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CAPITULO III – FAMILIA NA PARCERIA DOS CUIDADOS

3.1. CONCEITO SISTÉMICO DE FAMILIA

Abordar a temática da família não é uma tarefa fácil. Ao longo da História várias foram as concepções antropológicas e sociológicas que contribuíram para a definição de família, mas esta é complexa, pois depende de vários aspectos culturais, étnicos, religiosos, éticos, crenças, contextualizados em cada país, daí a sua definição ser complexa e vista de forma diferente de pessoa para pessoa.

Para Alarcão (2006), a família é, sem dúvida, o espaço em que nós nascemos, crescemos e morremos. Onde se elabora e se aprende: relações, linguagem, comunicação e, acima de tudo, onde se vivem relações afectivas, contribuindo para a personalidade e autenticidade de cada elemento e de cada família. É o suporte afectivo, psicológico, instrutivo e social de todos os seus elementos.

Segundo a Ordem dos Enfermeiros (2005), família é “um conjunto de seres humanos vistos como unidade social ou todo colectivo composto de membros ligados através consanguinidade, afinidade emocional ou parentesco legal, incluindo as pessoas que são mais importantes para o cliente. A unidade social constituída pela família como um todo é vista como algo para além dos indivíduos e da sua relação sanguínea, de parentesco, de relação emocional ou de legal, incluíndo as pessoas que são mais importantes para o cliente, que constituem as partes do grupo” (p. 171).

Hanson (2005), refere que o profissional de saúde, não pode de forma alguma ignorar os cuidados de saúde na vertente da família. Na sua prestação de cuidados, é fundamental centrar-se na família por várias razões: os diversos comportamentos de saúde e doença são aprendidos no contexto familiar; a unidade familiar é afectada quando um ou mais dos seus membros tem problemas de saúde, e a família é um factor significativo na saúde e bem-estar dos indivíduos; as famílias afectam a saúde do indivíduo, assim como a saúde e as práticas de saúde do indivíduo afectam a família; os cuidados de saúde são mais eficazes quando dão ênfase à família e não apenas ao indivíduo; a promoção, a manutenção e a recuperação da saúde são importantes para a sobrevivência da sociedade.

Madalena Alarcão (2006) afirma que “a família é o espaço privilegiado para a elaboração e aprendizagem de dimensões significativas da interacção: os contactos corporais, a linguagem, a comunicação, as relações interpessoais. É ainda, o espaço de vivências de relações afectivas profundas: a filiação, a fraternidade, o amor, a sexualidade (...) numa trama de emoções e afectos positivos e negativos, que na sua elaboração, vão dando corpo ao sentimento de sermos quem somos e de pertencermos aquela e não a outra família” (p. 38).

Santos (2007) referencia que trabalhos como os de Ludwig Bertalanffy, autora da teoria geral dos sistemas, e o de Robert Wiener sobre cibernética, foram a pedra basilar para se descrever o primordial axioma sistémico em Santos (2007), “o todo é mais do que a soma das partes” (p. 75).

Neste trabalho, o conceito de família será fundamentado essencialmente baseado na teoria sistémica, contudo, fazer-se-á referência a outras. Assim, para Alarcão (2006), família implica uma visão global da sua estrutura (dimensão espacial) e do seu desenvolvimento (dimensão temporal).

De acordo com Relvas (2006), família não é a soma das partes ou dos elementos que a constituem, mas o que cada um deles é, uma vez que cada elemento participa em diversos sistemas e subsistemas, evidenciando vários papéis em diferentes contextos. Cada família é única, não existindo duas famílias idênticas, no entanto, todas funcionam como tal, esta unicidade advém da forma como se organizam, onde se definem papéis e funções.

Também para Bonilla (1989) e Marques (2007) a família não é meramente o equivalente à totalidade dos seus membros é mais do que isso. A plenitude desta envolve regras, normas, interacções, e papéis, que estabelecem uma veracidade desigual da simples adição de pais e filhos.

Para Alarcão (2006), “talvez o mais importante seja vê-la …como um todo, como uma emergência dos seus elementos, o que a torna una e única” (p. 39).

As novas situações/mudanças da vida para Silva e Pinto (2005) “envolvem uma complexificação do sistema familiar e a consequente redefinição de papéis e tarefas e rotinas” (p.65). Então, se por algum motivo se realizam mudanças de um dos elementos da família, estas vão afectar todos os restantes elementos, conseguindo a família criar um equilibro entre mudança e estabilidade.

Contudo os acontecimentos de vida podem ser assumidos de duas formas (Hanson, 2005):

 Normativo: acontecimentos prováveis, nas distintas fases de desenvolvimento da vida. Estes acontecimentos, sendo conjecturáveis, levam a etapas de contrariedades

ou de crise, até que se consiga a harmonização (exemplo: casamento; nascimento do primeiro filho….).

 Não normativo: podem emergir em qualquer período de vida, em que a família não conte. Estes eventos surpresa, podem gerar dentro da família crises e desequilíbrios, até que se esclareçam ideias, posições e, até mesmo, responsabilidades (Exemplo: divórcio, morte, doença grave de um dos progenitores).

Alarcão (2006) considera a família como um modo de relações e interacções que ultrapassam no seu meio interno as suas diferentes partes constituintes.

Bolander e Sorense (1998), Nogueira (2003) consideram vários tipos de famílias, sendo elas:

 Família nuclear – também denominada de família de casamento ou conjugal, em que a sua composição é feita pelo pai, mãe e filhos biológicos, que monetariamente são independentes;

 Família alargada – constituída pelo casal, filhos, avós e/ou parentes consanguíneos. Estas famílias são menos frequentes do que no passado, no entanto, as que existem têm um espírito muito coeso e de apoio em situações mais problemáticas;

 Família monoparental – formada por um dos pais e um ou mais filhos. Anteriormente, este tipo de família era comum quando um dos progenitores falecia, ou quando existia separação ou o divórcio. Na actualidade, este tipo de família tende a desenvolver-se e a ter reconhecimento na nossa sociedade. Pois a mulher solteira tem efectivamente meios para formar uma família quer através de meios artificiais quer através de meios naturais. No entanto, este tipo de família tende a ser vulnerável economicamente e socialmente. Quando são confrontados com uma situação de doença de um dos seus constituintes, sãodelimitados com um emaranhado de problemas desde económicos, emocionais e mesmo sociais;

 Famílias mistas – constituídas por um casal com filhos de outra relação e os filhos da sua relação. Poderão ser problemáticas, pois os seus membros têm histórias de vida familiar diferentes, o que pode levar à existência de estratégias e pensamentos divergentes quer para enfrentar problemas de stress e de doença, quer para manter a saúde;

 Família combinada – Inclui padrastos e enteados. Constituir a estabilização destas novas famílias implica grandes esforços, pois também associadas a estas, existem as famílias anteriores em que é necessário inseri-las em toda esta nova dinâmica, o que confere uma duplicação de esforços, no sentido de se constituir a nova família de uma forma estável e equilibrada;

 Família homossexual – o empenho dos seus membros em serem reconhecidos como família é cada vez maior na sociedade actual, verificando-se que, em alguns países, incluindo o nosso, já conseguiram este reconhecimento a nível governamental.

Independentemente do tipo de família que persiste num determinado contexto, ela vive de uma relação de funções. Ballard (2005) refere que as funções da família podem ser definidas em dois grandes grupos: família como sistema individual e família como sistema social. Assim:

Família como sistema individual, consideram-se factores que interferem tais como: funcionalidade económica, assegurar a procriação, socialização dos procedentes e estabilização das personalidades adultas;

Família como sistema social considera-se apropriação ao ambiente externo e interno, reconhecimento e efectuação de objectivos, integração familiar, conservação de protótipos e controle de tensão.

A família não é mais do que uma instituição formada pelos seus constituintes e que tem funções determinadas, para manter a integridade familiar e dar respostas às necessidades individuais de cada um dos seus elementos respondendo às expectativas da sociedade. Como sistema social é constituída por membros em que uma simples alteração em qualquer um deles, implica inevitavelmente alterações em todo o sistema familiar (Nogueira, 2003).

Alarcão (2006) considera que a família, funcionando como um todo, faz parte de outros sistemas, inserida noutros contextos nos quais evolui e se desenvolve. Relativamente às trocas que efectua com o mundo exterior, a família é um sistema aberto, mantendo com o exterior uma abertura maior ou menor, conforme as suas necessidades e as suas características. Esta é capaz de, autónoma e espontaneamente, alterar a sua estrutura, adaptando-se e criando as condições necessárias ao seu sistema.

O quotidiano da família é muito mais que o somatório das vidas dos seus elementos, sendo interessante verificar o seu desenvolvimento como sistema total. Wright e Leahey (2002) “«totalidade» da família é muito mais que a simples adição de cada membro da família” (p. 40).

Para Hall e Fagen, in Watzlawick et al (1993), um sistema “é o conjunto de objectos com as relações entre objectos e entre os atributos acrescentam que em que os objectos são os componentes ou partes do sistema, os atributos são as propriedades dos objectos e as relações dão «coesão ao sistema todo»” (p.109). Considerando as pessoas, os objectos e os atributos vão ser os diferentes comportamentos que as pessoas possuem, através dos quais lhes permite manter relações e comunicação com os outros.

A interligação do sistema deve ser encontrada, não só no próprio sistema, mas, acima de tudo, nas relações que estabelece com o meio ambiente, sendo que estas relações não significam uma dependência, mas sim, uma característica do sistema em si. Relvas (2006) distingue na família vários subsistemas: individual, parental, o conjugal e o fraternal. Seguindo esta terminologia, Alarcão (2006) considera que cada um destes subsistemas consiste:

 Individual – é constituído pela própria pessoa que, para além da sua posição e papel familiar, integra também funções e papeis noutros sistemas;

 Parental – habitualmente constituído pelos mesmos adultos, com funções que têm por fim a educação e protecção dos membros mais novos. A sua composição pode variar podendo incluir um avô ou avó ou ambos, uma tia, ou outra pessoa. Os pais podem até não estarem representados neste subsistema;

 Conjugal – é constituído pelo marido e esposa, em que para o seu funcionamento é essencial a reciprocidade do ajustamento e, ao mesmo tempo, a cumplicidade e a complementaridade. Salientando-se quem tem determinada função e que tarefas lhe são destinadas;

 Fraternal – constituído pelos irmãos sendo um lugar de partilha e de experimentação de papéis face às vivências externas à família.

A forma como se organizam estes subsistemas, as relações que se estabelecem entre eles e no interior de cada um, combina com a estrutura familiar. Relvas (2006) defini-a como “o modelo de relações definido na e pela família, ou seja a qualidade emergente de processos comunicacionais que fazem nascer, manter ou desaparecer” (p. 13).

Para Martins (2002), a família desempenha um papel de protecção e de cuidadora desde o início do ciclo vital, mas esta função é reforçada sempre que alguma das suas partes necessita de ser cuidada. Tem uma história natural, desde a sua concepção gestacional até à morte, passando naturalmente por todas as fases de crescimento do ciclo vital. Em todo este processo, a necessidade de ajustamento às situações e de encarar a perturbação é uma constante nas vivências das famílias.

Segundo a perspectiva de Relvas (2006), na família, como noutro organismo, a mudança dá-se constantemente, pensa-se que a seguir a momentos de mudanças seguem momentos de sossego, acalmia, o que é compreensível, uma vez que a família está sucessivamente em desenvolvimento.

Martins (2004) salienta que existem mudanças e pressões internas das famílias que desencadeiam momentos de stress e, naturalmente, de crise. As pressões internas podem ser desenroladas a partir de um problema de um dos seus membros. Por outro

lado, a família tem inerente outro tipo de pressão, por exemplo o ambiente onde a família está inserida pode levar por si só ao stress.

Independentemente das adaptações serem internas ou externas, com objectivo de tornar eficaz a mudança e a continuidade da família, terão sempre uma carga de stress que pode ser maior ou menor. Relvas (2006) releva que “Não é portanto o carácter agradável ou desagradável dum acontecimento que o define como crise, mas sim o seu carácter de mudança” (p.27).