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O conceito de Temporalidade na rádio

Cap III Das ondas hertzianas à rádio na Web

3.1. Novos conteúdos para um “velho meio” ou um novo modelo de comunicação radiofónica?

3.1.1. O conceito de Temporalidade na rádio

Entenda-se que a rádio tradicional tem como principal característica o sincronismo que se estabelece entre a emissão e a receção. Ou seja, o sincronismo baseia-se no imediato e na capacidade de transmitir em direto diferentes acontecimentos. “El sincronismo permite combinar los cuatro tempos esenciales de toda narración: Presente del hecho, presente en el tratamento, presente en la difusión y presente en la recepción (Cebrián Herreros, 2001, p. 217).” Porém, quando a rádio faz a sua transição para o online podemos estar perante uma rádio assincrónica. Isto acontece porque a internet disponibiliza ferramentas para o arquivo de sons e outros elementos multimédia como o vídeo. Assim, a informação fica arquivada e o ouvinte tem a possibilidade de a recuperar quando desejar.

Segundo Cebrián Herreros (2001, p. 218):

En el sincrónico todos los oyentes reciben lo mismo al mismo tiempo en una difusión fugaz sin capacidad de volver sobre lo escuchado. En el sistema asincrónico, la radio se convierte en un medio de uso personal y, además, en un sistema de almacenamiento de información en espera de cada oyente vaya buscar lo que desee.

Considerando os conceitos de Cebrián Herreros (2001) aqui explicitados importa abordar a questão da temporalidade, uma vez que revelou ser uma das características ligadas à rádio que mais alterações sofreu com a presença desta na internet. Conforme afirma Reis (2011, p. 13) o conceito de temporalidade é o que melhor define a rádio pois esta é “um meio efémero, fugaz, volátil, imediato, instantâneo, irrepetível, de fluxo contínuo, um meio do presente com linguagem no presente, o meio da informação do aqui e agora, do directo.” Porém, a presença da mesma na Web fez com que a temporalidade adquirisse um outro sentido e exercesse uma nova influencia sobre todo o produto radiofónico incluindo a narrativa, os géneros, os formatos, a exibição e disponibilização dos conteúdos e o consumo dos mesmos. Por outras palavras, a presença da rádio na internet trouxe o que se pensava ser impossível: “a possibilidade de congelar o tempo e de se converter num imenso arquivo sonoro vivo (Reis, 2011, p. 14) ”. Neste sentido, a temporalidade da rádio é de facto “uma questão desafiadora na medida em que a escuta de um conteúdo não mais se esgota no instante seguinte ao da sua veiculação tradicional” já que é possível arquivar vários conteúdos na Web e facultá-los aos ouvintes (Schwaab, 2015, p. 15).

Segundo Reis (2011, p. 15), a rádio “ (…) pela primeira vez, pode romper a barreira do tempo e tornar acessíveis os conteúdos que já foram para o ar e outros que não cabiam na programação contínua tradicional por limitações de tempo.” Passa a apresentá-los não em fluxo contínuo,

visto que isso obrigaria a uma permanente atenção do ouvinte, “mas em fragmentos compartimentados sujeitos à selecção do internauta. É uma nova concepção de temporalidade para o velho meio.” Assim, enquanto nas emissoras tradicionais o que é emitido já passou e não se pode repetir nem voltar a ouvir, nas rádios que também possuem emissões online isso pode já não acontecer, visto que na internet a rádio deixa de ser um meio “efémero e volátil” e “transforma-se num arquivo sonoro, sempre acessível, pronto a ser escutado, à distância de um clique” (Reis, 2011, p. 22).

Também na internet as emissoras radiofónicas de carácter noticioso podem ultrapassar uma das suas barreiras: o tempo. A quantidade de sons numa notícia é limitada pelo espaço disponível em antena e pelo tempo de duração da notícia ou do noticiário. “O site surge, assim, como um espaço infinito em que se podem agrupar todos os sons, todos os desenvolvimentos, todas as perspetivas” (Reis, 2015, p. 180).

Todavia, a questão da temporalidade tem também influência no comportamento dos ouvintes. Cebrián Herreros (2001) teoriza sobre o conceito de “radio a la carta” e afirma que atualmente são os ouvintes que escolhem as notícias, a música e os programas que desejam ouvir. Estes podem escutar os seus programas favoritos em formato podcast onde e quando quiserem. Por conseguinte, apresentam uma atitude diferente pois deixaram de se conformar com aquilo que a rádio oferece nas suas emissões por ondas hertzianas e procuram eles mesmos fazer a sua própria rádio. Ou seja, os ouvintes de hoje não são mais obrigados a ouvir apenas a emissão tradicional e podem procurar nas páginas eletrónicas das diferentes emissoras os conteúdos que mais desejarem. Porém, Merayo e Alaejo (2012) defendem que apesar de os ouvintes decidirem quais programas que querem ouvir e quando, os produtores e locutores das estações de rádio, ainda mantêm o controlo sobre os conteúdos que são expostos.

Segundo Barrio e Garcia (2011, p. 266):

La oferta actual de la radio a la carta se configura fundamentalmente a través de los Podcast (…). Un modelo de difusión que, con tan sólo 7 años de vida, há supuesto una auténtica revolución en los hábitos de consumo del discurso sonoro.

Assim, o facto de as rádios começarem a publicar e a arquivar nos seus sites diferentes conteúdos de áudio proporcionou aos ouvintes a possibilidade de voltar atrás no tempo e puderem escolher aquilo que querem ouvir, inclusive coisas que já tinham ido “para o ar” anteriormente.

Conforme Merayo e Alaejo (2012, p. 272) afirmam:

Podcasting, like Internet radio, allows users to cross space-time barriers of traditional radio, retrieve the contents fragmented and isolated after their release, select, reorganize and restructure them according to their

39 needs and rhythms. After all, podcasting allows users to interact with the

contents to create their own programmatic grid.

Para concluir, podemos afirmar que a rádio tem procurado desde sempre adaptar-se à evolução dos tempos e, principalmente, da tecnologia. Apesar de a internet ter sido vista por muitos como uma ameaça, a rádio soube como fazer uso das suas ferramentas e conseguiu através da mesma potencializar algumas das suas características. Na Web a rádio foi capaz de se reinventar e ganhar uma nova vida. Porém, a sua presença no online e a convergência com elementos multimédia fez com que esta se afastasse um pouco do seu conceito original. A rádio deixou de ser um meio efémero e irrepetível e o som já não é mais o único protagonista.