• Nenhum resultado encontrado

CONCEITO DE PUNIÇÃO ADOTADO PELO ESTADO

A concepção de punição praticada pelo Estado costuma permanecer, infelizmente, a margem dos principais focos dos embates políticos: saúde, infra-estrutura, desenvolvimento econômico, educação, dentre outros. Não por falta de relevância, mas, talvez, porque além de polêmica, a punição constitui parte de um modelo disciplinar difícil de ser percebido e compreendido, e mais complicado ainda de ser alterado, tendo em vista que envolve toda uma cultura12 historicamente construída ao longo de muitos anos.

Parece estranho ao ouvido quando se escuta, em pleno século XXI, o comentário de que as punições psicológicas e corporais continuam acontecendo, principalmente, nas instituições que privam os indivíduos de liberdade, sejam estes garotas, jovens, mulheres ou homens. Por vezes, até se prefere ignorar o funcionamento de tais instituições, já que na maioria dos casos não se possuí entes queridos envolvidos nessa situação e adquiri-se o mau hábito de ignorar os problemas que são considerados alheios a nossa pessoa. Principalmente, aqueles que envolvem uma minoria pouco representativa, excluída, e que é julgada prematuramente responsável ou no mínimo coresponsável pela desestruturação da paz social.

Configura-se importante perceber que a concepção de punição concebida pelo Estado envolve todos os indivíduos na sociedade, estando estes cumprindo alguma determinação judicial ou simplesmente frequentando instituições sociais e espaços de convivência comunitária. Pois, como cidadãos, já nasceram em um ambiente repleto de normas ou regras de conduta, que de maneira direta ou indireta vão influenciar e até ditar atitudes e comportamentos. E “não é possível compreender o movimento da criminalidade urbana, ignorando o funcionamento das agências de controle e repressão ao crime” (RAMALHO, 2002, p. 17), ou a forma com que a punição se apresenta nessas instituições.

Todas as leis, implícitas ou explicitas, escritas ou costumeiras13, que perpetuam com maior ou menor intensidade nas relações sociais desrespeita a população e devem ser analisadas criticamente antes de assimiladas como verdades absolutas ou determinações inquestionáveis. Inclusive, como as questões sociais se entrelaçam, uma norma que

12 Toma-se como conceito de cultura a definição de Rosental e Iudin (1950) que a define como o

conjunto de valores materiais e espirituais criados pela humanidade, no curso de sua história.

13

Führer (2007) define que as normas escritas são aquelas que constam em um documento, enquanto as costumeiras baseiam-se nas tradições.

aparentemente não interessa a alguns vai gerar situações e ações que repercutem no todo social indissociável.

Estando todos, independente da vontade individual, inseridos numa concepção de punição adotada por alguns e praticada pelo Estado, torna-se viável analisar a concepção de punição ao longo da história, bem como a maneira como esta é concebida na atualidade. Tomando a punição como uma função social complexa, que pode produzir efeitos positivos, mas que está diretamente relacionada a uma perspectiva política, tenta-se compreender a metamorfose dos métodos punitivos e do poder de julgar, com suas justificativas, regras e relações de poder.

A priori, optou-se por tentar, com ajuda do dicionário, definir, mesmo que superficialmente, o conceito de punição. Para facilitar a compreensão histórica do modo como foi mudando, ao longo do tempo, a ideia acerca desse construto.

Segundo Michaelis (1998, p.1022), punir significa “aplicar punição a; castigar; reprimir”. Assim, punição é a pena ou o castigo. E o ato punitivo, fundamentalmente, caracteriza-se pela ação que pune ou castiga. Vale ressaltar que a punição por intermédio do castigo visa admoestar, advertir, repreender através de sofrimento corporal ou moral infligido a um suposto culpado, onde a pena nada mais é do que a aflição, o sofrimento, a contrariedade, o desgosto, a tristeza, a retaliação. Tais afirmativas deveriam expressar características unicamente de períodos histórico passados, levando em consideração que hoje o direito penal se apresenta bem mais complexo, mas muitas destas ainda estão presentes na atualidade.

A pena nunca foi a mesma para as diversas maneiras de burlar a disciplina imposta, variava de acordo com a classe social, o ato indesejado, os agravantes e os atenuantes. Já nos dias atuais, a classe social, por exemplo, não é um aspecto formalmente levado em conta e as penas são proporcionais à gravidade do delito, definidas pelo valor axiológico e não econômico.

Então, faz-se necessário contextualizar historicamente a punição para possibilitar maior compreensão, afinal o conceito de punição tal como compreendido atualmente foi socialmente construído e as características de suas raízes históricas foram se alterando a passos lassos, com conquistas tênues, que merecem análises e esclarecimentos visando propiciar um conhecimento mais crítico.

No século XVIII, o processo penal tinha por finalidade a condenação do acusado em detrimento de sua função de garantia, caracterizadas pela crueldade na execução das penas, quase sempre corporais, cujo objetivo consistia na vingança social e intimação do indivíduo. A punição ocorria fazendo dos castigos o espetáculo da dor corporal, o suplicio diretamente físico, que exaltava a figura do carrasco14. Correlacionava-se o tipo de ferimento físico, seu tempo de duração e a forma de massacre com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, e, principalmente, o nível social das vítimas (FOUCAULT, 2009). Todavia, o suplício requeria um ritual organizado para marcar a vítima e exaltar o poder de quem pune almejando a prevenção primária15, na qual o personagem principal era o povo que deveria além de saber, ver com seus próprios olhos a punição, para que tivessem medo e se sentissem inibidos a prática de atos contraventores.

Foucault (2009) comenta a punição praticada no século XVIII:

“[...]. Há um código jurídico da dor: a pena, quando é suplicante, não se

abate sobre o corpo ao acaso ou em bloco: ela é calculada de acordo com regras detalhadas: número de golpes de açoite, localização do ferrete em brasa, tempo de agonia na fogueira ou na roda (o tribunal decide se é o caso de estrangular o paciente imediatamente, em vez de deixá-lo morrer, e ao fim quanto tempo esse gesto de piedade deve intervir), tipo de mutilação a impor (mão decepada, lábios ou língua furada). [...] (p. 36).

Percebe-se, então, o intuito de calar todas as vozes diante da justiça do soberano, na qual a força do rei era inquestionável e suas determinações, independente de quais fossem elas, deveriam ser aceitas prontamente. Essa interpretação acerca da temática acima descrita é, atualmente, heterodoxa, pois a interpretação quase consensual é a de que a punição expressa um aspecto retributivo, significando algo considerado merecido pela conduta reprimida. Entretanto, no passado, a punição possuía caráter puramente valorativo expresso no sentido de castigo “merecido”.

No Brasil, pode-se exemplificar esse método punitivo no famoso caso de Tiradentes, membro do movimento intitulado Inconfidência Mineira (1792), que objetiva a Independência do Brasil, considerado pelo soberano um traidor da nação por defender um ideal de liberdade.

14 O executor do castigo corpóreo, ator que cumpre a ordem de um superior para fazer sofrer o

condenado.

15 A “prevenção primária” é uma espécie de advertência a quem ainda não delinquiu. Ensejando a

expressão “punição exemplar”. Este aspecto tem natureza pragmática. Não pretende retribuir com algo merecido, nem se preocupa com castigo justo, mas com a eficácia instrumental de uma política destinada a reduzir os índices de delinquência.

Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes) foi condenado à morte por esquartejamento, cada membro do seu corpo foi amarrado em um cavalo diferente, que estimulados a tracionar em direções opostas, decepou seu corpo em quatro pedaços. Outro caso representativo pela divulgação na história é o da Conjuração Baiana ou Conjuração dos Alfaiates (1789), que também influenciado pela ideia de liberdade e igualdade, visando à independência da capitania baiana, teve seus líderes identificados pelas autoridades e punidos com rigor, culminando na condenação de quatro deles à morte por execução e esquartejamento.

Nesse longo e sombrio período da história penal:

sob o regime de Direito, o absolutismo do poder público, com a preocupação da defesa do príncipe e da religião, cujos interesses se confundiam, e que introduziu o critério da razão de Estado no Direito Penal, o arbítrio judiciário, praticamente sem limites, não só na determinação da pena, como ainda, muitas vezes, na definição dos crimes, criava em volta da justiça punitiva uma atmosfera de incerteza, insegurança e justificado terror. Justificado por esse regime injusto e cruel, assente sobre a inícua desigualdade de punição sobre nobres e plebeus, e seu sistema repressivo, com a pena capital aplicada com monstruosa frequência e executada por meios brutais e atrozes, como a forca, a fogueira, a roda, o afogamento, a estrangulação, o arrastamento, arrancamento de vísceras, o enterramento em vida, o esquartejamento; as torturas em que a imaginação se exercitava na invenção dos meios mais engenhosos de fazer sofrer e multiplicar e prolongar o sofrimento; as mutilações, como as de pés, mãos, línguas, lábios, nariz, orelhas, castração; os açoites; as penas propriamente infamantes, e onde a pena privativa da liberdade, quando usada, se tornava hedionda pelas condições em que então se executava (BRUNO, 1959, p.88-89).

A punição possuía basicamente dois objetivos: punir aquele que ousasse infringir ou ao menos questionar as decisões do soberano, e inibir o restante da população na prática de atos semelhantes. O castigo não deveria ser simples ou rápido porque não visava simplesmente exterminar o “malfeitor”, mas, principalmente, propagar todo seu sofrimento e sua dor, exacerbando o poder do chefe de Estado e assegurando o “respeito” de todos às suas decisões. A “prevenção secundária” 16 era efetivada, principalmente, pelo medo e temor de sofrer castigos já vivenciados, porque não havia assistência social, escolarização, ou atividades ressocializadoras visando “regenerar” o condenado para que este não voltasse a delinquir.

16 A “prevenção secundária” consiste em ressocializar o agente da conduta tipificada como crime.

Concretamente se apresenta pelo conjunto de medidas destinadas a evitar que o condenado volte a delinquir, seja oferecendo cursos, emprego, assistência social, etc.

Antes de condenar o sujeito ao suplício, eram apurados os indícios para construir uma prova judicial, aspectos estes que muitas vezes não passavam de uma opinião mais ou menos fundamentada, que se baseavam em testemunhos e no próprio comportamento do réu, como: o seu nervosismo no interrogatório, sua fuga, contradições na argumentação de sua defesa, dentre outros. Na verdade, essas exigências formais da prova jurídica não passavam de um modo de controle interno do poder da “justiça”, porque a informação penal era secreta, monopolizada e imposta pelos detentores do saber judicial, onde as decisões eram tomadas na ausência do acusado e sem seu conhecimento.

Diante desse mecanismo parcial, unilateral e secreto, o ideal era levar o acusado a confessar o crime, afinal, seria uma prova incontestável, que se basta em si, por ser forte e contundente, não haveria necessidade de buscar qualquer outro indício. Em suma, a “verdade” era apurada ou através do inquérito conduzido em sigilo pela autoridade judiciária ou pela confissão muitas vezes induzida ou obrigada para facilitar o processo.

Argumentava-se que torturar o condenado antes de matá-lo, configurava-se um ritual necessário, pois possibilitava a salvação da alma, já que a vida corpórea estava destinada ao fim. É mister perceber que o suplício judiciário compreendia, também, um caráter político que se traduzia em manifestação do poder sustentada pelas cerimônias públicas que reativavam a força soberana. “E esta superioridade não é simplesmente a do direito, mas a força física do soberano que se abate sobre o corpo de seu adversário e o domina: atacando a lei, o infrator lesa a própria pessoa do príncipe: ela [...] se apodera do corpo do condenado para mostrá-lo marcado vencido, quebrado” (FOUCAULT, 2009, p. 49). Tais descrições se ajustam muito bem ao direito penal desse passado longínquo.

Antes de iniciar os comentários sobre as mudanças ocorridas nesse sistema de controle social realizado mediante o mais brusco suplício do corpo, cabem algumas questões: Quem definia as leis, a maioria da população ou a minoria dela? O povo não tomava conhecimento das leis e do modo de julgar, porque aplaudiam as penas? O que as pessoas podiam fazer caso não concordassem com os castigos? Existia democracia?

O estudo não pretende responder a estas inquietações, pois objetiva muito mais conduzir à reflexão que induzir a opiniões, e não almeja desrespeitar a capacidade crítica do leitor. Todavia, propiciará a percepção de que, apesar de toda evolução judicial, muitos aspectos pertinentes na concepção de punição permanecem vivos no seio da sociedade depois

de anos de história, mesmo que com outra roupagem, vivencia-se uma conotação de punição questionável.

Após a Revolução Francesa, durante o século XVIII, surgiu uma reação humanitária decorrente do Iluminismo, em defesa da liberdade, igualdade e justiça, desvinculando a punição das preocupações éticas e religiosas e passando a ser concebida como uma medida preventiva. Nesse período de efervescência político-cultural, surgiu na Itália, no ano de 1764, a obra “Dos Delitos e das Penas”, da lavra do marquês Cesare Beccaria, que exerceu influência crucial na legislação da época, marcando decisivamente o direito penal moderno.

A referida obra, inspirada nas concepções de Montesquieu, Rousseau, Locke e Helvétius, desenvolveu conceitos de extrema importância para a compreensão do direito penal atual, tais como a ideia da estrita legalidade dos crimes e das penas. Ademais, revelava sua preocupação com o bem comum e com a dinâmica dos direitos e obrigações, representando uma lição de justiça e humanidade, com o critério de que a medida da pena será proporcional ao dano causado à sociedade.

Na segunda metade do século XVIII, iniciavam-se os protestos contra os suplícios apoiados por parlamentares, juristas, magistrados, filósofos, etc. Surgia a ideia de que o ato de punir deveria ocorrer de outra maneira, não mais da confrontação física do condenado com o chefe do poder, porque acendia a cólera contida do povo. Logo o suplício foi se tornando intolerável, e a solidariedade com os pobres (vagabundos e mendigos) se manifestou continuamente por intermédio da resistência ao policiamento, ataques contra sentinelas e inspetores, caça aos denunciantes, dentre outros (FOUCAULT, 2009).

Com a população mais condescendente com os miseráveis que cometiam pequenos delitos e já acostumada com execuções, os reformadores do século

XVIII

e XIX apelavam pela suspensão das cerimônias de suplício, já que estas não assustavam mais o povo e incentivava a revolta popular. O objetivo, então, era que a justiça criminal punisse o condenado ao invés de se vingar dele.

As ideias reformistas contribuíram para o desenvolvimento de uma reforma legislativa, conhecida como movimento codificador, que tem início ainda no final do século XVIII. Essa transição ideológica ocasionou o afrouxamento das penalidades efetivadas no fim do século XVIII, esse fato foi decorrente da própria dinâmica dos crimes. Pois, a princípio

eram mais violentos, envolvendo sangue e agressão ao corpo (assassinatos, ferimentos e golpes); posteriormente se caracterizaram mais pelo delito contra a propriedade (furtos, falsificações e sonegação). “[...] os criminosos do século XVII são homens prostrados, mal alimentados, levados pelo impulso e pela cólera, criminosos de verão; os do século XVIII, velhacos, espertos, matreiros que calculam, criminalidade de marginais; modifica-se enfim a organização interna da violência [...]” (FOUCAULT, 2009, p. 73).

O século XIX marca o surgimento de várias correntes de pensamento baseadas em princípios fundamentais, considerado como período humanitário:

a) A Escola Clássica, que tem origem na filosofia grega antiga, se caracteriza por adotar uma linha filosófica de cunho liberal e humanitário. Para essa corrente, a pena não surge como uma condenação social ou uma resposta à sociedade, mas visando a satisfação da própria justiça. A pena é aceita como um remédio para o crime, possuindo um caráter retributivo e preventivo;

b) A Escola Positiva, conhecida como Escola Antropológica, Naturalista ou Realista tem como princípio fundamental a negação do livre-arbítrio, sendo adepta do determinismo psicológico ou volicional. Segundo essa escola, o homem não é livre e soberano em sua decisão, eis que existem forças e motivos que atuam sobre eles. A Escola Positivista pode ser estudada em três períodos ou fases para facilitar a compreensão: 1ª - conhecida como antropológica e tendo como principal expoente César Lombroso com a obra “L´uomo delinquente” (1876) que defendia que o homem não é livre, mas determinado por forças inatas. 2ª - sociológica, representada por Enrico Ferri escritor de “Sociologia Criminale” (1892) que defendia que não há vontade humana. O homem, afirma Ferri, age como sente e não como pensa, eis que são sempre um produto de seu organismo fisiológico e psíquico e da atmosfera física e social onde nasceu e na qual vive (FERRI, 1905, p 205). 3ª - a fase jurídica, representada por Rafael Garafalo que publicou o estudo “Criminologia” em 1885, houve uma sistematização jurídica da escola, estabelecendo-se, em suma, quatro princípios: a periculosidade como base da responsabilidade do delinquente; a prevenção como finalidade da pena; a ideia de que o direito de punir consiste na teoria da Defesa Social, abdicando, assim, dos objetivos reabilitadores e, por fim, a definição sociológica de crime natural

(BITENCOURT, 2009, p.57). Após esta última fase, extrai-se da Escola Positiva a ideia de que o direito penal é um produto social e que a responsabilidade social deriva do determinismo, constituindo o delito um fenômeno natural. De maneira que, a partir dessa Escola Positiva, podemos identificar uma maior preocupação com o delinquente e com a vítima, havendo uma individualização das penais e o surgimento de institutos, como a suspensão condicional da pena, o livramento condicional e o tratamento tutelar ou assistencial ao menor (SOUZA, 1982, p. 63); c) A Escola Crítica ou Eclética, iniciada por Manuel Carnelave, em 1891, posicionou-se de forma intermediária entre a escola clássica e a positiva, negando a existência do livre-arbítrio, mas mantendo a ideia de responsabilidade moral; d) A Escola Moderna ou Sociológica Alemã, nascida em decorrência dos estudos de

Franz Von Liszt considerado o maior político criminólogo alemão, mantendo-se no contexto do positivismo crítico, inicia um pensamento que busca a neutralidade entre o livre-arbítrio e o determinismo, elegendo o princípio da legalidade como ponto essencial do direito penal, passando a lei penal a representar um sustentáculo da defesa social.

No Brasil, a influência dessas escolas somadas com o crescimento demográfico, elevação do nível de vida e aumento das riquezas, gerou gradual suavização dos crimes, que emanou uma alteração nas leis e amenizou a punição focada diretamente no corpo da vítima. Pois, constatava-se a transição dos delitos sangrentos para aqueles voltados à fraude gerando uma maximização do direito de propriedade.

A ilegalidade havia se modernizado juntamente com a economia. Se, na sociedade feudal, os crimes consistiam em vingança contra a nobreza, revolta com os impostos, pequenos furtos, dentre outros, com o desenvolvimento do comércio e o surgimento da burguesia, a ilegalidade ficou mais vasta e difícil de ser controlada, pois abarcava crimes como o saque, roubos qualificados, contrabando, sonegação, etc. Assim, a criminalidade aumentava, e era praticada não apenas por mendigos e vagabundos, mas também por camponeses, operários e comerciantes. Diante dos delitos basicamente de cunho econômico, a pressão para reformular o direito criminal era inevitavelmente propagada e aceita. Entretanto, a mudança não consistia em deixar de punir, mas em punir de forma mais adequada, melhor.

Objetivando acabar com a fabricação de dinheiro falso, o comércio ilícito, os roubos qualificados e contemplar as novas formas de acumulação de capital e relações de produção, foi preciso controlar e codificar as novas ações ilícitas. Para frear essas práticas indesejadas, houve a separação da ilegalidade dos bens e dos direitos. Essa separação parcial das ilegalidades também ocasionou diferenciação no processo penal, que por este último “apresentar mais garantias, é mais lento e oferece maiores dificuldades de condenação do que o processo simplesmente administrativo ou civil, o que dificultou a punição dos sonegadores” (RODRIGUES, 2011, grifos pessoais).

É bem verdade que a punição no século XIX não se estrutura mais da mesma maneira com a que ocorria no século XVIII, foi se tornando velada. Mas a ideia de que, quando o povo está certo que será punido há inibição ao crime prevalece. Sem dúvida a pena não é mais centrada no suplício do corpo como técnica de sofrimento, entretanto a punição do corpo se perpetua de maneira disfarçada através do adestramento comportamental, alimentar, sexual; o foco agora não é o corpo, mas a alma da vítima.

No início do século XX, com a publicação da obra L´umanesimo e Diretto Penale, de Vicente Lanza, origina-se a escola penal humanista. Para essa corrente de pensamento, o crime vem a ser uma lesão do sentimento moral, e as ideias e a razão são substituídas pelos

Documentos relacionados