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O artigo 162 do Código de Processo Civil aponta que os atos do juiz se constituem em “sentenças, decisões interlocutórias e despachos.”

Em que pese às críticas da doutrina, consistentes no fato de que o magistrado pratica uma infinidade de atos relevantes ao processo além daqueles elencados no referido artigo – a exemplo dos atos executórios (aqueles que determinam a penhora do patrimônio do executado), atos de documentação (assinatura de termos e das próprias decisões), os atos relativos à colheita de prova (como a ouvida de partes ou de testemunhas), atos de correição e etc. –, o legislador pátrio optou por se referir aos pronunciamentos judiciais, uma vez que o critério classificatório empregado pela lei diz respeito à existência ou inexistência de caráter decisório no ato do juiz (BUENO, 2010, p. 464).

Nos limites do que dispõe o art. 162, §3º do CPC, Cassio Scarpinella Bueno (2010, p. 466) define despachos como “os atos processuais praticados com vistas a mero impulsionamento do procedimento, seja por provocação das partes ou ‘de ofício’, isto é, sem qualquer iniciativa das partes.”

Por conseguinte, os despachos são compreendidos a partir da ausência de conteúdo decisório razão pela qual são irrecorríveis por expressa disposição legal (art. 504) e podem ser classificados em ordinatórios (CPC art. 162, §4º) ou de mero expediente (CPC, art. 504) (BUENO, 2010, p. 466).

Quanto ao cunho decisório, os atos do juiz constituem-se em sentenças (art. 162, §1º) e decisões interlocutórias (162, §2º). Neste ponto, segundo Bueno (2010, p. 464) o que “distingue uma decisão da outra não é, ao contrario do que a leitura isolada e literal do art. 162, §1º, poderia dar a entender, o seu conteúdo, mas, também, a sua função ao longo do procedimento.”

A decisão interlocutória será toda aquela que resolver, no curso do processo, questões incidentes de qualquer conteúdo. Via de regra, estas decisões apenas preparam a causa para o julgamento final pela sentença. Porém, admite-se a existência de decisão interlocutória que decida de maneira definitiva o mérito da causa, no caso daquela que tutela de imediato a parcela incontroversa da demanda, nos termos do art. 273, §6º do CPC, cuja redação foi acrescentada pela reforma advinda da Lei 10.232/2005 (MARINONI; MITITIERO, 2008, p. 195).

Didier Jr. (2008, p. 259), por sua vez, define decisão interlocutória como sendo o “pronunciamento pelo qual o juiz resolve questão (incidente ou principal, pouco importa) sem pôr fim ao procedimento em primeira instancia ou a qualquer de suas etapas” e, por sentença, entende tratar-se do “pronunciamento judicial pelo qual o juiz, analisando ou não o mérito da causa, põe fim a uma etapa (cognitiva ou executiva) do procedimento em primeira instancia.”

Aqui se insurge o dissidio doutrinário. O advento da Lei 11.232/2005 introduziu novo

conceito à sentença, causando inovação processual sem precedentes.

Apenas para contextualizar, o código de Buzaid, durante mais de trinta anos, conceituou sentença como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.” Neste ponto, o legislador se preocupava em dar interpretação sistemática ao Código de Processo, a exemplo da vinculação do conceito de sentença aos princípios da iniciativa da parte (artigos 2º e 262 do CPC) e da congruência, eis que o processo se iniciava com a provocação do judiciário pela parte e se encerrava com a reposta jurisdicional (SILVA; XAVIER, 2006, p. 42).

Naquele tempo, os atos judiciais se classificavam rigidamente em sentenças, decisões interlocutórias e despachos sendo que, a sentença se caracterizava pelo ato através do qual o juiz punha fim ao processo, decidindo ou não o mérito da causa ao passo que a decisão interlocutória era tida como o ato proferido pelo magistrado no curso do processo para resolver questão incidente e, o despacho, se prestava para dar impulso ao feito. As sentenças, tidas como o ato que encerrava o processo, poderiam ter classificação de definitivas (quando se apreciava o mérito) nos casos em que o magistrado acolhesse ou rejeitasse o pedido do autor e terminativas (formal, processual) quando punham fim ao feito sem julgar o mérito (SILVA; XAVIER, 2006, p. 42).

O conceito de sentença antes da vigência da Lei 11.232/2005, segundo posição de Luis Fux (2004, p. 320 apud POZZA, 2011 p. 82) implicava no seu “desiderato de fulminar o processo, sendo irrelevante a apreciação ou não do mérito, correspondendo à dicotomia entre sentenças definitivas, que decidem o litígio e terminativas, que encerram o processo sem que decidida a questão de fundo.”

Vigia, naquele contexto, a vinculação do conceito de sentença à extinção do processo, o que se revestia de impropriedade técnica, pois, em verdade, a prolatação da sentença não punha termo ao processo, já que a interposição de recurso contra a decisão ou mesmo havendo necessidade de se promover a execução da sentença para atingir a integridade da tutela buscada pela parte, prolongava a atividade jurisdicional (SILVA; XAVIER, 2006, p. 42-43).

Imperava no código de Buzaid o critério topológico do conceito de sentença, que se ocupava com o momento em que era proferida a decisão (se ao final ou no curso do processo), bem como com os efeitos (se encerrava ou não a prestação jurisdicional). Os dispositivos correlatos dispunham que: a sentença era o ato pelo qual o juiz põe fim ao processo (art. 162, §1º); que extingue-se o processo com julgamento do mérito (art. 269 caput); e que ao publicar a sentença de mérito o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional (art. 463) (SILVA FILHO, 2007, p. 290).

Com o advento inovador da Lei 11.232/2005, houve modificação nos artigos 162, §1º14, 269 caput e 46315 do Código de Processo Civil desvinculando o conceito de sentença

à extinção do processo e ao encerramento da prestação jurisdicional.

14 Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1o Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.

§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. (Redação dada pelo Lei nº 11.232, de 2005).

§ 2o Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

§ 3o São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.

§ 4o Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994).

15 Art. 463. Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la:

Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005).

I - para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo; II - por meio de embargos de declaração.

Segundo Araken de Assis (2006, p. 19 apud SILVA; XAVIER, 2006, p. 44, grifos do autor) a reforma se operou com um único objetivo:

A execução (ou cumprimento) da resolução final do juiz que julga o mérito e, dentre outras possibilidades, acolhe o pedido (art. 269, I), sujeita ou não o recurso sem efeito suspensivo – diferença essencial à definição do caráter provisório ou definitivo da execução -, realizar-se-á, doravante, no processo pendente.

A busca pelo processo sincrético como forma de prestigio aos princípios da razoável duração do processo, da efetividade e da celeridade, culminou na criação de uma “fase executiva” entendida como cumprimento de sentença (art. 475- L e seguintes do CPC), que ocorre logo após o encerramento da fase de conhecimento.

Em outras palavras, a sentença deixou de ser entendida como o ato que põe termo ao processo para ser o ato que encerra uma fase do processo, qual seja a fase de conhecimento. Havendo necessidade de compelir o condenado a cumprir a determinação da sentença, haverá a abertura de uma nova fase no mesmo processo, dita executiva, a qual inclusive dispensa nova citação do executado.

A reforma retirou da execução o status de processo autônomo e inseriu-a como prolongamento da atividade cognitiva, o que condicionou o legislador a promover a alteração do conceito de sentença, para desvinculá-lo da extinção do processo. Isto implicou diretamente numa serie de reflexões sobre a noção tradicional do mérito até então tratado no Código de Processo Civil de 1973, dentre as quais, se permitiu a conclusão de que, se o mérito vier a ser decidido, havendo ou não extinção do processo, “estar-se-á a frente de um ato processual revestido de sentença.” (SILVA; XAVIER, 2006, p. 45).

Na nova redação, o §1º do art. 162 do CPC definiu que o conceito de sentença passou a ser determinado como “o ato do juiz que implica alguma das hipóteses do art. 26716

e 26917 desta lei.”

16

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005). I - quando o juiz indeferir a petição inicial;

Il - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

E mais, alterou-se significativamente o texto dos artigos 269 e 267 para acompanhar a mudança do conceito do conceito de sentença. O artigo 267 do CPC que antes dispunha “extingue-se o processo, sem julgamento de mérito” agora se apresenta como “sem resolução de mérito.” O artigo 269 do CPC que antes determinava que “extingue-se o processo com resolução de mérito” agora retrata as hipóteses em que “haverá resolução de mérito.” É de se observar que, na nova redação do art. 269 do CPC o legislador não falou em extinção nem em julgamento.

Fez isso porque, pela redação do art. 269 o único “julgamento” que o juiz faz é o do inciso I, quando ele acolhe ou rejeita o pedido do autor. No inciso II, o réu aceita ou reconhece o pedido do autor (neste caso são as partes é quem põem fim no litígio, o juiz apenas homologa isto). No inciso III, as partes fazem acordo e o juiz não julga, apenas homologa. No inciso IV, que trata da prescrição e decadência a questão é muito mais matemática do que de mérito, pois só há necessidade de calculo, não de julgamento. No inciso

Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

VII - pelo compromisso arbitral;

Vll - pela convenção de arbitragem; (Redação dada pela Lei nº 9.307, de 23.9.1996). Vlll - quando o autor desistir da ação;

IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal; X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

XI - nos demais casos prescritos neste Código.

§ 1o O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e Ill, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas.

§ 2o No caso do parágrafo anterior, quanto ao no II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e, quanto ao no III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art. 28).

§ 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.

§ 4o Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação

17Art. 269. Extingue-se o processo com julgamento de mérito: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973).

I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;

II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido formulado pelo autor; lII - quando as partes transigirem;

IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

Art. 269. Haverá resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005).

I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973). II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973). III - quando as partes transigirem; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973).

IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973). V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973).

V, o autor renuncia o direito (deixa de existir lide, deixa de existir direito e o juiz só homologa essa condição).

Importa, no ponto, diferenciar os conceitos de sentença definitiva e terminativa para possibilitar melhor compreensão do instituto. Neste sentido, Marinoni e Mitidiero (2008, p. 258 e 270) conceituam:

Sentença terminativa é aquela que não aprecia o fundo do litígio, extinguindo o processo sem resolução do mérito. Sobre ela se forma a coisa julgada formal, sinalizada com o trânsito em julgado da decisão, que representa a impossibilidade de rediscussão das questões decididas dentro do processo em que foi proferida. A sentença terminativa tem autoridade endroprocessual [...] a sentença definitiva é aquela que aprecia o fundo do litigio, extinguindo o processo com resolução de mérito. A sentença definitiva transita formal e materialmente em julgado, sobre ela se formando a coisa julgada material (art. 467, CPC). A sentença definitiva tem autoridade endroprocessual e extraprocessual: impossibilita a rediscussão das questões decididas dentro do processo em que foi proferida como fora dele.

Já Dinamarco (2004, p. 180-181 e 195 apud POZZA, 2011, p. 79, grifo do autor) conceitua separadamente as sentenças terminativas e de mérito, expondo de maneira mais profunda que:

Quanto à primeira, é proferida quando se reconhece a inviabilidade de apreciar o mérito da causa, ocorrendo verdadeira crise do processo com sua extinção anômala, sem que o juiz tenha cumprido seu dever de decidir a demanda. A segunda consiste no momento culminante do processo de conhecimento, dito também processo de

sentença porque tem a finalidade específica de produzir a tutela jurisdicional

mediante o julgamento de pretensões. Julgar é optar por uma solução, entre duas ou várias apresentadas ou postuladas, e o mérito a ser julgado é a pretensão trazida ao juiz em busca de satisfação.

Desta forma, conforme a nova redação do §1º do art. 162, a sentença passa a ser não mais o ato que extingue o processo mas:

[...] aquele em que o juiz resolve ou não o mérito da causa, ou seja, profere decisum terminativo (art. 267) ou definitivo (art. 269), sem concluir o ofício jurisdicional, que poderá prosseguir, em havendo juízo de procedência – e, pois, de mérito -, na fase de cumprimento do julgado [...] deixou claro que sentença é o ato judicial caracterizado pela definitividade, o que a distingue, portanto, da decisão interlocutória (MITIDIERO, 2006, p. 6-7 apud POZZA, 2011, p. 85, grifos do autor).

A alteração do art. 269, segundo Didier Jr. (2008, p. 311), se prestou a suprimir a referência a “extinção do processo”, por duas justificativas: “a) atualmente, a sentença não é

mais o ato judicial que encerra o processo [...]; b) é possível [...] que a decisão judicial tenha por conteúdo uma das hipóteses do art. 269 e não encerre o procedimento.”

Com isto, o ordenamento jurídico consagrou a possibilidade de fracionamento da decisão sobre o mérito da causa. Ou melhor

[...] a alteração do art. 269, que antes servia para sustentar a impossibilidade de fragmentação do julgamento conclusivo do mérito, porque obrigava o juiz a extinguir o processo quando o decidisse, o que repudiava a hipótese de sentença parcial, já agora não evidencia com a mesma firmeza essa característica, o que certamente ensejará o entendimento de que as decisões de mérito possam ser resolvidas em decisões sucessivas. Essa fragmentação já vinha sendo sustentada na hipótese de tutela antecipada do pedido incontroverso (art. 273, §6º), tese agora fortalecia com a nova redação do art. 269. (GRECO, 2006, p. 36 apud DIDIER JR., 2008, p. 311).

O julgamento fracionado do mérito e, por consequência, o pronunciamento de sentenças parciais não é novidade trazida pela Lei 11.232/2005.

Ovídio Baptista da Silva (1991, p. 131 apud SILVA FILHO, 2007, p. 288) antes mesmo da reforma do Código de Processo Civil de 1994 já advogava a aplicabilidade do instituto da sentença parcial de mérito, baseado nos ideais do processualista italiano Giusepe Chiovenda.

Já há época (1991) entendia o processualista gaúcho que:

[...] ‘o satisfazer-se em vários momentos’ é uma eventualidade que somente se dá quando o Juiz se pronuncia definitivamente sobre a ‘prestação principal,’ ainda que o faça de modo parcial e o procedimento continue para decisão da outra porção não apreciada do julgamento parcial [...] É um erro gramatical e lógico dizer que uma sentença não é definitiva por ser uma sentença parcial. Se ela encerrar o litigio quanto ao ponto decidido, deverá ser classificada como definitiva, tanto porque define quanto porque põe termo àquele ponto apreciado pelo julgador [...] marca de todas as sentenças. (SILVA, 1991, p. 131 e 144-145 apud SILVA FILHO, 2007, p. 288-289, grifos do autor).

Das alterações operadas com relação ao conceito de sentença, Silva e Xavier (2006, p. 45, grifos dos autores) também advogam a possibilidade de existência de sentenças parciais:

[...] de acordo com a sistemática atual, para que um ato decisório seja considerado sentença não é necessário que ele encerre o processo. É reconhecida a existência de sentenças parciais, proferidas no curso do itinerário processual, ou seja, sentenças parciais. Desta forma, poder-se-ia considerar a possibilidade de ‘sentenças finais,’

proferidas após o encerramento da cognição e resolvendo integralmente as questões do processo, e ‘sentenças parciais’ que resolvem questões de mérito que surgem no curso do feito. Como exemplo de sentenças parciais - aquelas que julgam parte do mérito – podemos citar o disposto no art. 273, §6º do CPC, que possibilita o julgamento imediato em relação à parcela incontroversa da demanda [...]

Operou-se, assim, uma mudança de foco do legislador. O conceito de sentença assumiu critério substancial, pois deixou de considerar o momento do ato praticado para se preocupar com o conteúdo do ato. Ou seja, abandonou-se o referencial “tempo” pelo referencial “conteúdo.”

Em suma, a essência do conceito de sentença não fora alterada, pois permanece sendo o ato do juiz que resolve a lide (mérito), mesmo que de forma parcial (sentença definitiva) ou põe fim a ela (sentença definitiva) sem, no entanto, por termo ao processo nem ao ofício jurisdicional, tendo em vista a o sincretismo das fases de cognição e execução sem que haja necessidade de nova relação processual, ou seja, seguindo-se nos mesmos autos. O mesmo não se opera, contudo, com relação às execuções contra a Fazenda Púbica onde fica mantida a autonomia das fases de conhecimento e execução, por opção do legislador (POZZA, 2011, p. 87).

A par das posições doutrinárias em sentido contrário, apresenta-se como de maior relevância a posição de Pedro Luiz Pozza (2011, p. 88) que entende que “sempre que houver apreciação do mérito, o conteúdo do pronunciamento implicará sua qualificação como sentença, ainda que por razões de opção legislativa, seja qualificada como decisão interlocutória, sujeita a recurso de agravo de instrumento.”

Imperioso considerar, a teor das considerações até o momento realizadas, que a Emenda Constitucional n.º 45 incluiu a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, inc. LXXVIII da CF) às garantias individuais, razão pela qual não pode o julgador deixar de proferir decisão imediata com relação a um pedido que não dependa de dilação probatória ou já esteja suficientemente maduro para julgamento, por meio de resolução parcial do mérito, prosseguindo no andamento do processo com relação aos demais pedidos que ainda dependam de produção de prova. Isso significaria negar a vigência da norma constitucional (POZZA, 2011, p. 192).

Aliás, o principio constitucional é de aplicação imediata e vincula o magistrado ao compromisso de prestar a tutela jurisdicional do Estado da maneira mais rápida e efetiva possível, de modo a garantir sua eficácia. Até porque, é tarefa do Poder Judiciário, na ausência de norma específica sobre determinada matéria, utilizar-se de nas normas de hermenêutica, da analogia, dos costumes, além dos princípios gerais do direito, para sanar as lacunas que impeçam o alcance à tutela jurisdicional tempestiva (WAMBIER, 2005, p. 35 apud POZZA, 2011, 194-195).

Neste sentido, esclarece Pedro Luiz Pozza (2011, p. 196) que:

[...] se um dos princípios do processo, erigido à condição de garantia constitucional, é a sua duração razoável, logicamente que a sentença parcial pode ser utilizada para simplificar aquele, alcançando ao autor a solução imediata de pelo menos parte da pretensão veiculada em juízo. Ou então retirando a incerteza existente sobre determinada relação jurídica, em favor do demandado, pois esse também sofre com a demora no julgamento.

Mauro Capeletti (1993, p. 73-74 apud POZZA, 2011, p. 196-197) trata da atividade criadora do juiz como um fator inevitável nos dias atuais, e indaga se, quando chamado a “interpretar, esclarecer, integrar, plasmar e transformar, e muitas vezes a criar o direito” não estaria o magistrado invadindo a seara do legislativo. Por conseguinte, conclui o doutrinador que, “não passam, com isso, a ser legisladores, pois se assim fosse deixariam de ser juízes.”

2.2 A natureza jurídica da decisão que fraciona o mérito: sentença parcial ou tutela