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Importância de um elevado grau de naturalidade da paisagem na profundidade da

2.7 NATURALIDADE E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

2.7.1 Importância de um elevado grau de naturalidade da paisagem na profundidade da

No âmbito exclusivo da estética, e particularmente da experiência do belo, é questionável se uma paisagem com elevado grau de naturalidade deve ser apreciada de forma diferente de

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uma paisagem com baixo grau de naturalidade, pois a sua beleza pode ser equiparável. Como Rolston afirma: «Até uma floresta muito perturbada pode proporcionar alguns benefícios em termos de apreciação da natureza». (t.a.)(Rolston, 1998 in Hughes & Morrison-Saunders, 2003, p. 200). No entanto, quando se fala de sublime, verifica-se uma maior frequência e intensidade deste sentimento na experiência estética de paisagens com maior grau de naturalidade. A apreciação de um ambiente artificial pode ser comparada à apreciação de uma obra de arte. Partindo deste princípio, são vários os autores que defendem o grau de naturalidade como um factor importante na profundidade da experiência estética. Há, de facto, algo nos elementos naturais que nos transmite a sensação de inclusão num sistema global, patente na afirmação de Simmel: «Quando nos referimos a um ser como natureza, queremos significar ou uma qualidade intrínseca, a sua diferença em relação à arte e ao artificial, em relação ao ideal e ao histórico, ou o que nele deve funcionar como representante e símbolo daquele ser global cujo fluxo ouvimos sussurrar nele.» (Simmel, 2013a, p. 42).

Para Kant «[…] é a experiência da beleza da natureza e não a experiência da beleza artística que constitui a protoexperiência estética. É ela que nos faz descobrir em nós uma nova faculdade – a faculdade de julgar reflexionante – e um novo princípio transcendental meramente subjectivo – o da conformidade a fins da natureza (teleoformidade da natureza) que constitui o próprio juízo estético ou de gosto na sua peculiar autonomia. […] É por ocasião da reflexão sobre a beleza da natureza que a faculdade de julgar surpreende em si um princípio transcendental peculiar, o da teleoformidade da natureza, o qual depois se revela fecundo para compreender também a própria criação artística humana e sobretudo aquela secreta arte que a natureza põe em jogo na produção dos seus seres orgânicos.»(Santos, 2006, p. 19). Os quatro argumentos kantianos que defendem o primado da beleza natural sobre a da arte são os seguintes:

a) A beleza natural é o caso por excelência de beleza livre, resultante de um juízo puro destituído de interesse, enquanto o juízo sobre as obras de arte implica conhecimentos e uma avaliação da sua perfeição (Serrão, 2013f, p. 325).

b) A obra de arte é uma representação: «Uma beleza da natureza é uma coisa bela; a beleza da arte uma representação bela de uma coisa.»(Serrão, 2013f, p. 325).

c) A ausência de interesse utilitário ou moral na contemplação do natural revela uma disposição do ânimo favorável ao sentimento moral: «Afirmo que tomar interesse imediato pela beleza da natureza […] é sempre um sinal de uma alma boa.»(Serrão, 2013f, p. 326). d) A afinidade entre estética e ética é parte constituinte da experiência do sublime, que ocorre face às manifestações da Natureza selvagem. O sentimento de repulsão e impotência do Homem na sua condição empírica, perante a incomensurabilidade da

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Natureza é superado pela atracção em resposta à infinitude, demonstrando o poder da moralidade (Serrão, 2013f, p. 325–326).

Joseph Addison afirma igualmente que «se considerarmos as obras da natureza e da arte quanto à sua capacidade para entreter a imaginação, encontraremos as últimas muito imperfeitas em comparação com as primeiras, pois embora, por vezes, possam parecer belas ou estranhas, nada são capazes de conter em si daquela vastidão e imensidão que proporcionam tão grande entretenimento à mente do observador. [...] Há qualquer coisa de mais ousado e magistral nos traços toscos e descuidados da natureza do que nos esmerados retoques e embelezamentos da arte.» (Addison,1712 in Serrão, 2013f, p. 323).

Adriana V. Serrão associa de modo semelhante, o sublime à Natureza selvagem: «Suscitada por manifestações da grandeza ilimitada ou da potência desmedida da natureza selvagem, […], a vivência do sublime tem início numa desconformidade entre a receptividade da sensibilidade e o mundo fenoménico, que anula qualquer expectativa de prazer.»(Serrão, 2013g, p. 24) e denuncia a sua perda eminente: «A par da destruição massiva, assistimos à tentação não menos preocupante, de embelezamento obsessivo, com a ameaça de extinção da natureza selvagem e, com ela, da perda do sentido do sublime.»(Serrão, 2013f, p. 331). Ilustrativo da experiência do sublime, também designada «epifania ambiental»(Merrick, 2008 in Bernardo, 2013, p. 154) é o relato de um soldado em missão num rio quase prístino e com abundante fauna selvagem, localizado numa área militar: «Senti uma relação muito próxima e achei então que essas áreas tinham que ser preservadas… Foi uma sensação de liberdade, liberdade total, uma sensação de poder, um poder imparável e liberdade. […] A insignificância de uma pessoa, o poder da natureza e como facilmente uma pessoa pode ser varrida como um pequeno microrganismo…[…] Uma sensação de grande serenidade.» (Stalenberg, 2002 in Bernardo, 2013, p. 155).

No âmbito do ecoturismo, também existem fontes que confirmam a importância do estado natural/selvagem na visita de um determinado lugar. Tanto Clarke como McKercher afirmam que um cenário com um baixo grau de perturbação é um requisito para uma verdadeira experiência de ecoturismo, acrescentando que as áreas degradadas, desenvolvidas ou sobrelotadas, não parecem oferecer uma verdadeira experiência de Natureza. (Clarke,1997; McKercher, 1996 in Hughes & Morrison-Saunders, 2003, p. 191).

Contudo, Maria José Varandas afirma que «[…] a alegação de uma natureza intocada onde a beleza floresce em múltiplas formas próprias e em todas as suas partes, parece ignorar o facto da omnipresença humana no mundo e a correspondente influência global da sua acção como factor de inegável afecção de toda a superfície planetária. Em consequência, o que Carlson apresenta como tese – a de que a natureza virgem possui uma mais-valia estética relativamente à intervencionada pelo homem – colocar-se-á sobretudo como conjectura. Na

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realidade, onde está a Natureza virgem?»(Varandas, 2012, p. 5). É verdade que os lugares intocados pelo Homem são extremamente raros no planeta. Todos são afectados pela dispersão aérea e aquática de poluentes, pelo que podemos realmente afirmar que vivemos na época geológica do Antropoceno. No entanto, existem alguns ambientes muito pouco alterados, alguns dos quais se encontram na obra fotográfica Génesis de Sebastião Salgado e que servem, sem dúvida, como referência no que diz respeito à apreciação estética da Natureza prístina. A obra reúne fotografias recolhidas em vários pontos do planeta, como a Antártida, a América do Sul, a Indonésia, as Ilhas Galápagos, a Ilha de Madagáscar, África, a América do Norte e a Sibéria. Desde a Figura 2 até à 9 podem observar-se alguns exemplares.

Figura 3 - Sebastião Salgado (2009), Ilha Zavodovski,

Ilhas Sandwich do Sul. [Em linha].Disponível em: <http://www.ibtimes.co.uk/sebastiao-salgado-

retrospective-exhibition-powerful-images-by-brazilian- photographer-1467040>. [Acedido em 9 Jun. 2016].

Figura 2 - Sebastião Salgado, (2005), The Brooks

Range, Alasca. [Em linha]. Disponível em: <http://www.snpcultura.org/genesis_exposicao_sebast iao_salgado.html>. [Acedido em 9 Jun. 2016].

Figura 4 - Sebastião Salgado (2005), Sand dunes,

Namíbia. [Em linha]. Disponível em: <http://metiviergallery.com/artists/sebastio-salgado- /genesis>. [Acedido em 9 Jun. 2016].

Figura 5 - Sebastião Salgado, (2011), Bighorn Creek,

Parque Nacional de Kluane, Canada. [Em linha]. Disponível em:< http://www.ibtimes.co.uk/sebastiao- salgadoretrospective-exhibition-powerful-images-by- brazilian-photographer-1467040>. [Acedido em 9 Jun. 2016].

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Figura 8 - Sebastião Salgado, (2005), The Brooks

Range, Alasca.[Em linha]. Disponível em: <http://www.ibtimes.co.uk/sebastiao-salgado- retrospective exhibition powerful-images-by brazilian photographer-1467040>. [Acedido em 9 Jun. 2016].

Figura 7 - Sebastião Salgado, (2009), Grandes

dunas entre Albrg e Tin Merzouga, Tadrart, Sul de Djanet, Argélia. [Em linha]. Disponível em: <https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/seba stiao-salgado-viu-inicio-e-passou-a-fazer-parte- dele-1690207>.[Acedido em 9 Jun. 2016].

Figura 6 - Sebastião Salgado (2009), The Anavilhanas,

Amazonas, Brasil. [Em linha]. Disponível em:< http://metiviergallery.com/artists/sebastio-salgado-/genesis> .[Acedido em 9 Jun. 2016].

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2.7.2 Importância do conhecimento do grau de naturalidade da paisagem na