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No âmbito da Biologia da Conservação, Hunter e Angermeier definem o termo “natural” como «algo que não tenha sido feito ou influenciado pelo Homem, em particular pela tecnologia.» (t.a.) (Hunter,1996; Angermeier,2000 in Machado, 2004, p. 95). Então, deduz-se que, tal como afirma António Machado: «Se aceitarmos “natural” como sendo o antónimo de “artificial”, a “naturalidade” ou a qualidade de ser natural expressará o nível a que algo ocorre sem influência artificial.» (t.a.) (Machado, 2004, p. 95).

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A influência artificial não está claramente definida. Alguns autores vêem a explosão tecnológica da sociedade moderna como o ponto de partida da artificialidade (Mackey, Lesslie, Lindenmayer, Nix, & Incoll, 1998 in Machado, 2004, p. 95); outros defendem que esta se iniciou com o aparecimento da agricultura há cerca de 8000 anos (Demangeot, 1989 in Machado, 2004, p. 95). Há ainda quem afirme que o Homem é parte da Natureza e que, por conseguinte, as suas actividades devem ser consideradas naturais (Comer, 1997 in Machado 2004, p. 95). A hipótese mais sensata é a que encara o Homem como um misto de biologia e cultura e avalia a condição de naturalidade ou artificialidade de acordo com a componente que lhe dá origem. De facto, um nascimento humano sem assistência tecnológica é um evento natural (Angermeier, 2000 in Machado, 2004, p. 95). Assim, a influência dos povos indígenas pode ser considerada natural (Mackey, Lesslie, Lindenmayer, Nix, & Incoll, 1998 in Machado, 2004, p. 95).

A conservação da Natureza utiliza o conceito de naturalidade como valor de conservação e como parâmetro ou descritor do estado dos ecossistemas (Machado, 2004, p. 96). No que diz respeito ao primeiro significado, alguns autores asseguram que «o valor - utilitário ou intrínseco – é claramente definido: os sistemas naturais e a diversidade biológica são benéficos e devem ser conservados.» (t.a.) (Soulé, 1986 in Machado, 2004, p. 96).

É um valor fundamental enquanto objectivo de conservação, apresentando vantagens em relação a outros conceitos que são muitas vezes utilizados. É o caso da “saúde ambiental” que transmite a ideia de funcionamento vigoroso e manutenção de determinado território ou o desenvolvimento em direcção a um estado desejável (Freyfogle & Newton, 2002 in Machado, 2004, p. 96). Hunter chama a atenção para o facto de este conceito sugerir que apenas existe saúde quando a fase clímax da sucessão ecológica é atingida (Hunter, 2000 in Machado, 2004, p. 96). Para António Machado, uma floresta em recuperação de um tornado pode considerar-se saudável (Machado, 2004, p. 96). O conceito de naturalidade segundo Loidi (2008) confirma que se pode atribuir elevado valor, tanto a comunidades climácicas como a comunidades simples de sistemas dunares, de sapais e de alta montanha, que se mantêm naquela etapa de sucessão, não por sofrerem perturbações de origem humana, mas devido às condições edafo-climáticas naturais a que estão sujeitas (Arsénio, 2011, p. 186). Os valores de integridade ecológica, integridade biológica e integridade biótica têm vindo a adquirir relevância, sendo os dois últimos alheios à existência de elementos não bióticos no ecossistema. A integridade ecológica assemelha-se ao conceito de naturalidade, uma vez que se considera que «um ecossistema atinge a integridade quando possui todos os seus componentes nativos (plantas, animais e outros organismos) e processos (i.e. crescimento, reprodução) intactos». (t.a.) (Parks Canada Panel on Ecological Integrity, 1998 in Machado, 2004, p. 96). Contudo, a associação do conceito de integridade à Ecologia não é a mais

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adequada, pois esta ciência estuda tanto os componentes naturais como os componentes não naturais do ecossistema. Outros valores como a beleza, a complexidade e a produtividade não garantem o aumento da sustentabilidade (Machado, 2004, p. 96). Assim, o conceito preferencial é, sem dúvida, o de naturalidade. No entanto, a questão sobre até que ponto um ecossistema deve ser mais ou menos natural para que permita a subsistência da nossa espécie ou de outras, continua em aberto. É necessário distinguir os vários contextos que se nos apresentam. Por exemplo, deve reconhecer-se que as áreas naturais protegidas devem ser geridas no sentido de preservar a naturalidade, enquanto noutras áreas com maior presença humana, a preocupação deve ser a de atingir a sustentabilidade (Machado, 2004, p. 96).

António Machado propõe um índice de naturalidade fortemente orientado para a sua aplicação prática. O índice baseia-se no princípio de que os ecossistemas são artificialmente alterados por três causas que se interrelacionam:

 A incorporação de novos elementos (i.e. espécies exóticas, poluentes, artefactos);  O deslocamento ou perda dos seus próprios elementos;

 Mudança de fluxos e dinâmicas devido à entrada de energia adicional. (Machado, 2004, p. 100)

Por se tratar de uma análise ao sistema, o autor refere que é fundamental limitar a área de estudo, de forma a identificar os inputs ou outputs no ecossistema (Machado, 2004, p. 100). Todas as trocas são contabilizadas com rigor, sendo que um animal ou planta – quer seja nativa ou exótica - introduzida pelo Homem no interior dos limites estabelecidos conta como antrópico e subtrai naturalidade a essa parcela (Machado, 2004, p. 101).

O índice varia numa escala de 10 a 0, do maior grau de naturalidade para o menor, sendo cada grau definido por um conjunto de critérios:

 A natureza dos elementos presentes e a causa da sua presença/ausência e predominância. Os elementos bióticos podem ser naturais ou antropogénicos e os elementos artificiais incluem objectos e artefactos, mas também poluentes químicos;

 Adição de energia e matéria ao sistema;

 Alteração física da geomorfologia ou da disposição dos elementos físicos no ambiente;

 Extracção de elementos do sistema, quer bióticos (caça, pesca, colheita) quer abióticos (minério, extracção de terra, captação de água);

Fragmentação do Continuum naturale por infraestruturas;

 O impacte nas Dinâmicas. Os ambientes naturais tonam-se culturais quando as suas dinâmicas passam a depender da actividade humana ou dos seus inputs de energia. O ciclo da água merece especial atenção por ser dos mais afectados.

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O termo “virgem” é usado na categoria 10, no sentido dado pela definição que consta do dicionário da Academia Real Espanhola: ” o que não possui artificialidade na sua formação”. Por exemplo, uma floresta secundária que se desenvolve livremente sem interferência humana acabará por ser um sistema natural, apesar de ter sido abatida num passado mais ou menos remoto. Contudo, deixa de se considerar virgem, intacta ou prístina (Machado, 2004, p. 101).

No que diz respeito à presença humana, surgem dificuldades na interpretação da sua naturalidade. No caso das ilhas oceânicas é mais simples, pois todas foram colonizadas pelo uso de tecnologia (navegação). Já em territórios continentais, a interpretação é mais complexa, mas poderá ser útil julgar as actividades humanas, separando aqueles casos em que os nossos impactes são semelhantes aos de mais um mamífero predador e recolector, dos casos em que a tecnologia é aplicada com impacte significativo no ambiente, que vão desde a agricultura até à industrialização (Machado, 2004, p. 101). O método de avaliação de naturalidade proposto por Machado (2004) pode ser aplicado com rapidez razoável tendo disponível informação cartográfica, fotografias aéreas e mapas de vegetação (Machado, 2004, p. 102). É fornecido um quadro auxiliar de diagnóstico (Quadro 3 – Anexo I), em que os critérios são apresentados em colunas por categoria. Avalia-se a parcela segundo cada critério, marcando sequencialmente as caixas apropriadas. Por fim, observa-se a tendência geral da barra formada pelas caixas e selecciona-se o grau de naturalidade que melhor se adequa, de acordo com as características definidas para cada um (Quadro 4 – ver Anexo II) (Machado, 2004, pp. 103–104).