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CAPÍTULO I – ALIENAÇÃO PARENTAL: CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS E

1. Alienação Parental: Alicerces Conceituais

1.1. Conceito Teórico

O conceito de Alienação Parental foi formulado pelo psiquiatra infantil forense Richard A. Gardner, professor de psiquiatria clínica no Departamento de Psiquiatria Infantil na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, a partir do seu trabalho como perito particular. Gardner (1985; 1991; 1998), durante a sua atuação profissional, verificou um grande número de pais – sobretudo mães – que tentavam excluir o outro

genitor da vida dos filhos, implantando ódio ou intensificando ressentimentos existentes nos filhos com relação ao genitor não guardião (Barbosa & Castro, 2013).

O reflexo dessas ações nos filhos foi denominada por Gardner (1985; 1991) de Síndrome de Alienação Parental, a qual conceituou como “o transtorno pelo qual um

progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante várias estratégias, com objetivo de impedir, ocultar e destruir os vínculos existentes com o outro progenitor, que surge principalmente no contexto da disputa da guarda e custódia das crianças, através de uma campanha de difamação contra um dos pais, sem justificação”.

Baker e Darnell (2006), fazendo alusão ao conceito de Gardner (1985), referem que a primeira manifestação do fenômeno da Alienação Parental consiste na campanha de denegrir a imagem que a criança tem do outro progenitor, campanha essa sem justificação, a qual é acompanhada do processo de lavagem cerebral e doutrinamento da mente da criança.

Pela perspectiva psicodinâmica, a Alienação Parental é um transtorno psicológico caracterizado por um conjunto sintomático, pelo qual o progenitor alienador modifica a consciência do seu filho, através de estratégias de atuação, algumas de natureza inconsciente, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro progenitor (Freitas, 2014).

Na esteira desses entendimentos, a Alienação Parental consiste em programar uma criança para odiar, sem motivo, um de seus genitores até que a própria criança ingresse na trajetória de desconstrução desse genitor (Molinari & Trindade, 2014).

A Alienação Parental ocorre, normalmente, no contexto de disputas judiciais de divórcio e regulação do exercício das responsabilidades parentais, onde o progenitor guardião manipula o(s) filho(s) do casal no sentido de transformar os seus sentimentos e a sua percepção da realidade, de forma a fazê-lo rejeitar o outro genitor (Feitor, 2012).

Trata-se de abuso emocional de consequências graves sobre os filhos. Esse abuso traduz o lado sombrio da separação dos pais. O filho é manipulado para odiar o outro genitor, o que está em oposição ao seu desenvolvimento psicológico saudável (Fiorelli & Mangini, 2012; Ribeiro, 2007a; Venosa, 2012).

Victor Reis (2009), nos seus estudos sobre crianças e jovens em risco, refere que devido à criança ser dependente e indefesa, é o elemento no seio da família com maior vulnerabilidade, tornando-se assim um alvo fácil para todo o tipo de violência. A violência consiste, acima de tudo, num abuso de poder, quer seja físico, material ou emocional.

A propósito, o que está em causa não é a ausência de vinculação afetiva que o progenitor alienador mantém com o filho, mas a forma perversa como exerce a parentalidade, sendo que a criança é submetida há uma série de provas de lealdade, em que para não desiludir o progenitor com quem vive, é quase que obrigada a confirmar sua pretensão (Ribeiro, 2007b; Sá & Silva, 2011).

Nessas situações em que a criança é levada a odiar e a rejeitar um genitor que a ama, a contradição de sentimentos produz uma destruição dos vínculos que, se perdurar por longo tempo, instaurará um processo de cronificação que não mais permitirá sua restauração, fazendo da morte simbólica da separação, uma morte real do sujeito (Trindade, 2014).

Do ponto de vista de identificação do perfil do progenitor que realiza atos de Alienação Parental, pesquisas realizadas por Douglas Darnall (2008) descrevem alguns traços comuns dos transtornos de personalidade que geralmente são encontrados nos progenitores alienadores, sendo eles: i. Percepção rígida e limitada do mundo; ii. Tendência a se sentir estimulado emocionalmente acima do que pode manejar, quando confrontado com crenças contrárias às suas; iii. Atitude e percepção autocentradas, com

poucas habilidades empáticas; iv. Tendência a evitar responsabilizar-se pelo seu comportamento, procurando sempre culpar os outros ou as circunstâncias e, v. Tendência a perceber como atributo positivo aquilo que os outros consideram como falha.

Após conceituar a Alienação Parental, é importante registrar que a mesma não se confunde com a Síndrome da Alienação Parental – SAP. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais – DSM-V (2014, p. 829) define Síndrome como “um agrupamento de sinais e sintomas com base em sua frequente ocorrência, que pode sugerir uma patogênese subjacente, curso, padrão familiar ou seleção tratamento comuns”. A Síndrome da Alienação Parental diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais das crianças que sofrem com essa prática. Diferentemente de um evento isolado, de um acontecimento qualquer, uma síndrome é composta por um conjunto de fatores ou sintomas que apontam num mesmo sentido, qual seja, caracterizar um fenômeno complexo marcado pela repetição, pela persistência, pela intensidade e por uma certa polissemia dos comportamentos. A Síndrome de Alienação Parental, portanto, não se confunde com um ato excepcional praticado por um dos pais, mas configura-se como um conjunto sistemático de procedimentos que alienam o outro cônjuge, num manifesto prejuízo aos filhos (Aguilar, 2008; Carvalho, 2011; Trindade, 2014).

Nem sempre os filhos conseguem ter pleno discernimento sobre essa situação, que foi construída por razões que desconhecem. Porém, eles se sentem na obrigação de se identificar e se solidarizar com a vitimização nomeada pelo alienador. Na realidade, o alienador promove uma programação do comportamento dos filhos, que passam a agir de forma mecânica e sincronizada com os sentimentos por ele expressos (Feitor, 2012; Sá & Silva, 2011).

Os filhos submetidos a essas situações, em geral, não têm consciência das verdadeiras causas de seu comportamento, preferindo aceitar as restrições transmitidas pelas mensagens do alienador quando eles próprios não possuem razões para se afastar do progenitor alienado. Dentro deste contexto, do ponto de vista emocional, a Síndrome de Alienação Parental pode produzir na criança depressão crônica, incapacidade de adaptação em ambiente psicossocial normal, transtornos de identidade e de imagem, desespero, sentimento incontrolável de culpa e isolamento, comportamento hostil, falta de organização, dupla ou múltipla personalidade e, em casos extremos, tentativa de suicídio (Trindade, 2014).

A criança, vítima de Alienação Parental, um dia haverá de dar-se conta da insuportabilidade de viver no registro de uma falsidade: a falsidade da Alienação e de sua promoção. O primeiro passo no processo pelo qual o sujeito passa ao se dar conta de que esteve envolvido na Alienação Parental consiste em perceber que o genitor alienado não condiz com a plataforma de sentimentos que lhe são atribuídos, os quais são claramente identificados como projeção do cônjuge alienador, que seus comportamentos não são, de forma alguma, depreciáveis, mas tão somente o resultado da desqualificação do outro (Trindade, 2010).

Todo este processo, inevitavelmente, provoca um desequilíbrio emocional na criança, afetando o seu desenvolvimento. A criança vê nascer em si, contra a sua vontade, assente em motivos falsos, um sentimento de revolta, um ódio perante o progenitor, com todas as consequências comportamentais e perturbação interior que tal estado implica, constituindo um fator de perigo ou, pelo menos, de perturbação do equilíbrio emocional da criança (Sá & Silva, 2011).

Como se procurou mostrar ao longo desta descrição, a Alienação Parental tem sido responsável por muitos danos nas relações entre pais e filhos, pela deterioração de

vínculos e pelo agravamento da situação emocional das crianças, gerando efeitos psicológicos afetivos e relacionais que comprometem o seu pleno e saudável desenvolvimento, com reflexos negativos na vida adulta (Trindade, 2010).

Nesse contexto, é fundamental uma intervenção precoce, pois a mediação dos profissionais da área da saúde mental poderá evitar os desgastes de um processo judicial, que frequentemente deteriora ainda mais a relação entre os genitores, revitimizando os filhos, já conflituados pela separação dos pais (Breitman & Marodin, 2008).