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Conceito e evolução da teoria da proporcionalidade

III) CAPÍTULO III A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

2. Conceito e evolução da teoria da proporcionalidade

A ideia de proporcionalidade como critério jurídico de justa medida e de justa proporção surgiu nos remotos tempos da antiguidade clássica. Os gregos concebiam o direito como regra útil para todos os indivíduos. A utilidade também visada pelos romanos justificava a intervenção do Estado no patrimônio privado. Esta utilidade, contudo, não se dissociava da ideia de que as emanações do Poder Público sobre particulares não poderiam existir sem que houvesse o equilíbrio, a proporção de valores tutelados e a divisão de encargos e recompensas do indivíduo na sociedade. Nesta época transcorriam as concepções da utilita pública e de ius suum cuique tribuire de Ulpiano, a justiça distributiva da ética aristotélica, a justitia vindicativa talionica, o pensamento jurídico filosófico de Dante, Hugo Grócio e outros.306

Em 1802, Von Berg empregou o termo proporcional (verhaltnismassig) no direito administrativo, segundo o qual a limitação de liberdade justificava-se em prol da atividade policial e administrativa do Estado. Em 1913, a obra sobre aplicação da norma jurídica e proporcionalidade, escrita por Jellinek, destacou-se ao afirmar que o Poder Público não está infenso à vedação da arbitrariedade na aplicação da lei em face dos limites impostos pela Constituição. O Tribunal Constitucional Alemão passou a

306AVOLIO, Luiz Franciso Torquato. Provas Ilícitas. Interceptações telefônicas, ambientais e

entender o princípio da proporcionalidade como estrutura constitucional. A lei deve ser exigível e adequada aos fins pretendidos, de tal forma que o princípio da proporcionalidade impunha, em verdade, limites constitucionais e respeito aos direitos individuais em face do Estado Democrático de Direito.307

Após a Segunda Guerra Mundial, a jurisprudência alemã, no contexto de balanceamento entre direitos individuais e restrições estatais, passou a admitir como exceções as provas obtidas inconstitucionalmente quando a exigência do caráter público sobrepusesse interesse particular ou, ainda, quando o meio empregado possibilitasse a finalidade pretendida. Colocada como se fosse uma espécie de estado de necessidade processual, a prova ilícita seria admitida quando não houvesse outra prova lícita que pudesse corroborar o direito defendido em juízo.308

Na Lei Fundamental de Bonn, de 1949, o princípio da proporcionalidade é reconhecido pela doutrina e jurisprudência como princípio implícito em face do Estado Democrático de Direito.309

O direito alemão influenciou outros Países da Europa a adotar o princípio constitucional implícito da proporcionalidade, como Itália, Portugal, Espanha, Áustria e Suíça.310

O princípio da proporcionalidade desenvolvido na Alemanha compunha-se de três subprincípios que norteavam a interpretação da lei e da própria Constituição, como a adequação, a necessidade ou exigibilidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Na adequação, o fim colimado pela administração pública devia decorrer do exato preceito normativo; a necessidade ou exigibilidade impunha adoção de medida que causasse menos impacto nos direitos e interesses da coletividade em geral e o subprincípio da proporcionalidade consistia no balanceamento de interesses tutelados, de modo a emergir a proteção do bem jurídico que reputar-se de maior relevância.311

307 Idem, ibidem, p.68‐69. 308 Idem. ibidem, p.77.

309 SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª Edição. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, p.80.

310 Idem, ibidem, p.81. 311 Idem, ibidem, p.87‐89.

Nos Estados Unidos, destacou-se a ideia da razoabilidade que, assim como no princípio da proporcionalidade, visava a ponderação entre direitos individuais e coletivos e consecução de interesses Estatais. A Suprema Corte Americana com base na razoabilidade assegurou garantias individuais contra atos policiais de busca e apreensão, assim como vedou a admissibilidade de provas em juízo obtidas de modo ilícito.312

Influenciada pelo direito inglês, a Constituição Americana acolheu o princípio da razoabilidade em face da cláusula do due process of law prevista na 5ª e na 14ª emendas.313

No Brasil, o princípio da proporcionalidade também foi acolhido primeiramente pela doutrina do direito administrativo. Concebeu-se, ali, a integridade dos direitos individuais enquanto não se justificasse a sua mitigação em prol dos interesses coletivos e da consecução de fins estatais. Neste contexto, o princípio da proporcionalidade era visto como um princípio constitucional implícito, prescindindo-se de positivação expressa em razão da necessidade da coexistência harmônica e equilibrada de todos os direitos e garantias fundamentais314assegurados na Constituição.315

Em 1948, San Tiago Dantas foi o primeiro a debater o tema em que defendeu a inconstitucionalidade de lei desarrazoada ou caprichosa. Em 1977, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Representação nº 930, manifestou-se no sentido de que a lei ordinária ao regular o exercício de determinada profissão não pode impor restrições

312 AVOLIO, Luiz Franciso Torquato. Provas Ilícitas. Interceptações telefônicas, ambientais e

gravações clandestinas. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.72‐3

313 SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª Edição.Rio de

Janeiro:Lumen Juris,p.82.

314 Celso Ribeiro Bastos faz a distinção entre direitos e garantias individuais. ”(...) Por garantias

individuais, segundo a mesma doutrina, deve‐se entender aqueles recursos judiciais, caracterizados por uma mais acentuada celeridade e informalidade processuais, destinados à proteção dos direitos individuais.Exemplificando, a proteção dada pela Constituição à igualdade de todos perante a lei seria um direito, enquanto que o mandado de segurança ou o habeas corpus seriam garantias, visto que são remédios processuais voltados ao asseguramento do próprio direito substancial. A distinção efetivamente procede. Enquanto os direitos individuais asseguram bens da vida(a liberdade, a igualdade, a propriedade), algo, portanto, valioso em si mesmo, fora da técnica jurídica, as chamadas garantias individuais cingem‐se ao asseguramento, à proteção jurídica daqueles bens, mas não podem ser valoradas senão a partir do sistema jurídico(...)” Curso de Direito Constitucional, 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 1988, p.232.

315 AVOLIO, Luiz Franciso Torquato. Provas Ilícitas. Interceptações telefônicas, ambientais e

quanto à capacitação que tolham o judiciário de fazer uma averiguação mais particularizada e constatar se tais restrições são legítimas ou não.316

O STF só veio a declarar do modo explícito o princípio da proporcionalidade na ADIN nº 855-2 quando acolheu, liminarmente, a inconstitucionalidade de lei do Estado do Paraná, que impunha obrigação de pesagem de botijões de gás perante os consumidores. Constou da ementa:

“Gás liquefeito de petróleo: lei estadual que determina a pesagem

de botijões entregues ou recebidos para substituição à vista do

consumidor, com pagamento imediato da eventual diferença a menor: arguição de inconstitucionalidade fundada nos arts. 22 IV e VI (energia e metrologia), 24 e parágrafos, 25, § 2º, e 238, além de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos: plausibilidade jurídica da argumentação que aconselha a suspensão cautelar da lei impugnada, a fim de evitar danos irreparáveis à economia do setor, no caso de vir a declarar-se a inconstitucionalidade. Liminar deferida.” 317

Na Constituição brasileira de 1988, o princípio da proporcionalidade não é expresso, ao contrário, por exemplo, da Constituição Portuguesa que prevê o aludido principio, como ensina Willis Santiago Guerra Filho ao citar o inciso II do artigo 5º:

A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.318

316 SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1ª Edição. Rio de

Janeiro:Lumen Juris, p.91‐92.

317 Idem, ibidem, p. 93.

318 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo:

A existência implícita do princípio da proporcionalidade na constituição brasileira evidencia-se dos artigos 1º, caput, inciso III e 5º, inciso LIV, que asseguram, respectivamente, o Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana e o devido processo legal. No que se refere ao direito probatório, a proporcionalidade constitucional atua no sentido da conciliação de interesses fundamentais em conflito de modo a assegurar a prova e limitá-la sob critérios legais enquanto não houver a necessidade maior que impeça a satisfação de outro bem jurídico ofendido.

Todavia, não basta apenas que o princípio da proporcionalidade assegure a coexistência harmônica e equilibrada de todos os direitos e garantias constitucionais de modo empírico e axiológico, mas sim também assegure a sua prática mediante procedimento do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

3. A aplicação do princípio da proporcionalidade no conflito entre o direito