experiente a que Alarcão & Tavares (2003) se referem é, no campo desta investigação, um enfermeiro que exerce funções no local de realização do Ensino Clínico e não tem qualquer relação de dependência funcional e/ou hierárquica com a instituição escolar, e não o docente da Escola de Enfermagem, que para além de estar ligado à instituição escolar se encontra na opinião de vários autores, como Espiney (in Canário, 2003, entre muitos outros) distanciado dos contextos de trabalho, como mais adiante mostraremos.

Abreu (2002), centrando-se no conceito de supervisão clínica em Enfermagem, referencia também vários autores, alguns dos quais passamos a citar, por pensarmos que nos ajudam a explicitar os principais aspectos inerentes ao conceito de supervisão apresentado por Alarcão & Tavares (2003).

Barber e Norman (1987:50, in Abreu, 2002:54) definem supervisão clínica como “(…) um processo interpessoal onde um praticante competente ajuda um menos competente ou com menos experiência prática a adquirir habilidades profissionais apropriadas ao seu papel e ao mesmo tempo oferece consolo e suporte.”, sendo que nesta definição é realçado o papel de ajuda e de suporte que o supervisor segundo Alarcão & Tavares (2003) deve desempenhar com vista a atingir o seu grande objectivo, o desenvolvimento humano e profissional do aluno ao longo de toda a sua actividade profissional.

Desenvolvimento este que, num mundo como o da Saúde em constante mudança, só é possível através de uma prática reflexiva, aspecto este que o Nurses Health Service (NHS) Executive (1993, in Sloan, 1999, citado por Abreu, 2002) sublinha.

37 Segundo o NHS Executive (1993) (in Sloan, 1999:525, citado por Abreu, 2002:54) supervisão clínica consiste num “(…) processo formal de sustentação da prática, uma aprendizagem que permite aos profissionais desenvolver os conhecimentos, as competências e a consciência da responsabilidade da prática clínica, realçar a protecção do consumidor de cuidados e incrementar a segurança nas práticas em situações clínicas complexas. É central ao processo de aprendizagem e à expansão da prática e deve ser vista como meio de incentivar a auto-avaliação e as competências analíticas e reflexivas.”.

Na sequência destas ideias, Abreu (2002:53) afirma que a supervisão clínica “ (…) refere-se a uma relação profissional centrada na exigência, na formação, no trabalho e no desenvolvimento emocional, que envolve uma reflexão sobre o desenvolvimento das práticas orientadas por um profissional qualificado."

Abreu (2002) reconhece que, neste processo, não é só a qualidade das práticas que está em causa, mas também a gestão de sentimentos e dos processos de socialização.

Sá - Chaves (1994:150, in Sá-Chaves, 2000:75) compartilha desta opinião, na medida em que descreve a supervisão como “(…) uma prática acompanhada, interactiva, colaborativa e reflexiva que tem como objectivo contribuir para desenvolver no candidato a professor, o quadro de valores, de atitudes, de conhecimento, bem como as capacidades e as competências que lhe permitam enfrentar com progressivo sucesso as condições únicas de cada acto educativo”

Assim, a socialização na profissão e essencialmente o desenvolvimento de competências durante o Ensino Clínico implica que o aluno adopte um papel activo, de permanente reflexão prática, mas também que o supervisor, encarado como alguém mais experiente e informado que exerce funções no local de Ensino Clínico, em parceria com o supervisor da instituição escolar/docente, não pressione o formando a reproduzir acriticamente as suas práticas, não o oriente com base numa atitude de inspecção e possível punição e/ou retaliação, mas que o acompanhe, ajude, apoie, facilite em todo um processo reflexivo, com vista a um desenvolvimento humano e profissional contínuo, manifestado por cuidados de saúde sempre de Qualidade.

São estes aspectos que integram o conceito de supervisão subjacente a esta investigação que desenvolveremos nos capítulos seguintes.

38

Documentos relacionados