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2 TRANSAÇÃO PENAL

2.1 Conceito(s)

O sistema jurídico penal pátrio não tratou de cuidar da conceituação de transação. Isto se deve, também, ao fato de que nosso sistema, em sua maior parte, continua fincando suas raízes na ideia de obrigatoriedade da ação penal.

Sendo assim, faz-se necessário, de início, buscar tal conceituação no Direito Civil, mesmo que de forma introdutória, posto que a transação é ali instituto

muito utilizado, com previsão expressa no Código Civil (SYLLA, 2003), a partir do art. 84028.

Neste diapasão, Gonçalves (2014) entende transação como sendo “[...] negócio jurídico bilateral, pelo qual as partes previnem ou terminam relações jurídicas controvertidas, por meio de concessões mútuas”.

Monteiro (1994) entende da mesma forma, ao asseverar que se trata de “Ato jurídico bilateral, pelo qual as partes, fazendo-se concessões recíprocas, extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas”.

Note-se, pelo pouco que se expôs, que a intenção maior na transação é a alteração de uma situação jurídica incerta para uma segura, garantida. Pela transação busca-se, através de concessões entre os envolvidos, a modificação de um estado de dúvida para outro em que as partes tenham clareza de suas posições.

Tal ideia deve ser mantida quando se pensa em transação em âmbito penal. Deve ser tal instrumento utilizado para a resolução de conflitos cuja solução ainda paire como incerta, e em que as partes interessadas achem por bem a consensualidade quanto ao resultado pretendido.

De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, transação é “[...] 1 ato ou efeito de transigir [...] acordo em que duas ou mais pessoas ajustam certas cláusulas e condições, mediante concessões reciprocas, para evitar litígio ou pôr fim a litígio em curso [...]”. (HOUAISS, p. 1.866)

Para Sobrane (2001, p. 75), a transação penal pode ser compreendida como sendo um ato jurídico no qual as partes – autor do fato e Ministério Público –, “atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática de fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada”.

Ainda, conceituando transação penal, Zanatta (2001, p. 50) aponta uma definição mais completa:

uma medida despenalizadora que visa beneficiar o autor do fato, agilizando a resposta Estatal ao cometimento das infrações penais de menor potencial ofensivo, cujos requisitos e consequências de sua aplicação estão previstos no art. 76 da Lei nº 9.099/95, sendo a legitimidade para sua proposição exclusiva do Ministério Público, mesmo quando o autuado tiver direito a ela.

28 Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.

Como se percebe pelos enxertos acima, na transação penal, Ministério Público e acusado fazem concessões mútuas29, com a finalidade de não dar início ao processo.

A esse respeito, Sobrane (2001) aponta dois requisitos genéricos da transação (em âmbito civil, mas que perfeitamente moldáveis ao processo penal): a incerteza do direito ou da pretensão e a reciprocidade de concessões.

Vê-se que não é difícil identificar tais requisitos na seara criminal: primeiramente, quanto à incerteza da pretensão, não haveria por parte do Ministério Público a certeza da condenação do acusado, em caso de persecução penal, ao passo em que o acusado não teria garantia de ser absolvido ao final do procedimento. Em ambos pairaria certa dúvida quanto ao desfecho do litígio, em que pese serem necessários elementos mínimos de convicção, por parte do Ministério Público, para que este inicie a ação penal, posto que se faltar justa causa para o processamento, não se poderá falar em proposta de transação penal, como se verá à frente. Quanto ao segundo requisito, a reciprocidade de concessões, resta claro que o autor do fato abriria mão de algumas garantias processuais, em especial a relativização de seus direitos de ampla defesa e contraditório, por achar mais conveniente não se submeter ao processo. De outro lado, estaria o Ministério Público optando por não oferecer denúncia, fazendo com que o Estado deixe de aplicar o jus puniendi em sua totalidade, posto que na proposta de transação penal relativizou-se algumas consequências inerentes à sentença penal30.

Há quem entenda, no entanto, que o instituto da transação penal é apenas reflexo de uma tendência global no sentido de se estabelecer uma forma consentida de “submissão à pena, em procedimentos abreviados”. (KARAN, 2004, p. 34).

A autora afirma que não há, de fato, uma negociação, pois de um lado há o Ministério Público oferecendo a proposta, e caso esta não seja aceita, em nada lhe

29 Contrário a essa ideia, Jesus (2010, p. 73) entende que “Não se trata de um negócio entre Ministério Público e a defesa: cuida-se de um instituto que permite ao juiz, de imediato, aplicar uma pena alternativa ao autuado, justa para a acusação e defesa, encerrando o procedimento”. Tal posicionamento parece não merecer prosperidade, tendo em vista que não se pode apontar o magistrado como sendo o agente ativo da proposta da transação penal, visto que a lei é clara, em seu art. 76, que a titularidade da propositura da proposta é do Ministério Público.

30 A rigor, a sentença que homologa a transação penal não gera reincidência, não constará em certidão de antecedentes criminais, nem tampouco servirá como título a ser executado no cível (art. 76, §§ 4º e 6º).

prejudicará tal recusa; na outra ponta, porém, aceitando a proposta de transação penal, o acusado sujeitar-se-á a uma pena, abrindo mão de seu direito a um devido processo, sem que lhe seja, entretanto, oferecida outras opções. É dizer, ou sujeita- se à aplicação da pena, de imediato, ou sujeita-se à persecução penal com a estigmatização a ela inerente. Não haveria, neste cenário, espaço para se falar em ajuste de vontades, posto que ao acusado não se lhe apresenta alternativa que não seja gravosa, pois ambas – aplicação imediata de pena, ou responder a um processo sem previsão de término – trazem consigo consequências nefastas (KARAN, 2004).

Assim, ainda de acordo com Karan (2004, p. 40), “[...] trata-se, pois, de uma negociação cujo escopo é fazer com que uma das partes tenha sempre assegurada sua satisfação, nada tendo a perder, enquanto a outra, além de negociar sob pressão, nada terá a ganhar”.

Apesar de louvável, tal posicionamento é minoritário na doutrina. A lei procura resguardar o acusado, proporcionando-lhe meios para melhor fundamentar sua convicção. A exemplo, cite-se o § 3º do art. 76, em que se prescreve a obrigação de o acusado estar acompanhado de defesa técnica.

2.2 Institutos consensuais estrangeiros que influenciaram a transação penal