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Conceito de incitação à violência

4.1 INCITAÇÃO À VIOLÊNCIA: PRUDÊNCIA OU EXAGERO?

4.1.2 Conceito de incitação à violência

A incitação à violência, conforme já adiantado no primeiro capítulo, corresponde a um ilícito penal, tipificado no art. 286 do Código Penal Brasileiro26, in verbis:

Incitação ao crime

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Primeiramente, cumpre frisar que referido ilícito está localizado no título IX do Código Penal, que tipifica os crimes contra a paz pública. Nesse sentido, o bem tutelado não é propriamente aquele passível de lesão, mas sim a paz pública27 . A proposta é criminalizar condutas que, se não debeladas, causarão riscos concretos à coletividade28.

Além disso, o objetivo da criminalização das condutas constantes no título IX é o de evitar fatos causadores de alarme, intranquilidade e insegurança social, abrangendo situações

24 SIMÕES, Mauro Cardoso. John Stuart Mill e a liberdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahdar, 2008, versão Kindle, posição 153.

25 MARINO, Catalina Botero. Uma Agenda Continental para a Defesa da Liberdade de Expressão: Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 2014, p. 7.

26BRASIL. Código Penal de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto- lei/Del2848compilado.htm Acesso em: 04/11/2016.

27 CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal: Parte Especial (coleção ciências criminais). 3º v. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 327; DE JESUS, Damásio. Direito Penal: Parte Especial. 3º v. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 433.

que, embora não atinjam diretamente direitos individuais ou sociais, se constituam em atos preparatórios da prática de crimes29.

No caso específico da incitação, a conduta delituosa consiste em induzir, provocar, estimular ou instigar, publicamente, a prática de determinado crime. A incitação deve necessariamente ser feita em público, de modo a ser percebida por um número indefinido de pessoas30.

Ainda, conforme definição do dicionário brasileiro da língua portuguesa (Michaelis)31, o termo incitar, significa:

1 Instigar (pessoa ou animal) a realizar algo; açular, encorajar, estimular,

induzir, solicitar, tourear: Sua ambição o incitava constantemente. “[…] a

função da literatura como força geratriz digna de prêmio consiste precisamente em incitar a humanidade a continuar a viver” (AAn).

vtd e vpr

2 Tornar(-se) mais animado ou estimulado; animar(-se), estimular(-se): O amor incitava a sua alegria. Incitou-se com a vitória na corrida.

vtd

3 Provocar determinado sentimento ou reação; desafiar: As provocações incitaram-no e ele começou a brigar.

vtd

4 Despertar ou fazer surgir algo; desafiar: O café incita a sua insônia.

Vpr (Grifo nosso)

Note-se, ademais, que o ilícito consiste precisamente na incitação de fato tipificado como crime. Assim, inexiste infração quando a incitação visar à prática de contravenção ou ato apenas considerado imoral32.

Ademais, para que reste caracterizada a infração penal, não basta que o agente incite a prática de delitos de forma genérica, é necessário que o fato delituoso incitado seja específico e determinado33. Do contrário, a medida seria inócua34.

29 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.; Manual de Direito Penal: Parte Especial. 3º v. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 163.

30 CUNHA, op. cit., p. 327; CAPEZ, op. cit, p. 312; MIRABETE; FABBRINI, op. cit.; p. 163.

31 MICHAELIS: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 2015 32 CUNHA, op. cit., p. 327; CAPEZ, op. cit, p. 312; MIRABETE; FABBRINI, op. cit.; p. 164; JESUS, op. cit., p. 434.

33 CUNHA, op. cit., p. 327; CAPEZ, op. cit, p. 312; MIRABETE; FABBRINI, op. cit.; p. 164; JESUS, op. cit., p. 434.

Nesse sentido, seriam exemplos de fatos determinados: “conclamar publicamente titulares de determinado direito a fazer justiça com as próprias mãos”35 e “estimular moradores de um bairro pobre a realizar sequestros como a melhor forma de enriquecer”36.

Além disso, para que o ilícito se configure, é impreterivelmente necessário haver dolo por parte do agente, isto é, vontade consciente de incitar a prática de crime determinado, sabendo que se dirige a um número indeterminado de pessoas37. É preciso, assim: a ciência38, vontade ou seriedade de incitar a prática de crime determinado39.

Acerca do dolo, os autores do livro Pensar o Direito ponderam que, quando questionamos se uma pessoa tem ou não consciência de seus atos, o que buscamos saber, na verdade, é se ela tem juízo crítico da sua conduta, qualidade ética e moral da personalidade que resulta da interação com o sistema cultural de que faz parte40.

Assim, frente a todo o exposto, é possível concluir que, para o direito brasileiro, o ato de incitar a violência corresponde a uma atitude intencional de levar alguém (ou um número indeterminado de pessoas) a praticar um fato específico tipificado como crime.

Por fim, observa-se que a Corte Suprema dos Estados Unidos acrescenta ainda mais um requisito para que ocorra a incitação à violência, o de que seja provável que o ato ilícito incitado venha a ocorrer imediatamente. Sobre o tema, leciona Passos (2008):

Em Whitney versus California, a Suprema Corte já havia sugerido que a advocacia em abstrato de condutas ilícitas não constitui incitação. A incitação

é algo como um discurso intencionalmente destinado a levar a audiência a uma atividade ilegal que seja provável de ocorrer imediatamente41.

(Grifo nosso)

Ademais, do exposto, verifica-se que o ato de incitar a violência se trata, conforme classificação dos atos da fala formulada por John Searle (2002), de um discurso diretivo, isto é, uma locução que tem por propósito levar o ouvinte a fazer algo, seja timidamente (por meio de um convite, por exemplo) ou de modo mais incisivo (quando há insistência pelo locutor) 42.

35 CUNHA, op. cit., p. 327. 36 CAPEZ, op. cit, p. 314. 37 CUNHA, op. cit., p. 327. 38 CAPEZ, op. cit., p. 315.

39 MIRABETE; FABBRINI, op. cit.; p. 165.

40 VIEIRA, Guilherme Feijó; SEGATA, Jean; DA SILVA CRISTÓVAM, José Sérgio; MACHADO, Nivaldo.

Pensar o Direito. Rio do Sul: Unidavi, 2011, p. 37.

41 PASSOS, op. cit, p. 45.

42 SEARLE, John R. Expressão e Significado: Estudos da teoria dos Atos da Fala. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

De acordo com o autor, neste caso, a intenção do falante é de que o mundo passe a corresponder às suas palavras e a condição da categoria consiste na vontade (ou desejo) do interlocutor. Seriam verbos que denotam esta classe, por conseguinte: “pedir, convidar, ordenar, mandar, pedir, suplicar, pleitear, rezar, permitir e aconselhar”43.

Categoria que diverge dos chamados atos expressivos da fala, cujo propósito não é o de induzir alguém a algo, mas o de expressar um sentimento ou uma emoção a respeito de algo. Neste, o falante não está buscando fazer com que o mundo corresponda às suas palavras ou que suas palavras correspondam ao mundo: “a verdade da proposição expressa é pressuposto”44.

Assim, enquanto o propósito de um diretivo é o de levar o ouvinte a praticar determinada conduta (caso da incitação à violência), o objetivo de um expressivo é tão somente o de expressar-se emocionalmente acerca de como alguma coisa é, independentemente desta representação ser verdadeira ou não, precisa ou imprecisa45.

Frente a todas estas explicações, cabe então inferir se, no caso em concreto, ao divulgarem publicamente as músicas Tapa na cara e Tapinha não dói, as gravadoras Sony Music e Furacão 2000 praticaram, ou não, o ato de incitação à violência. Ponto a ser analisado no próximo tópico.