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Efeitos psicológicos e emocionais nas crianças pela prática da Alienação Parental

CAPÍTULO I – ALIENAÇÃO PARENTAL: CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS E

6. Efeitos psicológicos e emocionais nas crianças pela prática da Alienação Parental

práticas, bem como servir para o desenvolvimento de pesquisas futuras.

Em síntese, embora já existam importantes estudos publicados no que se refere à Alienação Parental, é relevante aprofundar esse debate a fim de propor estratégias para aperfeiçoar o Sistema Geral de Justiça (do Direito de Família ao Direito Processual Civil), mas principalmente o Sistema de Proteção à Infância, nomeadamente no que diz respeito à criança envolvida em contextos de alienação parental, sendo a mediação de conflitos uma ferramenta importante que poderá contribuir, de forma preventiva, sobre o fenômeno.

6. Efeitos psicológicos e emocionais nas crianças pela prática da Alienação Parental

A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se uma condição de sua existência.

Arend (1999, p. 46).

Toda separação pode ser vivenciada como uma perda, especialmente para a criança, que ainda se encontra na condição de importante dependência física e psíquica dos pais. Isso aponta no sentido de que a repercussão no desenvolvimento emocional dos filhos irá depender da maneira como cada membro conduz os fatos dentro do conflito emocional, e as estratégias de proteção colocadas em prática (Molinari & Trindade, 2012).

Os efeitos psicológicos e emocionais nas crianças, em decorrência da separação dos pais, têm sido ao longo dos últimos anos alvo de atenção da comunidade científica. Estudos realizados por Wallerstein e Kelly (1998), relacionam o ajustamento das

crianças ao divórcio dos pais através da capacidade delas de compreensão em relação aos motivos da separação. Nas situações em que as crianças compreendem a decisão da separação, estando presente a manutenção de vínculos com ambos os genitores, suas reações à separação serão mais adaptativas, pois elas permanecerão inseridas num contexto afetuoso. Por outro lado, o ajustamento das crianças fica comprometido quando expostas a situações em que estejam presentes manifestações de raiva ou de culpa dos pais, pois inevitavelmente se transmite para a relação com os filhos. Os sentimentos de raiva, mágoa e vingança, que transitam de um lado para o outro, quase sempre envolvem os filhos, que passam a sofrer mais a tensão e a sobrecarga da separação, dificultando o encontro de novo equilíbrio.

A literatura tem evidenciado que a continuidade do conflito dos pais é um dos preditores mais importantes da variabilidade do ajustamento de uma criança após o divórcio. O conflito interparental após a ocorrência da separação, associado à presença de outros fatores de risco e estressores, é uma dimensão importante para a compreensão do ajustamento da criança ao divórcio, embora o impacto varie de acordo com o seu estágio de desenvolvimento (Sani, 2006; 2011).

É relevante ressaltar que as crianças tendem a reproduzir os padrões básicos de comunicação que os adultos utilizam entre si. Se inseridas em um ambiente de agressão, chantagens e ameaças, elas reeditam esses comportamentos (Cezar-Ferreira, 2007).

Neste sentido, parece que não é o divórcio, por si só, que cria os transtornos de longo alcance, mas as circunstâncias específicas da separação – a saber, a perda de um progenitor, o conflito entre os pais, a qualidade de vida pós-separação, e outras circunstâncias estressoras decorrentes da ruptura conjugal (Wallerstein & Kelly, 1998).

Muitas vezes, os filhos carregam dentro de si o medo de serem abandonados pelos seus pais ou se sentem os causadores da separação. Tais sentimentos vêm ao

encontro do pensamento autorreferente e do egocentrismo da criança, que imagina que tudo que acontece é por sua causa. Crianças pequenas não conseguem compreender a razão pela qual um dos seus pais, geralmente o pai, deixou o lar, e tendem a interpretar essa situação em termos de abandono e culpa (Trindade, 2014).

Nestes contextos, os filhos podem sofrer com o testemunho de conflituosidade existente entre os pais, originando profundos efeitos, dada a proximidade da experiência e a importância que aquele contexto tem para o seu desenvolvimento. Partindo de informações perceptivas, emocionais, causais e comportamentais a criança passa a desenvolver uma espécie de modelo para representar a sua compreensão das relações interpessoais (cf. Figura 2), podendo internalizar um conjunto de mensagens negativas e disfuncionais (Sani 2002; 2011).

Figura 2. Modelo de compreensão do impacto da vitimização

Vulnerabilidade & Adaptação

EVENTO CRIANÇA & IMPACTO

Intervenientes (Reacções) Contexto Tipos de violência Frequência Condições Outras experiências Reacções Emocionais Cognitivas Comportamentais Auto-imagem Crenças Percepções Responsabilidade e Causalidade Pistas de (in)segurança Suporte e Intervenção Recebida Consequências Nível Pessoal N. Interpessoal Estratégias de Coping Integração do problema Fonte: Sani (2011, p. 40).

Sob o ponto de vista psicológico, os efeitos prejudiciais que a Síndrome de Alienação Parental pode provocar nos filhos, variam de acordo com a idade da criança, com as características de sua personalidade, com o tipo de vínculo anteriormente estabelecido, e com sua capacidade de resiliência (da criança e do cônjuge alienado), além de inúmeros outros fatores, alguns mais explícitos, outros mais recônditos (Cezar- Ferreira, 2007; Freitas, 2014; Machado, 2013; Molinari & Trindade, 2014).

Podevyn (2001) ressalta os efeitos emocionais que a Alienação Parental pode produzir na criança, tais como depressão crônica, incapacidade de adaptação em ambiente psicossocial normal, transtornos de identidade e de imagem, sentimento de culpa e isolamento, comportamento hostil, falta de organização, dupla ou múltipla personalidade e, em casos extremos, tentativa de suicídio.

Muitas crianças somatizam, deslocando os seus conflitos emocionais para o corpo através de sintomas como dores de cabeça e estômago, enurese, diurna ou noturna, distúrbios do sono, perda do apetite, vômitos, febre, faringite e asma (Wallerstein & Kelly, 1998).

Segundo Bee (2003), os primeiros dois a quatro anos após o divórcio compreendem um período de reorganização do sistema familiar, e, neste período, as crianças costumam serem mais desafiadoras, negativas, agressivas, deprimidas ou irritadas e, se estiverem em idade escolar, seu desempenho tende a cair, pelo menos por um tempo.

Especial atenção deve ser dada quando o divórcio coincide com o ápice da fase edípica, compreendida no período de 03 a 06 anos da criança. Devido à conflitualidade implícita dessa fase do desenvolvimento infantil, pode haver uma ampliação das dificuldades, pois, quando os pais se separam, as crianças tendem a reeditar os conflitos inconscientes, que podem ser interpretados como confirmação da realidade externa. Tais

sentimentos podem ser de tal ordem insuportáveis ao ego infantil que, em casos mais graves, é capaz de conduzir a uma amnésia infantil, isto é, a perda das lembranças dolorosas relativas àquele momento, ou, então, levar à fragmentação de lembranças que não chegam a se integrar num todo coerente e orgânico, o que, não raro, pode conduzir a juízos parciais, precariamente integrados e provavelmente errôneo acerca dos acontecimentos ou até mesmo da imagem dos pais separados, transfigurando lembranças distorcidas ou equivocadas, denominadas falsas memórias, algumas vezes construídas em decorrência da Alienação Parental (Molinari & Trindade, 2012).

Em contextos em que esteja presente a Alienação Parental, é comum a criança sentir conflito de lealdade, configurando a condição de que, quando ela estiver bem com um dos pais, o outro estará se sentindo com raiva e traído pela sua escolha, o que, muitas vezes, favorece uma situação de dependência e submissão a um dos progenitores (Trindade, 2014) No conflito de lealdade a criança recebe a mensagem de que só pode ficar de um lado, o que representa uma oposição ao seu desenvolvimento emocional e psíquico saudável (Maldonato, 1986).

A literatura vem demonstrando o impacto da exposição das crianças aos conflitos familiares, relacionando-o em diferentes áreas do desenvolvimento infantil, tais como aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais (Sani, 2002; 2006). Embora não apresentando psicopatologia associado ao abuso emocional, a criança é sempre afetada do ponto de vista psicológico, na sua autoestima, autoconfiança e na forma como vai estabelecer relações de confiança com os outros (Sani, 2011).

Em estudos relacionados com a caracterização de sintomas de exteriorização do dano emocional na criança, Victor Reis (2009) refere:

a) Transtornos cognitivos: Atraso no desenvolvimento da linguagem, alterações mnêmicas, baixa autoestima, sentimentos de inferioridade,

alterações da concentração, atenção e dificuldades de aprendizagem;

b) Transtornos afetivos: Choro incontrolado, sentimentos de vergonha, culpa, timidez, medos concretos ou imaginário, inadequação na maturidade e dificuldade para lidar com situações de conflito;

c) Transtornos comportamentais: Déficit de capacidade para brincar, excessiva ansiedade ou dificuldade nas relações afetivas interpessoais, relações sociais passivas, escassas ou conflituosas e comportamento desviante;

d) Alterações psicológicas: Agitação, hiperatividade, ansiedade, depressão, mudanças súbitas de comportamento e humor, neuroses, alterações da personalidade e regressões no comportamento.

Pesquisas realizadas por Sani (2011, p. 122), sobre crianças vítimas de violência interparental, em que foram abordados os impactos do fenômeno e as representações feitas pelas crianças, referem que:

As consequências detectadas pela criança revela o quão negativo pode ser para ela, quer a interiorização do problema no sistema familiar, quer a exteriorização deste para além dos limites que o definem. Nos casos de violência interparental, a deslocação do problema para fora do sistema, tenderia a comprometer a identidade familiar, antevendo-se por isso uma referência às consequências, com um grau devido de distanciação em relação à criança. Todavia, a fusão que parece existir entre identidade familiar e da criança, motivada pela existência de conflitos na família, ocasiona um relato personalizado dos efeitos, demonstrativo do impacto a nível pessoal. Nos casos de vitimização direta, apercebemos rapidamente a identificação de consequências de ordem pessoal (físicas e psicológicas) e outras que afetam a criança a nível interpessoal, devido à passagem do problema para o domínio público.

Por essa razão, quando se indaga acerca das consequências ou das sequelas da Alienação Parental, pode-se supor infinitas formas de expressão. Porém, simbolicamente, talvez a pior de todas seja a criança estar condenada a conviver com a

mentira sobre a imago de seu pai ou de sua mãe. Se o que constitui o sujeito é o discurso do outro, a fala imposta pelo alienador vai ‘constituindo/desconstituindo’ de tal forma a criança - depois adolescente, amanhã adulto – que chegará a uma condição onde não saberá mais o quê ela ‘é’, senão essa constituição/desconstituidora que fez a refração à imagem parental do alienado (Trindade, 2014).

7. Falsas Memórias nos contextos de Alienação Parental