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A sentença parcial de mérito como forma de garantia da efetividade e celeridade processuais

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GRANDE DO SUL

MONICA STAMM

A SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO COMO FORMA DE GARANTIA DA EFETIVIDADE E CELERIDADE PROCESSUAIS

Três Passos (RS) 2013

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MONICA STAMM

A SENTENÇA PARCIAL DE MÉRITO COMO FORMA DE GARANTIA DA EFETIVIDADE E CELERIDADE PROCESSUAIS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Estudos Jurídicos e Sociais

Orientadora: MSc. Lisiane Beatriz Wickert

Três Passos (RS) 2013

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Dedico este trabalho à Cleusa, minha mãe, que destinou toda sua atenção a mim, dando tudo de si para que eu pudesse concluir minha graduação, e que sempre me incentivou a apoiou minhas escolhas de vida e ao Marcos, que se mostrou atencioso, paciente e

compreensivo com minhas prioridades

acadêmicas, tendo sido sempre um

companheiro exemplar durante toda minha jornada.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pelo dom da vida.

Aos meus pais Cleusa e Laudelino, minha eterna gratidão pela criação e pelos ensinamentos de vida que me deram e continuam a prestar.

A meus irmãos, pela atenção, incentivo e confiança em mim depositados.

Ao Marcos, pelas inúmeras horas de estudo furtadas à sua companhia.

A Mestra Lisiane Wickert, pela confiança na minha capacidade de pesquisa, pela paciência, determinação, coerência e tranquilidade com que ministra suas aulas e externa seus ensinamentos, bem como pela apreciação minuciosa e revisão do presente trabalho, como orientadora.

Aos colegas de graduação Ana Karine, Daiane, Maristela, e todos os demais com quem partilho as dificuldades da cumulação dos estudos com a vida profissional, em especial à Vanessa, pela colaboração na organização deste trabalho.

A amiga Zenaide Kamphorst, a quem devo meu despertar pelo gosto ao curso e ao Direito, cujos ensinamentos impulsionaram minha postura e determinação na vida profissional.

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“Não pretendemos que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar “superado”. Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais aos problemas do que às soluções. A verdadeira crise, é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la.” Albert Einstein.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso contextualiza os aspectos históricos que fomentaram os conflitos sociais e quais os reflexos deles na sociedade moderna. Explora o papel da jurisdição na resolução dos conflitos e analisa os aspectos da explosão de litigiosidade que fomentou a crise do Sistema Judiciário. Enfoca o papel do Judiciário como garantidor dos preceitos de acesso à justiça, à segurança jurídica e à razoável duração do processo. Apresenta as recentes reformas do Código de Processo Civil Brasileiro à luz da garantia constitucional da razoável duração do processo, consagrada pela Emenda Constitucional n.º 45. Trata do instituto da antecipação da tutela na parcela incontroversa da demanda, bem como analisa as reformas processuais que ocasionaram a alteração do conceito de sentença. Investiga a aplicação da sentença parcial de mérito como instituto condutor à concretização dos direitos fundamentais. Analisa qual o recurso cabível para atacar a decisão que fraciona o mérito e julga a parte incontroversa da demanda.

Palavras-Chave: Crise. Reforma. Efetividade. Segurança jurídica. Acesso à justiça. Razoável duração do processo. Antecipação da tutela. Incontroversia. Fracionamento do mérito. Sentença parcial. Recurso de apelação.

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ABSTRACT

This course conclusion work contextualizes the historical aspects that fostered the social conflicts and what are their reflection on modern society. Explore the role of the jurisdiction in conflict resolution and analise the aspects of the explosion of litigation that forested the crisis of Judicial Sistem. Focuses the Judicial role as the guarantor of the principles of access to justice, the legal security and reasonable process duration. Present the recent reforms of the Brazilian Code of Civil Procedure the light of constitucional guarantees of reasonable process duration, consecrated by constitutional amendment number 45. Treat about the institute of advance relief on undisputed portion of the demand, as well as analyzes the procedural reforms that led to the change of the concept of sentence. Investigates the application of the partial judgment on the merits as an institute conducting the implementation of fundamental rights. Which analyzes the applicable appeal the decision to attack splits the merit and judges uncontroversial part of the demand.

Keywords: Crisis. Reform. Effectiveness. Legal security. Access to justice. Average length of the process. Advance relief. Uncontroversial. Fractionation of merit. Partial sentence. Appeal.

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INTRODUÇÃO ... 8

1 PROCESSO CIVIL, CRISE E REFORMA ... 12

1.1 Aspectos histórico-intridutórios ... 12

1.2 A crise do processo civil ... 20

1.3 Aspectos relevantes sobre as reformas do CPC à luz da Constituição Federal ... 30

2 SENTENÇAS PARCIAIS ... 45

2.1 Conceito e fundamentos ... 46

2.2 A natureza jurídica da decisão que fraciona o mérito: sentença parcial ou tutela antecipada? ... 54

2.3 Recurso adequado para atacar a decisão que fraciona o mérito e resolve o pedido incontroverso ... 70

CONCLUSÃO ... 78

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INTRODUÇÃO

Não é segredo que o sistema judiciário brasileiro vem enfrentando dificuldades de atendimento às demandas judiciais com a efetividade e a presteza que a sociedade almeja. Este impasse tem sido tratado pelos operadores do Direito como crise do Judiciário. Esta não é, contudo, uma problemática exclusiva do Brasil, mas um verdadeiro fenômeno mundial, impulsionado pela construção de uma cultura de litigiosidade existente em todas as sociedades.

Conforme se abordará no primeiro capítulo, ao monopolizar a jurisdição, o Estado proibiu a autotutela e assumiu a responsabilidade de resolução dos conflitos de todas as ordens sociais. Com a evolução da sociedade e da política, esta espelhada nos ideais iluministas de Jean-Jaques Rousseau e sua teoria da tripartição dos poderes, o monopólio do Estado tornou-se cada vez maior.

No Brasil, enquanto o Estado mantinha uma postura assistencialista e protetora de direitos sociais da população, atuando como o “Estado-providência,” o Judiciário só era chamado a atuar em casos remotos. Contudo, diante de um quadro econômico decadente, houve uma recessão da presença Estatal e, consequentemente, uma quebra do assistencialismo antes oferecido, o que, somado ao crescimento populacional e ao ingresso da mulher no mercado de trabalho gerou um crescente quadro de insatisfação nos indivíduos.

Então, a sociedade se viu obrigada a bater às portas do Judiciário para buscar seus direitos mais puros (saúde, educação, moradia, etc.), os quais o Estado não mais provinha.

Contudo, o Judiciário, desprovido de estrutura funcional e recursos humanos suficientes para atender toda a demanda advinda da inconformidade social proveniente da

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inoperância das outras esferas de poder, abalroou-se de processos, gerando uma crise sem precedentes e, consequentemente, tornando a prestação jurisdicional lenta e por isso ineficaz. Estas consequências são sentidas até hoje, sendo que o Judiciário continua exercendo o papel de funil no qual escoa a mais diversa gama de problemas decorrentes da incompetência do Executivo e do Legislativo.

Sobrecarregado, o Judiciário passou a não mais oferecer a tutela jurisdicional no tempo adequado e, com isto, caiu em descrédito, alimentando, assim, a crise de jurisdição.

Mas, a sociedade transformou-se e fez surgir a necessidade de se repensar os rumos do direito, de modo a tornar a proporcionar aos jurisdicionados o pleno acesso à justiça, de modo célere e efetivo.

Sob esta égide, ainda que vagarosamente, o processo civil cuidou de se modernizar, implementando leis que objetivam dar celeridade à tutela jurisdicional.

A Lei 8.952, de 13.12.1994, foi pioneira na busca pela efetividade, ao inserir no ordenamento jurídico a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela pretendida pela parte, a qual pode ser deferida quando existente prova inequívoca ou convencimento do juiz quanto à verossimilhança das alegações, além de atender à outros requisitos cumulativamente, tais como, a existência de dano irreparável ou de difícil reparação, ou, ainda, houver manifesto propósito protelatório do réu. Esta foi, sem dúvida, uma inovação grandiosa no sistema processual, já que permitiu a prestação da tutela quando suficientemente demonstrado o direito da parte, privando-a do prejuízo que o tempo da tramitação da demanda pudesse lhe causar.

Com o cunho de ampliar o instituto da antecipação da tutela, houve a edição da Lei 10.444, de 07.05.2002, que provocou alteração do §3º do art. 273 do Código de Processo Civil, para, em suma, permitir a aplicação de multa diária ao réu pelo descumprimento da obrigação, em observância aos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil. E, de maneira mais louvável, o legislador acrescentou os §§ 6º e 7º ao artigo 273 do CPC, para autorizar a antecipação da tutela da parte incontroversa do pedido, ou de parcela dele, bem como para abarcar um critério de fungibilidade entre os institutos da antecipação dos efeitos da tutela e da tutela cautelar, desde que presentes os pressupostos legais.

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O texto constitucional, por sua vez, consagrou o princípio da razoável duração do processo através da publicação da Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, que incluiu o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição, traçando novos rumos ao direito processual como um todo, elevando a razoável duração do processo ao status de direito fundamental.

Posteriormente, a reforma processual trazida com a Lei 11.232/2005 promoveu a alteração do conceito de sentença, para deixar de compreendê-la como o ato que, havendo ou não resolução do mérito, punha fim ao processo e encerrava o ofício jurisdicional, para ser o ato do juiz que implica numa das hipóteses do art. 267 ou 269 do Código de Processo Civil, ou seja, o ato que resolve ou não o processo, sem concluir a atividade jurisdicional. Além disto, com a inserção do art. 285-A ao Código de Processo Civil, o magistrado ficou autorizado a dar resolução ainda mais célere aos processos que envolvam demandas repetitivas, tudo como forma de agilizar a prestação jurisdicional.

Em concomitância com estas alterações, conforme se poderá verificar das divergências apresentadas no segundo capítulo, a doutrina e a jurisprudência não pouparam esforços em interpretar os novos dispositivos inseridos no Código de Processo Civil, especialmente para abarcar a possibilidade de o magistrado fracionar o mérito do pedido e proferir sentenças parciais da parte incontroversa da demanda, em observância ao preceito constitucional de razoável duração do processo.

Esta prerrogativa veio corroborada no novo conceito de sentença trazido pela redação do art. 162, §1º, embora já fosse palpável desde a inserção do §6º ao artigo 273 do Código de Processo Civil, com a Lei 10.444/2002, ainda que com natureza jurídica diversa da atualmente entendida.

A divergência doutrinária acerca da natureza jurídica do pronunciamento judicial que resolve a parte incontroversa do mérito é conteúdo deveras intrigante e merece a atenção dos juristas, pois, a compreensão equivocada do instituto pode ocasionar a sua aplicabilidade de forma errônea, passível até de ocasionar prejuízo à parte, ao invés de beneficiá-la com a prestação jurisdicional plena e efetiva.

Esta análise apresenta-se especialmente relevante quando há necessidade de averiguar qual seria o recurso cabível para atacar tal decisão: agravo de instrumento ou apelação?

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Todas as peculiaridades pertinentes ao caso serão abordadas no presente trabalho, com o qual se pretende apresentar uma possiblidade jurídica realmente comprometida com os preceitos de acesso à justiça, razoável duração do processo e segurança jurídica.

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1 PROCESSO CIVIL, CRISE E REFORMA

O Judiciário brasileiro, há décadas, vem enfrentando severo assoberbamento de demandas o que, somado à falta de estrutura especialmente de recursos humanos, acarretam demasiada delonga na prestação jurisdicional. Tal situação vem sendo tratada pelos juristas como crise do processo civil e do judiciário.

Crise porque, a demora na prestação jurisdicional, com o passar dos anos, fez com que o senso comum vislumbrasse pouca credibilidade no sistema judiciário, atribuindo-lhe a responsabilidade pela não concretização dos Direitos Fundamentais consagrados na Constituição Federal e pela inoperância do sistema jurídico como um todo.

O descrédito do judiciário culminou na necessidade de uma revisão dos rumos do direito, em especial o direito processual civil, no intuito de acelerar a prestação jurisdicional, proporcionando que se torne mais econômica, flexível, desburocratizada e efetiva no alcance dos resultados práticos buscados pelas partes em litígio.

Como medida de solução para a crise, o legislador cuidou de abandonar certos formalismos e buscou mecanismos dedicados a conferir à tutela jurisdicional, o grau de efetividade que dela se espera.

Tais aspectos serão objeto de estudo no presente capítulo.

1.1 Aspectos histórico-introdutórios

Nos primórdios da civilização, até meados do século XVIII, quando o Estado ainda não tinha o poder de ditar as normas, vigia o sistema da autotutela dos interesses pelas próprias partes envolvidas no litígio, através da imposição da vontade de um interessado sobre a vontade do outro, muitas vezes através da força, traduzida como verdadeira solução egoísta e parcial dos conflitos (NUNES, 2010, p. 32).

O passar do tempo fez com que as sociedades fossem se modificando e iniciando uma produção normativa mínima para viabilizar e regular a convivência entre os grupos sociais, mas foi necessária também a criação de meios coercitivos que fossem capazes de garantir a

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eficácia destas normas. Exemplo clássico é o da característica marcante encontrada na lei de Talião que previa “olho por olho, dente por dente1” como medida de punição para as ilegalidades (MORAIS; SPENGLER 2012, p. 57).

Mas não se demorou a concluir pela inviabilidade de tal sistema primitivo, surgindo o consenso de que aos particulares não mais incumbia a prerrogativa de fazer justiça pelas próprias mãos, sob pena de perpetuar-se o caos total entre as nações, gerando a ruptura da vida em coletividade.

Com o advento do Contrato Social (1762) de Rousseau, entendeu-se que os conflitos deveriam ser submetidos a um terceiro, a autoridade pública, passando-se então ao Estado-Juiz a responsabilidade pela regulamentação da atividade da administração da justiça e passou a “monopolizar a Jurisdição, ditando o direito para o caso concreto de forma impositiva, com o intuito de assegurar a convivência social através da neutralização do conflito pela aplicação forçada do direito positivo.” (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 58).

De acordo com Ponciano (2009, p. 17), já no século XIII, com o desenvolvimento do Estado Moderno na Europa, houve uma evolução do sistema medieval caracterizado pela produção do direito pela sociedade civil (e não pelo Estado) para o Estado territorial concentrado e unitário2.

Neste contexto, houve a institucionalização do exercício do poder pelo Estado, que se tornou o titular permanente e exclusivo do poder de ditar as normas, de forma que ocasionou “o processo de monopolização da produção jurídica por parte do Estado.” (BOBBIO, 1995, p. 27 apud PONCIANO, 2009, p. 17).

Para Moraes e Spengler (2012, p. 66), o contrato social consistiu numa transferência mútua de prerrogativas que visava o alcance da paz, de modo que “garantiria segurança aos homens, que estariam obrigados a cumprir os pactos que tivessem celebrado.” Tal

1

Os primeiros indícios do princípio de talião foram encontrados no Código de Hamurabi, em 1780 a.C., no reino da Babilônia. Esse princípio permite que as pessoas façam justiça por elas mesmas e de forma desproporcionada, no respeitante ao tratamento de crimes e delitos, é o princípio "olho por olho, dente por dente". Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_tali%C3%A3o> Acesso em 25/04/2013.

2

“A primeira fase desse Estado é marcada pela Monarquia, que culminou no absolutismo. A segunda fase do Estado Moderno é o Estado de direito liberal, como consequência direta das Revoluções Liberais na França e na Inglaterra, surgidas em oposição ao absolutismo.” (PONCIANO, 2009, p. 17).

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transferência segundo Hobbes, seria “a fonte e a origem da justiça, determinando que justo é o cumprimento do pacto e injusto seu cumprimento.”

Os ideais iluministas de Jean-Jacques Rousseau, no sentido de que era determinante a criação de uma forma de associação que defendesse e protegesse a sociedade do uso da força, culminando no pacto de livre associação entre os homens, no qual predominava a vontade geral foram de suma importância para o desenvolvimento do Estado ao passo que:

[...] o contrato social que fez nascer a República e com ela a Democracia determinou o surgimento de regras de racionalização das disputas objetivando cessar a violência e o caos. Surgiu como meio de garantir segurança e certeza aos homens, protegendo-os dprotegendo-os demais. Pretendeu, assim, evitar a discórdia original e a transgressão, perdendo, no entanto a capacidade de, ao invés de recalcar a luta de todos contra todos, superá-la através da deliberação consensuada entre homens livres e autônomos [...] O mínimo que se pode ganhar com a política é transformar a luta distinta em combate regulamentado. Uma das maneiras de cumprir o papel de proteção consiste precisamente na transformação, dentro da sociedade, da luta indistinta e confusa em combate graças à regulamentação dos conflitos por convenções ou leis. Deste modo, o estado tende a eliminar, na medida do possível, o combate, substituindo-o pela competição gerada pelo direito, fora de toda a violência. O Estado toma para si o monopólio da violência legítima, alçando-se no direito de decidir litígios e chamando à possibilidade aplacar a violência através de um sistema diverso do religioso e do sacrificial, denominado Sistema Judiciário. (MORAES; SPENGLER, 2012 p. 66-67).

Ao proibir a autotutela, retirando dos litigantes o direito de efetivar seu interesse pela força, o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, ofertando às partes o direito de ação, fazendo com que houvesse uma sucessão de atos ordenados e direcionados para o alcance de um pronunciamento estatal sobre o direito em litígio: uma sentença. Assim, “o Estado, ao assumir a função de resolver os conflitos, teria que proporcionar ao cidadão uma tutela que correspondesse à realização da ação privada que lhe foi proibida.” (MARINONI; ARENHARDT, 2005, p. 32).

Há época, “a ação era simplesmente o direito subjetivo material do litigante que reagia contra a violação sofrida. E o processo não passava de um amontoado de formas e praxes do foro para cuidar do conflito submetido ao juiz.” (THEODORO JR., 2004, p. 2).

A visão do Poder Judiciário como poder de Estado teve origem na a partir da segunda fase do Estado Moderno, baseado no modelo de tripartição de poderes, de Montesquieu, o qual entendia ser necessária a separação dos poderes em executivo, legislativo e judiciário

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como técnica de salvaguarda da liberdade e com o objetivo de estabelecer limites ao soberano e garantir liberdade individual. Tal ideia surgiu no contexto do Estado soberano, laico e constitucional, num momento em que a sociedade assumiu uma estrutura monista, na qual o Estado concentra em si todos os poderes (PONCIANO, 2009, p. 17).

Para Montesquieu o homem que possui o poder sempre tende a abusar dele, o que torna necessária a imposição de limites e evitar os abusos. Mas para isto, “é preciso organizar a sociedade política de tal forma que ele seja um freio para si mesmo, se autolimitando.” (MONTESQUIEU, 2002, p. 156 apud PONCIANO, 2009, p. 17).

Conforme refere Vera Lúcia Ponciano (2009, p. 17-18), Montesquieu defendia que:

Por intermédio do poder legislativo, as leis são feitas para sempre ou para determinada época, bem como se aperfeiçoam ou abrogam as que já se acham feitas. Com o poder executivo, “ocupa-se o príncipe ou magistrado da paz e da guerra, envia e recebe embaixadores, estabelece a segurança e previne as invasões”. Quanto ao terceiro poder, o judiciário, confere ao príncipe ou magistrado a faculdade de punir os crimes ou julgar os dissídios da ordem civil. A cada um desses poderes correspondem, conforme os intérpretes deste pensamento, determinadas funções, que se conjugam dentro de um sistema, mantendo assim a unidade do poder estatal.

Conforme referiu Ponciano (2009, p. 18), Montesquieu defendia que não haveria liberdade se o poder de julgar não fosse separado dos demais poderes. E acrescenta:

O autor francês, todavia, teme que o executivo e o legislativo se tornem demasiadamente fortes e se confundam num jogo de arbítrio. Além disso, receia que o poder dos magistrados crie riscos para a liberdade, tendo em vista a própria natureza de suas funções. Assim, embora entenda necessário que o poder de julgar seja atribuído a um órgão destacado dos demais poderes, institui uma fórmula para limitar o terceiro poder, por meio da qual ‘os juízes da nação não são, conforme já dissemos, senão a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que desta não podem moderar nem a força e nem o rigor.’

A contribuição da teoria de Montesquieu reprimiu os governos absolutistas e a produção de normas tirânicas, estabelecendo um sistema de “freios e contrapesos”, traduzido pela contenção do poder pelo poder, de modo que cada um dos poderes deve ser autônomo e exercer uma determinada função, ao tempo que o exercício desta função é controlado pelos demais poderes, de forma que sejam independentes e harmônicos entre si.

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No sistema jurídico, esta teoria foi abarcada no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 e recepcionada pelo texto constitucional brasileiro, em seu artigo 2º, também como frutos da Revolução Francesa, a qual contribuiu inclusive com a retomada do conceito de livre convencimento do juiz, outrora abandonado no século X por uma exacerbação do fanatismo religioso que submetia os juízes a praticar “juízos de Deus3.”

Até o final do século XVIII a história demonstra que:

O processo era extremamente rígido (formal), e os meios de prova eram restritos às hipóteses legais, nenhuma liberdade cabendo ao juiz, que tão-somente verificava a existência da prova. O valor de cada prova e sua consequência para o pleito já vinham expressamente determinados pelo direito positivo. A prova, portanto deixara de ser o meio de convencer o juiz da realidade dos fatos para transformar-se num meio rígido de fixação da própria sentença. O juiz apenas reconhecia sua existência. O processo bárbaro era acusatório e tinha início por acusação do autor, que se considerava ofendido. O ônus da prova cabia ao acusado. (THEODORO JR., 2008, p. 10, grifos do autor).

A partir daí, houve uma importante contribuição da Igreja Católica (que preservava as instituições do direito romano adaptando-as ao direito canônico), e dos institutos de direito romano e germânico para a construção de um “direito comum,” posteriormente evoluído para um “processo comum” de característica escrita, lenta e demasiadamente complicada. Em seguida, na Europa, inspirada nestas contribuições, surgiu uma espécie de “processo moderno” no qual a “prova e a sentença voltaram a observar as experiências do processo romano, porém se admitindo a eficácia erga omnes por influência do direito germânico.” Mas apenas com a Revolução Francesa é que houve a retomada do preceito de livre convencimento do juiz (THEODORO JR., 2008, p. 11, grifos do autor).

Sobre o tema da prestação jurisdicional pelo Estado, esclarece Flávio Luiz Yarshell (1993, p. 16 apud ACIOLI, p. 1) que “durante muito tempo, o processo foi concebido como uma mera sucessão de atos (rito, procedimento) numa visão sincrética da tutela de direitos.”

Já no século XIX, conforme refere Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 3):

3 Expressão utilizada por Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 11) para contextualizar as barbáries ocorridas no

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Os pandectistas4 descobriram que, após a eclosão da lide, surgia entre a parte e o Estado uma nova relação jurídica nascida justamente da violação do direito subjetivo material e do direito de obter um provimento do órgão judicial contra dita violação. Assim, a relação material era travada entre as partes diretamente e pertencia ao direito privado; e a relação processual era travada entre a parte e o Estado e, portanto, estava afeta ao direito público.

Tal perspectiva sofreu alterações em meados do século XX, quando passou por uma profunda revisão dogmática, cujo marco é 1868 com a obra de BÜLOW, La Teoria de las

Excepciones Procesales y los Pressupuestos Procesales, a qual proporcionou ao processo, o

status de ciência autônoma, com cunho de investigação científica próprio, oriundo do questionamento do caráter civilista da ação (ACIOLI, 2012, p. 1).

Com a contribuição de Wach e Von Bülow, foi possível alcançar a conceituação dos pressupostos, objeto e método da relação processual, permitindo a autonomia científica do direito processual. Em meados do século XX, a doutrina alemã e italiana se ocupou de construir os grandes conceitos informadores de todo o sistema da ciência do direito processual civil (THEODORO JR., 2004, p. 3).

Com o fim da 2ª Guerra Mundial em 1945, desencadearam-se eventos que provocaram uma mudança social em vários países, a exemplo da revolução tecnológica que reorganizou os padrões culturais, reafirmando um novo paradigma tecnológico (CASTELLS, 2006, p. 67 apud PONCIANO 2009, p. 31).

4

A escola dos pandectistas surgiu na Alemanha no século XIX, formada por juristas que se dedicavam à pesquisa dos Pandectas ou Digesto de Justiniano, visando à elaboração de normas positivas, conceitos, doutrinas que influenciaram o mundo jurídico, especialmente na área do direito civil. Para os pandectistas o Direito se oferecia como corpo de regras, cujo modelo era dado pelo sistema do Direito Romano.

Os pandectistas consideravam o direito apenas como sistematização, deixando de considerar importantes elementos que devem participar na formação do direito.

Os doutos apelidaram Pandectologia a esse apego demasiado aos métodos romanos, à preferência pelos comentadores das compilações justinianas, em contraste com o abandono dos excelentes repositórios de direito moderno estrangeiro.

A "Escola dos Pandectistas", na Alemanha, corresponde, até certo ponto, à "Escola da Exegese", na França, no que se refere ao primado da norma legal e às técnicas de sua interpretação. Em virtude, porém, da inexistência de um Código Civil, os juristas alemães mostraram-se, por assim dizer, menos "legalistas", dando mais atenção aos usos e costumes e aceitando uma interpretação mais elástica do texto legal.

A influência dos pandectistas não se limitou ao Estado alemão. Repercutiu em diversos países, notadamente na Europa Meridional, Hungria e Grécia. No Brasil, influenciou a obra de Eduardo Espínola, um de nossos mais ilustres civilistas do passado. Bernard Windscheid (1817-1892), Heinrich DernBurg (1829-1907), Ernst Immanuel Bekker (1827 –1919) figuram entre os nomes mais representativos da escola. Fonte: <http://amigonerd.net/humanas/direito/escolas-de-interpretacao>. Acesso em 15 mar. 2013.

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A área do Direito também sofreu fortes transformações, especialmente com relação ao reconhecimento dos Direitos Humanos em nível internacional, por meio de tratados e convenções como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Após, o campo econômico acompanhou a ascensão da globalização e do sistema capitalista de comércio (PONCIANO, 2009).

O período pós-guerra ficou conhecido como “a era dos direitos” segundo Bobbio (2004, p. 83-84 apud Ponciano, 2009, p. 31), refletindo um tempo de grandes transformações que atingiram não só o espaço jurídico, mas também os espaços políticos, econômicos e sociais, criando novos paradigmas, novas demandas e novas exigências que afetam as relações entre o Judiciário, o Estado e a Sociedade (PONCIANO, 2009, p. 32-33).

Com isto houve uma concentração de poderes nas mãos do juiz para apreciar a e valorar a prova, imprimindo maior celeridade e dinamismo aos atos processuais e “o processo civil passou, então a ser visto como instrumento de pacificação social e de realização da vontade da lei e apenas secundariamente como remédio tutelar dos interesses dos particulares.” (THEODORO JR., 2008, p. 11).

Com a evolução dos tempos e o desenvolvimento econômico e social, houve uma multiplicação dos conflitos, fazendo com que a prestação jurisdicional se tornasse morosa, prezando pela máxima consagração do procedimento processual por excelência, especialmente o procedimento ordinário, o qual permite a cognição plena e exauriente do direito em litígio, e, consequentemente, repelindo a cognição parcial, de procedimento sumarizado, ficando esta com condição de excepcionalidade. Tudo sob a justificativa de priorização da segurança jurídica –entendida como direito dos litigantes à cognição exaustiva do direito em litígio – o que gerou a amplitude do contraditório, da defesa, da interposição de recursos, em detrimento da tempestividade da prestação jurisdicional, entendida, em última análise, como acesso à Justiça (ACIOLI, 2012, p. 2).

A partir da evolução da história, mais precisamente no século XX, houve uma notável mudança na tônica da política governamental e legislativa dos países do mundo civilizado – incluindo os capitalistas e neoliberais – permitindo que a política constitucional deixasse de atuar como simples tarefa de declarar direitos como ocorria nos séculos XVIII e XIX, apontando agora para uma necessidade de reflexão da consciência social dominante, voltada

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para a efetivação dos direitos fundamentais, de forma não apenas de defini-los e declará-los, também de garanti-los e torna-los acessíveis a todos (THEODORO JR., 2004, p. 17).

O Estado Democrático de Direito, que tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, passou a ser assegurado pela carta magna brasileira (art. 2º), consagrando o princípio da tripartição dos poderes, elevando-o ao status de cláusula pétrea (art. 60, §4º, III). A Constituição Federal conferiu também ao judiciário o monopólio da jurisdição (art. 5º, XXXV), garantindo sua independência (PONCIANO, 2009, p. 23).

Ao tratar da universalidade dos problemas do processo moderno, Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 6) refere que o intenso movimento reformador, além de não ser fenômeno isolado do processo brasileiro, assume um compromisso com a celeridade processual e com uma justiça mais humana a ser proporcionada àqueles que clamam pela tutela jurídica, havendo perseguição de duas metas: “a desburocratização do processo, para reduzir sua duração temporal, e a valorização de métodos alternativos de solução de conflitos.”

No cenário moderno, conforme leciona Humberto Theodoro Júnior (2004 p. 5, grifos do autor):

O processo, instrumento de atuação de uma das principais garantias constitucionais – a tutela jurisdicional – teve de ser repensado. É claro que, nos tempos atuais, não basta mais ao processualista dominar os conceitos e categorias básicos do Direito Processual, como a ação, o processo e a jurisdição, em seu estado de inércia. O processo tem, sobretudo, a função política no Estado Social de Direito. Deve ser, destarte, organizado, entendido e aplicado como instrumento de efetivação de uma garantia constitucional, assegurando a todos o pleno acesso à tutela jurisdicional, que há de se manifestar sempre como atributo de uma tutela justa [...] o processo, para cumprir a missão que lhe atribuiu o Estado Social de Direito, tem de se apresentar como instrumento capaz de propiciar efetividade à garantia de acesso à justiça [...] A garantia de devido processo legal, a que se liga intimamente a de

acesso à justiça, além de exigir a figura do juiz natural e observância do

contraditório e ampla defesa, deve assegurar aos litigantes não apenas um sentença, mas uma sentença justa, dentro da melhor exegese dos fatos e do direito material pertinente [...]

O judiciário, na sociedade contemporânea, deve necessariamente, ser eficiente e justo. Tal necessidade permitiu a Garapon (1999, p. 27 apud Ponciano, 2009 p. 43) afirmar que “no século XIX, na ordem liberal houve uma preponderância do legislativo; no século XX, sob a

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égide da providência, foi a vez do Executivo; e, no século XXI caminha-se para a supremacia do Judiciário.”

O Estado Social de Direito passou a conviver com a necessidade constante de criar mecanismos práticos de operação dos direitos fundamentais, também como forma de se alcançar uma melhor prestação jurisdicional, ainda não atingida em sua plenitude, como se poderá depreender do ponto seguinte.

1.2 A crise do poder judiciário

O presente trabalho visa o estudo da sentença parcial como forma de resposta à “crise” no que afeta ao Judiciário, sem adentrar nas medidas alternativas extraprocessuais como mediação e arbitragem, cuja aplicabilidade e eficácia são visíveis no mundo jurídico.

Para tanto, faz-se necessário o exame de alguns aspectos importantes sobre a crise que assola o sistema judiciário, consoante se passará a expor.

Crise, no sentido etimológico da palavra que deriva do grego krísis significa decisão, julgamento, evento, momento decisivo5. Na língua portuguesa há vários significados oportunos, tais como “momento perigoso ou difícil de uma evolução ou de um processo”, “período de desordem acompanhado de busca penosa de uma solução [...]”, “conflito, tensão”, dentre outros (AURÉLIO, 2013).

Com efeito, pode-se entender a crise como uma perturbação da ordem e da organização judiciaria, perpetuando seus efeitos de maneira negativa, de onde advêm consequências sobre as quais passamos a discorrer.

A compreensão dos aspectos da “crise” passa, evidentemente, pela análise das mudanças do comportamento social, uma vez que está inserida no contexto da readaptação do

5Crise (latim crisis, -is, do grego krísis, -eós, acto de separar, decisão, julgamento, evento, momento decisivo),

conforme Dicionário Priebemam da Língua Portuguesa, possui também a definição de “desacordo ou perturbação que obriga instituição ou organismo a recompor-se ou a demitir-se.” Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=crise>. Acesso em: 14/04/2013.

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Estado contemporâneo às novas necessidades sociais. A crise não é um fenômeno isolado, exclusivo do judiciário Brasileiro, mas sim um fenômeno mundial (PONCIANO, 2009).

Ao tratar do papel do direito na transformação modernizadora das sociedades tradicionais, Boaventura de Souza Santos (1989) discorre acerca das condições teóricas e sociais emergentes no final da década de 50 e início da década de 60.

O autor refere três condições teóricas: a primeira referente ao desenvolvimento da sociologia das organizações (inspirada nos ideais de Weber, e tratava do conjunto das interações sociais no seu seio ou no impacto delas no comportamento dos indivíduos, desenvolvendo um interesse específico por uma das organizações de larga escala dominante na nossa sociedade, a organização judiciária e particularmente os tribunais); a segunda, constituída pelo desenvolvimento da ciência política e pelo interesse que esta revelou pelos tribunais enquanto instancia de decisão e de poder políticos; e a terceira condição teórica é constituída pelo desenvolvimento da antropologia do direito ou da etnologia jurídica (ao centrar-se nos litígios e nos mecanismos da sua prevenção e da sua resolução, a antropologia do direito desviou a atenção analítica das normas e orientou-se para os processos e para as instituições, seus graus diferentes de formalização e de especialização, sua eficácia estruturadora de comportamentos) (SANTOS, 1989, p. 42-43).

Já ao tratar das condições sociais, refere duas: a primeira, diz respeito às lutas sociais protagonizadas por grupos sociais até então com pouca expressão (os negros, estudantes, amplos setores da pequena burguesia em luta por novos direitos sociais no domínio da segurança social, habitação, educação, transportes, meio ambiente, qualidade de vida, etc.) que, com o movimento operário, procuraram aprofundar o conteúdo democrático dos regimes pós-guerra, de onde as desigualdades sociais foram sendo recodificadas no imaginário social e político, passando a representar uma ameaça à legitimidade dos regimes políticos assentes na igualdade de direitos. Neste ponto, o autor remonta que “a igualdade dos cidadãos perante a lei passou a ser confrontada com a desigualdade da lei perante os cidadãos;” a segunda condição social seria oriunda da eclosão da “crise da administração da justiça,” impulsionada pelas lutas sociais que aceleraram a transformação do Estado liberal no Estado-assistencial ou no “Estado-providencia,” este entendido como ativamente envolvido na gestão dos conflitos e concertações entre classes e grupos sociais, responsável por minimizar as desigualdades sociais no âmbito do modo de produção capitalista (SANTOS, 1989, p. 42-43).

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Da responsabilização pela resolução dos conflitos sociais adveio uma postura assistencialista do Estado, sobrecarregando sua capacidade de gestão, conforme refere Santos (1983, p. 43):

A consolidação do Estado-providência significou a expansão dos direitos sociais e, através deles, a integração das classes trabalhadoras nos circuitos do consumo anteriormente fora do seu alcance. Esta integração, por sua vez, implicou que os conflitos emergentes dos novos direitos sociais fossem constitutivamente conflitos jurídicos cuja dirimição caberia em princípio aos tribunais, litígios sobre a relação de trabalho, sobre a segurança social, sobre a habitação, sobre os bens de consumo duradouros etc.

Outro fator relevante, na visão de Boaventura de Souza Santos, foi a integração das classes trabalhadoras acompanhada pela integração da mulher no mercado de trabalho (o que aumentou o poder aquisitivo dela, deixando-a em uma posição de independência econômica do cônjuge varão, e que refletiu diretamente na economia, uma vez que proporcionou uma mobilização comercial pela procura de objetos de consumo) culminando numa reorganização do comportamento do grupo familiar entre os cônjuges, bem como entre pais e filhos, constituindo-se uma base de conflitualidade familiar (SANTOS, 1989, p. 44).

Na década de 70, houve estancamento da expansão econômica, dando início a uma recessão (crise) que acompanhamos na atualidade. A redução dos recursos financeiros do Estado ocasionou a ineficiência para o cumprimento da função assistencialista e providencial até então assumidas, repercutindo também na sua incapacidade para expandir os serviços de administração da justiça. Não se logrou êxito em ofertar uma justiça proporcional à demanda existente, gerando uma explosão de litigiosidade, dando origem ao que podemos chamar de “crise da administração da justiça.” (SANTOS, 1989, p. 44).

Segundo Moraes e Spengler (2012 p. 70) a “explosão de litigiosidade se dá quanto à quantidade e à qualidade das lides que batem às portas do Poder Judiciário, especialmente observando a existência de uma cultura do conflito.”

Quando o papel social deixou de ser adequadamente desempenhado pelo Estado-providência, desencadeou a insatisfação social, gerando inúmeros conflitos, característicos das relações sociais, conflitos estes que, quando analisados como “teoria do conflito” possuem três pressupostos fundamentais calcados:

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[...] na posse individual de interesses de base que cada um procura realizar e que são peculiares a cada sociedade, na necessária ênfase sobre o poder com núcleo das estruturas e relações sociais e na luta para obtê-lo, e, por fim, as ideias e valores utilizados pelos mais diversos grupos sociais como instrumentos para definir sua identidade e os seus objetivos, o que vai desembocar na discussão da raiz ‘identitária’ do conflito. (MORAES; SPENGLER, 2012, p. 47).

Contudo, tal “dinâmica conflitiva” é encarada como um meio de manter a vida social, de determinar seu futuro, facilitar a mobilidade e valorizar certos modelos sociais em detrimento de outros, em que pese envolvam uma relação de poder (MORAES; SPENGLER, 2012, p. 47-56).

A deficiência do Estado gerou um quadro de insatisfação social, já que não mais atendia satisfatoriamente às necessidades básicas da população, como saúde, educação e habitação, dentre outras tantas, sobressaltando certo distanciamento “que separa os direitos previstos no plano lógico-forma da realidade de um país permeado de desigualdades, evidenciando-se um descompasso entre a produção normativa e o desenvolvimento econômico no Brasil.” (PONCIANO, 2009, p. 49).

Este aspecto foi determinante para que se repensasse a prestação jurisdicional, desde os critérios de administração da justiça, formação e recrutamento de magistrados (com suas posições políticas e ideológicas) até sobre os custos da justiça e o tempo do processo (SANTOS, 1989, p. 44).

O fato é que com o monopólio da jurisdição exercida pelo Estado, o papel de dizer o direito incumbido aos juízes assumiu novos conceitos, como reflexo do pacto social e da teoria da repartição dos poderes. Transferiu-se para o Judiciário a missão de solucionar os conflitos, já que boa parte das irresignações sociais ali desembocava.

Mas cumpre referir que o papel do Judiciário é decidir o conflito quando for provocado, sem que isto signifique efetivamente a eliminação do conflito. Isto porque, o que lhe compete é jugar e frear a vingança privada, aplicando as punições cabíveis por meio de sanções (MORAES; SPENGLER, 2012, p. 71).

Ele decide os conflitos, não os elimina, pois não trata de suas causas, apenas das consequências. Até porque, foge à competência do Judiciário resolver sobre a existência da

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relação social que originou os conflitos. De qualquer forma, o pronunciamento judicial jamais os eliminará, pois a causa apreciada afeta as partes litigantes tão somente com relação àquela determinada demanda que provocou a jurisdição. Não há como garantir que não surgirão novas questões de natureza diversa, entre estas mesmas partes, no mesmo contexto social (MORAES; SPENGLER, 2012, p. 66-73).

Esta mudança do comportamento social ocasionou o desencadeamento de uma crise estatal, oriunda de um processo de globalização cultural, política e econômica, combinados com o enfraquecimento do Estado, sua perda de soberania, “sua incapacidade de dar respostas céleres aos litígios atuais [...] sua fragilidade nas esferas Legislativa, Executiva e Judiciária, enfim, sua quase total perda na exclusividade de dizer e aplicar o direito.” (MORAES; SPENGLER, 2012, p. 76).

Operou-se uma incapacidade do Estado para gerir as mudanças que ocorriam no “tempo da economia globalizada”, ou seja, o “tempo da simultaneidade,” pois conforme afirmam Moraes e Spengler (2012, p. 77):

Em decorrência das pressões centrífugas da territorialização da produção e da transnacionalização dos mercados, o Judiciário, como estrutura fortemente hierarquizada, fechada, orientada por uma lógica legal-racional, submisso à lei, se torna uma instituição que precisa enfrentar o desafio de alargar os limites de sua jurisdição, modernizar suas estruturas organizacionais e rever seus padrões funcionais para sobreviver como poder autônomo e independente.

O Poder Judiciário, no cenário do Estado Democrático de Direito, passou a ser constantemente provocado a dar efetividade aos novos direitos contemplados pela Constituição Federal de 1988, sofrendo, assim, uma forte pressão para que passasse a garantir por meio do Direito o que o Estado não assegurava pela política (BARBOSA, 2006 apud PONCIANO, 2009, p. 49).

O mau funcionamento e o desempenho insatisfatório do judiciário encontra eco no dizer de Ada Pelegrini Grinover (1990, p. 11-12 apud PAULA, 2006, p. 42), ao tratar da crise:

A crise da Justiça está na ordem do dia: dissemina-se e serpenteia pelo corpo social como insatisfação dos consumidores de Justiça, assumindo as vestes do descrédito nas instituições; atinge os operadores do direito e os próprios magistrados, como que imponentes perante a complexidade dos problemas que afligem o exercício da função jurisdicional; desdobra-se em greves e protestos de seus servidores;

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ricocheteia, enfim pelas páginas da imprensa e ressoa pelos canais de comunicação de massa, assumindo dimensões alarmantes e estimulando a litigiosidade latente. A Justiça é inacessível, cara, complicada, lenta, inadequada. A justiça é a denegação de Justiça. A justiça é injusta. Não existe Justiça [...] A crise que se generaliza apresenta vários aspectos: a crise estrutural, a crise institucional do equilíbrio entre os poderes, a mentalidade dos operadores da Justiça, inadequação dos controles sobre o exercício da função jurisdicional.

Este quadro revela que as mudanças sociais da sociedade de massa ocasionaram o aparecimento de conflitos metaindividuais, para os quais o Estado e o Judiciário não possuíam estrutura para suportar. Consequentemente, houve uma grande obstrução das vias de acesso à justiça.

A partir daí, a jurisdição passou a ser foco de uma constante preocupação “voltada para a compreensão da racionalidade instrumental de aplicação do direito e, principalmente, da estrutura funcional necessária para sua realização,” especialmente por conta da transposição dos conflitos da zona política para a zona jurisdicional (MORAES; SPENGLER, 2012, p. 77).

Neste contexto, fala-se, não só em crise judiciária, mas também nas crises oriundas da ordem econômica, sociocultural e política, que interferem negativamente na atividade jurisdicional, cada qual com sua parcela de contribuição.

É de se considerar a existência de várias interpretações para a crise do Judiciário, como refere Vera Lucia Feil Ponciano (2009, p. 54):

[...] pode ser considerada resultado lógico e previsível de um processo caracterizado pelas principais mazelas decorrentes da atividade jurisdicional, que perduram há muitos anos, que podem ser identificadas como: morosidade; ausência de modernização; falta de padronização nos procedimentos; legislação processual inadequada e ultrapassada; deficiência quantitativa e qualitativa na área de recursos humanos (juízes e servidores); falta de transparência; dificuldade de acesso à Justiça e ausência de democratização [...]

Da sociedade como um todo, emanam críticas no sentido da insatisfação com o longo tempo de duração da discussão da lide em juízo até a final satisfação do direito (a exemplo do que ocorre com os credores da fazenda pública, que aguardam quase que eternamente pela satisfação de seus créditos inscritos em precatórios). Dos julgadores extrai-se certa frustração e inconformidade no que toca ao exercício de suas funções e da repercussão extrajudicial

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delas (como nos casos de julgamentos criminais que culminam com a absolvição do acusado por falta de provas ou por prescrição do delito, fatos encarados negativamente pelo senso comum, perpetuando um sentimento de inércia ou ineficácia da justiça). Já o Executivo e o Legislativo tecem críticas à insensibilidade do Judiciário para com o equilíbrio das finanças públicas (tal como ocorre nas demandas por medicamentos quando o julgador se vê obrigado sequestrar valores dos cofres públicos para atender à necessidade fundamental da parte que pleiteia a garantia de acesso à saúde) (PONCIANO, 2009, p. 57).

De acordo com Sadek (2004, p. 6 apud PONCIANO 2009, p. 57):

Ainda que se ressalte que o sentimento de insatisfação seja antigo e comum à grande parte dos países civilizados há, contudo, que se destacar os traços que têm diferenciado a crise da justiça no Brasil e conferido particularidades para os últimos anos. A situação recente difere de todo o período anterior em pelo menos dois aspectos: 1) a justiça transformou-se em questão percebida como problemática por amplos setores da população, da classe política e dos operadores do Direito, passando a constar da agenda de reformas; 2) tem diminuído consideravelmente o grau de tolerância com a baixa eficiência do sistema judicial e, simultaneamente, aumentado a corrosão no prestígio do Judiciário. De fato, as instituições judiciais – mesmo que em grau menor do que o Executivo e o Legislativo – apesar de há longo tempo criticadas, saíram da penumbra (confortável?) e passaram para o centro das preocupações. E, por outro lado, acentuaram-se as críticas e a queda nos índices de credibilidade.

Outros aspectos como o número insuficiente de servidores da justiça para atender à crescente demanda que emana da judicialização das questões sociais, a inoperância dos poderes Legislativo e Executivo no cumprimento de suas funções, afunilando, por consequência, no Judiciário, faz com que este acabe tendo que legislar. Estas são questões que, não raras vezes, colaboram para a demora na prestação jurisdicional.

A chamada “crise”, na visão de Vera Lúcia Feil Ponciano (2009), possui vários aspectos, os quais foram por ela muito bem examinados. A compreensão daqueles aspectos que se mostram mais importantes, pode ser evidenciada a partir das breves considerações que seguem.

A crise do Estado e da Sociedade tem influência de fatores de ordem política e

socioeconômica, tais como: disseminação de uma cultura da litigiosidade; alta carga tributária e econômica que violam a Constituição Federal; e a omissão legislativa (PONCIANO 2009, p. 65).

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No campo institucional, a crise revela problemas do Poder Judiciário na relação com a sociedade e demais poderes, a exemplo da ausência de transparência, práticas institucionais não republicanas (como o nepotismo e o excesso de cargos comissionados) procedimentos pouco democráticos; priorização de interesses individuais, em detrimento da sua função pública, e imagem negativa diante da opinião pública (PONCIANO, 2009, p. 65).

A crise de gestão e de administração está ligada ao mau gerenciamento do processo,

do procedimento e das rotinas de trabalho, bem como à insuficiência de recursos humanos e tecnológicos, além da falta de modernização, morosidade, carência quantitativa e qualitativa de juízes e servidores e, por fim a deficiência física/estrutural dos foros (PONCIANO, 2009).

A crise da legislação processual refere-se às leis que permitem o uso de vários meios

de impugnações, incidentes processuais e recursos com cunho protelatório do processo, além do emprego exacerbado do formalismo e do conservadorismo na condução da demanda que afetam o desempenho do Judiciário no aspecto quantitativo (tempo do processo) e qualitativo (eficácia das decisões) (PONCIANO, 2009, p. 66).

A demora na prestação jurisdicional, ou, no dizer de José Adelmy da Silva Acioli (2012, p. 4) “o tempo do processo”, sempre foi visto de forma secundária, com o réu que não tem razão beneficiando-se da morosidade processual em detrimento da angústia causada na vida particular do autor, vale dizer, acarretando-lhe danos de toda a ordem, não só patrimoniais, mas também morais. Inobstante, há aqueles que entendem que a demora processual é necessária à cognição definitiva do direito, sendo até mesmo natural à tramitação do processo, máxime pela consagração constitucional do princípio da ampla defesa, que admite, segundo alguns, defesa abusiva com o fito de obstar a realização do direito do autor.

Para Marinoni (1997, p. 20 apud ACIOLI, 2012 p. 04):

[...] a defesa é direito nos limites em que é exercida de forma razoável ou nos limites em que não retarda, indevidamente, a realização do direito do autor. Fora desses casos, deve ser coibida pela lei, pelos juristas de um modo geral e, máxime, pelos Magistrados que não podem ficar alheios ao que está acontecendo no plano fáctico do processo, que é um instrumento não só técnico, mas sobretudo ético e político.

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Portanto, o uso protelatório do processo pelo réu no exercício de seu direito de defesa, é notadamente uma das causas de maior contribuição para a morosidade da resolução da lide. Mas não a única.

O formalismo exacerbado, a falta de efetividade e a burocracia em demasia congestionam todo o sistema judiciário, ocasionando a morosidade na prestação jurisdicional e o consequente comprometimento da justiça das decisões intempestivas, o que resulta em notável clamor por mudança.

Isto porque, nos dias atuais, há pacífico entendimento de que não basta que a decisão final de mérito seja justa se não for tempestiva, conforme esclarece Marinoni (1991, p. 243-247 apud Barrufini, 2012, p. 2):

[...] se o tempo é a dimensão fundamental na vida humana, no processo desempenha ele idêntico papel, não somente porque, como já dizia Carnelutti, processo é vida, mas também porquanto, tendente o processo a atingir seu fim moral com a máxima presteza, a demora na sua conclusão é sempre detrimental, principalmente às partes mais pobres ou fracas, que constituem a imensa maioria danosa população, para as quais a demora em receber a restituição de suas pequenas economias pode representar angústias psicológicas e econômicas, problemas familiares, em não poucas vezes, fome e miséria.

O custo na demora pela prestação jurisdicional é tido por Italo Andolina (apud Marinoni, p. 22) como “dano marginal em sentido estrito” ou “dano marginal por indução processual,” porque a espera pela coisa julgada material do direito pleiteado, mesmo que já provado pela apresentação de provas irrefutáveis ou pelo reconhecimento do pedido pelo réu (ainda que parcialmente), exigem que o autor aguarde período demasiadamente longo até que possa promover a execução do título, expondo o autor a um dano marginal ao passo que o processo fica disponível ao réu, servindo-lhe, mesmo que já vencido na lide (ACIOLI, 2012, p. 5).

Assim, é de se trazer à baila o apontamento de Vera Lúcia Feil Ponciano (2009, p. 57) ao referir que “o rico resiste bem a uma justiça lenta, mas o pobre não. A demora, então, gera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia” além do que inclina em benefício à parte economicamente mais forte da relação processual.

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Tem relação com o papel e as funções exercidos pelo Poder Judiciário na sociedade brasileira atual, ou seja, primeiro, se é considerado um Poder de Estado dotado de autonomia e independência ou um órgão do aparato burocrático do Estado; segundo, se lhe cabe apenas dizer o direito ou se suas funções são bem mais amplas: calibrador de tensões sociais, realizador de políticas públicas, responsável pela efetividade dos direitos fundamentais e sociais etc.

Há, ainda, a crise de legitimidade, relacionada com ausência de “democratização no processo de seleção dos membros do Poder Judiciário” (PONCIANO, 2009, p. 66) ligada a:

[...] ineficiência do Judiciário no tratamento dos conflitos, em particular a sua atuação lenta; a politização desta atuação quando de sua relação com os outros Poderes e quando da defesa dos direitos humanos; uma intromissão disfuncional na atividade econômica do país, prejudicial à certeza e segurança dos investimentos; o formalismo e conservadorismo na aplicação da legislação e em particular no que tange à Constituição. (SADEK; ARANTES, 1994 apud PONCIANO, 2009, p. 66).

O problema da lentidão da justiça ocorre pelo constante adiamento de audiências, muitas vezes sem motivo razoável, pela fixação de prazos que são observados somente pelas partes, e não pelos próprios magistrados ou pelos servidores da justiça, fazendo com que os processos se arrastem por anos.

Tal impasse é revelado por Humberto Theodoro Júnior (2004, p. 17) ao referir que:

É lastimável, mas não se pode deixar de reconhecer o regime caótico em que os órgãos encarregados da prestação jurisdicional no Brasil trabalham tanto do ponto de vista organizacional, como principalmente em torno da busca de solução para sua crônica inaptidão para enfrentar o problema do acúmulo de processos e da intolerável demora na prestação jurisdicional. Não há o mínimo de racionalidade administrativa, já que inexistem órgãos de planejamento e desenvolvimento dos serviços forenses, e nem mesmo estatística útil se organiza para verificar onde e porque se entrava a marcha dos processos.

Ainda, contribuem para a crise o aumento do número de ações que ingressam todos os dias nos foros, o que, somado à insuficiente condição de organização judiciária e o gradativo aumento populacional, fazem com que alguns poucos juízes fiquem com carga de trabalho humanamente inalcançável, trancando a tramitação dos feitos.

É certo, no entanto, que tal morosidade tem desacreditado a população no que consiste ao acesso imediato ao seu direito pela via judicial, configurando uma afronta ao direito fundamental de garantia ao devido processo legal, à razoabilidade, do acesso à justiça, dentre outros.

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Portanto, é imperioso se reconhecer que apenas os procedimentos céleres atendem à finalidade do processo, lhe dando efetividade, uma vez que a justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é, para muitos, justiça inacessível (ACIOLI, 2012 p. 5).

Neste diapasão, Acioli (2012, p. 6) acrescenta que:

É claro, portanto, que se deve racionalizar o tempo da demanda deforma igualitária entre os litigantes, equilibrando-se a relação processual em torno do princípio da isonomia, porquanto o direito a um provimento jurisdicional tempestivo e adequado trata-se indiscutivelmente de um direito de cidadania.

Não podemos perder de vista, é certo, que o “processo instantâneo é uma verdadeira quimera, sendo curial observar-se que “um processo extremamente seguro, mas excessivamente lento é tão inadequado quanto outro bastante rápido, mas sem nenhuma segurança”, pelo que tem-se que buscar formas de equilibrar a balança, garantindo-se um processo tão rápido quanto possível, afim de se obter uma maior segurança nos provimentos jurisdicionais. A tutela antecipada, as medidas cautelares e as técnicas de sumarização de demandas em geral, são os meios próprios para tal fim.

O colapso do sistema judiciário, pelo exposto, reflete verdadeira “crise”, o que vem acarretando singelas alterações processuais que, de certa forma, trouxeram significativas inovações para os procedimentos do Código de Processo Civil. Mas há necessidade de uma mudança maior, que atenda efetivamente os anseios da população e da comunidade jurídica como um todo.

1.3 Aspectos relevantes sobre as reformas do CPC à luz da Constituição Federal

A Constituição Federal de 1988 “realçou significativamente o compromisso do Estado Brasileiro por uma tutela jurisdicional a quem tiver razão, mediante um processo justo, acessível e realizado em tempo razoável.” (DINAMARCO, 2003, p. 29).

Com o viés de explicitar as garantias e princípios voltados à tutela constitucional do processo, o Código de Processo Civil, com grande contribuição da doutrina, passou por um significativo movimento reformador que cuidou de remover ou mitigar os óbices que se oponham à celeridade da produção do resultado desejado pelas partes (DINAMARCO, 2003, p. 29-30).

Os movimentos reformadores, segundo Candido Rangel Dinamarco (2009b, p. 25-26) originaram um “direito processual constitucional e que consiste na ‘condensação

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metodológica e sistemática dos princípios constitucionais do processo’ [...] especialmente a liberdade e igualdade.”

A jurisdição constitucional assumiu caráter de instrumentalidade do sistema processual:

[...] à ordem social econômica e política representada pela Constituição e leis ordinárias: o processo é meio, não só para chegar ao fim próximo que é o julgamento, como ao fim remoto, que é a segurança constitucional dos direitos e da execução das leis. (DINAMARCO, 2009b, p. 29-30).

No dizer de Cândido Rangel Dinamarco (2009b, p. 313-322) a perspectiva instrumental do processo, aponta aspectos positivos: a crença na aptidão do processo ao cumprimento de seus objetivos sócio-políticos-jurídicos através da efetividade; e negativos: uma tendência processualizante oriunda do apego exagerado ao formalismo e dissociação à realidade social, através do emprego da técnica processual, mitigando a ideia de que as formas são apenas meios preordenados aos objetivos específicos em cada momento processual.

O processualista acrescenta que o apego ao formalismo:

Gera falsa impressão de que os sucessos do processo criem direitos para as partes, de modo que as atenções então se desviam da real situação de direito material existente entre elas, para o modo como se comportam processualmente e o destino que em virtude disso lhes é reservado. O Código de Processo Civil teria alimentado essa tendência processualizante, não fora o correto posicionamento da doutrina e sadio trabalho dos juízes a respeito, quando instituiu o instituto do efeito da revelia e a ele associou o julgamento antecipado do mérito: a primeira leitura dos dispositivos traz a impressão de uma exacerbação do valor da conduta das pessoas como sujeitos do processo e exacerbação do próprio valor do processo em face do direito material e dos seus variados objetivos. (DINAMARCO, 2009b, p. 316-317).

O aforamento das demandas fez repensar a função do judiciário e fomentou o resgate de princípios constitucionais de caráter fundamental, sobre os quais passa-se a discorrer.

O princípio do devido processo legal, insculpido no art. art. 5º, LIV, da Constituição Federal, prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” Da sua interpretação, decorre o direito a processar e ser processado de acordo com as normas pré-estabelecidas para tanto (NUNES, 2010, p. 76).

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Este princípio é analisado conjuntamente com outro – o da segurança jurídica – previsto no art. 5º LV da Carta Magna, e reza que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” É, pois, segundo Zavascki (2000, p. 65, grifo do autor):

[...] o direito à chamada cognição exauriente, assim entendida a que submete as soluções definitivas dos conflitos a procedimentos prévios nos quais se ensejam aos litigantes o contraditório, a ampla defesa e a interposição de recursos.

O princípio da razoável duração do processo, recentemente acrescentado ao art. 5º da Constituição Federal, pela reforma da Emenda Constitucional n.º 45/2004, dispõe, em seu inciso LXXVIII que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação.”

Sobre a razoável duração do processo, Pozza (2011, p. 68) afirma que a demora na prestação jurisdicional acarreta em prejuízo de retorno ao status a quo anterior das partes, resultando, por vezes, na insatisfação da sociedade, frente ao Poder Judiciário, por que:

A garantia da duração razoável do processo impõe que a justiça atenda ao interesse público de solução dos litígios, por intermédio de uma atuação jurisdicional breve, pronta e eficaz. Com isso, atende aos interesses do Estado e da sociedade, uma vez que a justiça, quando prestada com atraso, deixa de ser justiça, ante a inviabilidade de restituir integralmente as partes ao estado anterior, sendo a decisão viciada e ineficaz, pois o tempo impede o restabelecimento do direito ferido. Como consequência da violação dessa garantia, poderá surgir a responsabilidade do Estado pela outorga da prestação jurisdicional em prazo não razoável.

De outro norte, o princípio da efetividade da jurisdição, visto como direito fundamental está previsto no art. 5º XXXV, da Constituição Federal, e consiste na prerrogativa de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” Tal princípio, segundo Nunes (2010, p. 78) significa que “todos tem o direito de ver assegurado, no processo, o bem jurídico que reivindicam.”

Zavascki (2000, p. 64) acrescenta que tal direito, também denominado de forma genérica como “direito de acesso à justiça ou direito à ordem jurídica justa” compreende também o direito de “obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos.”

Referências

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