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CAPÍTULO 3 – O CONCEITO DE CONSUMO SUSTENTÁVEL

3.1 CONCEITOS DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA

meio ambiente e do consumidor, além de consumo sustentável, utilizam-se distintas expressões endereçadas ao público em geral, como consumo responsável, consumo consciente, consumo verde, consumo ético e consumo crítico46.

Segundo o Instituto Kairós ([s.d.]), entidade civil brasileira sem fins lucrativos, cujos objetivos se relacionam com a promoção da educação ambiental e com o desenvolvimento de ações para o fortalecimento e consolidação da economia solidária, consumo responsável, “é a capacidade de cada pessoa ou instituição, pública ou privada, escolher e/ou produzir serviços e produtos que contribuam, de forma ética e de fato, para a melhoria de vida de cada um, da sociedade e do ambiente”.

Curiosamente, referido instituto considera que este tipo de consumo seja uma capacidade, isto é, uma qualidade pessoal para um determinado fim, uma habilidade, um talento47, e não uma conduta diferenciada apenas. Juridicamente, o termo capacidade tem acepção própria, referindo-se à aptidão para o exercício de direitos e contração de obrigações, porém como o conceito apresentado não foi elaborado com fins jurídicos, este sentido será deixado de lado. Vale anotar aqui que a inserção da produção de produtos e serviços no conceito de consumo será abordada adiante, na seção que trata do sujeito do consumo sustentável (KAIRÓS, [s.d.]).

Consumo consciente, de acordo com a organização não governamental Instituto Akatu, é:

[...] consumir levando em consideração os impactos provocados pelo consumo. Explicando melhor: o consumidor pode, por meio de suas escolhas, buscar maximizar os impactos positivos e minimizar os negativos dos seus atos de consumo, e desta forma contribuir com seu poder de consumo para construir um mundo melhor. Isso é Consumo Consciente. Em poucas palavras, é um consumo com consciência de seu impacto e voltado à sustentabilidade. (KAIRÓS, [s.d]).

O primeiro aspecto dificultoso seria a explicação do conceito de consumo com o próprio verbo consumir, mas considerando que o texto do instituto não tem pretensões acadêmicas e que há uma elucidação posterior, pode-se considerar que

46 A expressão consumo crítico é utilizada pela Fundação SOS Mata Atlântica associada à ideia de

consumo sustentável, porém não foi possível identificar uma definição específica.

47

Itens 3, 4 e 7 do verbete “capacidade”, conforme o Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa (FERREIRA, 1999, p. 395).

o obstáculo tenha sido sanado. Ainda assim, o conceito apresentado não especifica claramente quais as escolhas do consumidor e de que modo elas poderiam contribuir para “construir um mundo melhor”.

A associação internacional de proteção do consumidor Consumers International (CI), em publicação conjunta com o MMA e com o Ministério da Educação e Cultura (MEC), define:

Consumo verde é aquele em que o consumidor, além de buscar melhor qualidade e preço, inclui em seu poder de escolha, a variável ambiental, dando preferência a produtos e serviços que não agridam o meio ambiente, tanto na produção, quanto na distribuição, no consumo e no descarte final (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2005, p. 18).

De acordo com a referida associação, as expressões consumo ético, responsável e consciente teriam surgido com o propósito de adicionar o aspecto social a preocupações ambientais nas atividades de consumo. Especificamente, formas de estabelecer um compromisso com relação aos impactos socioambientais de seus comportamentos de consumo sobre “ecossistemas e outros grupos sociais, na maior parte das vezes geográfica e temporalmente distantes” (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Consumo sustentável: manual de educação, 2005, p. 19). Entretanto, a mera leitura do conceito não conduz a esta conclusão, pois ele se refere tão só aos potenciais impactos ambientais do consumo. Importante ressaltar que, entre todos os conceitos analisados, este é o único que faz menção a preço e qualidade como a outras variáveis influenciadoras da escolha do consumidor. O texto indica que o consumidor deve dar preferência ao componente ambiental, mas não afasta a ideia de aquisição de produtos e serviços agressivos ao meio ambiente, caso estejam mais baratos ou tenham qualidade superior quando comparado um produto ou serviço não prejudicial.

Para Fátima Portilho (2005, p. 110-132), as expressões consumo ético, responsável, consciente, crítico etc. contribuem para mais confundir do que propriamente para enriquecer a discussão. A socióloga diferencia marcadamente consumo verde de consumo sustentável. O consumo verde estaria relacionado a uma fase preliminar do ambientalismo. Corresponderia a um movimento não articulado por políticas públicas, isto é, um conjunto de ações individuais autônomas despolitizadas que desconsideram a desigualdade de acesso aos bens ambientais.

O consumo verde não envolveria mudanças profundas nos padrões de consumo. Estando mais próximo do conceito de sustentabilidade fraca, poderia ser compreendido “como um exemplo da era do pós-dever ou da pós-moralidade, descrita por Lipovetsky (1994), em que a ética é separada do dever” (PORTILHO, 2005, p. 118).

Segundo a lição do filósofo, trazida pela socióloga, a sociedade moderna teria renunciado aos deveres supremos do homem e do cidadão, estimulando, em contrapartida, os desejos imediatos, o ego, a felicidade intimista e materialista. Neste sentido, a sociedade repudiaria a retórica do dever austero e integral e, paralelamente, coroaria os direitos individuais à autonomia, ao desejo e à felicidade.

Assim, o ideal de autolimitação das necessidades e a denúncia dos vícios da Sociedade de Consumo, que estavam no centro dos movimentos ecológicos da década de 60 e 70, acabaram em segundo plano, dando lugar ao shopping ecológico, à febre de produtos orgânicos, à alimentação dietética, ao ecoturismo etc. (PORTILHO, 2005, p. 118).

Do mesmo modo, Mônica Yoshizato Bierwagen (2009, p. 188) afirma que o consumo verde:

[...] preconiza, de um lado, a utilização de tecnologia menos impactante nos processos industriais – a eco-eficiência – como solução para conter o desperdício de recursos naturais e a poluição ambiental na esfera produtiva, e de outro lado, a soberania do consumidor, como instrumento de controle da qualidade dos processos e dos produtos. Nessa linha de raciocínio, bastaria ao empresário produzir de maneira mais limpa e ao consumidor consumir produtos ecologicamente corretos – mas não necessariamente modificar os níveis de consumo.

Por outro lado, assim como o IDEC e Mônica Yoshizato Bierwagen (2009, p. 189), Fátima Portilho (2005, p. 133) entende que o consumo sustentável conteria uma proposta mais ampla, pois além dos aspectos já mencionados, abrangeria também ações coletivas, mudanças políticas, econômicas e institucionais. Desta forma, o consumo sustentável seria uma meta, demandaria a formulação e a implantação de políticas públicas, bem como o fortalecimento dos movimentos sociais, de modo que se construam “relações mais solidárias entre diversos setores sociais, como produtores, comerciantes e consumidores”.

é a pressão socioambiental da “distribuição desigual do acesso aos recursos naturais, uma vez que tanto o „superconsumo‟ quanto o „subconsumo‟ causam degradação social e ambiental” (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Consumo sustentável: manual de educação, 2005, p. 20).

A Comissão de Oxford para o Consumo Sustentável, grupo britânico de pesquisa formado em 1999, entende que o consumo sustentável se aproxima mais de um processo do que de um estado a ser atingido, pois a sustentabilidade se associa mais a valores do que a definições. Por esta razão, ao invés de elaborar uma nova definição, a comissão identifica seis características essenciais nas discussões sobre o tema (PORTILHO, 2005, p. 137):

a. deve ser parte de um estilo de vida sustentável em uma sociedade sustentável;

b. deve contribuir para nossa capacidade de aprimoramento, enquanto indivíduo e sociedade;

c. requer justiça no acesso ao capital natural, econômico e social para as presentes e futuras gerações;

d. não significa necessariamente consumir menos, mas deve-se ressaltar que o consumo material deve se tornar cada vez menos importante em relação a outros componentes da qualidade de vida; e. deve ser consistente com a conservação e melhoria do ambiente natural;

f. deve acarretar um processo de aprendizagem, criatividade e adaptação.

Em síntese, não há uma nomenclatura uniforme adotada pela sociedade civil organizada, mas todas concordam quanto à necessidade de mudanças de hábitos de consumo em prol da preservação ambiental. De um modo ou de outro, todas buscam educar o consumidor no sentido de diminuir a quantidade de bens consumidos, evitar o superendividamento, economizar no uso diário dos recursos naturais, reutilizar embalagens, reciclar materiais, descartar corretamente, atentar para os processos de produção e seus impactos socioambientais.

Em rigor, o que se observa, tendo em vista o escopo deste trabalho, é que ainda não houve um despertar para a necessidade de educar o consumidor para investir os seus recursos de forma sustentável, ou seja, aplicar suas economias de modo que sejam investidas em atividades econômicas que promovam o equilíbrio do meio ambiente.

A despeito da diversidade de expressões, neste estudo, adotar-se-á apenas “consumo sustentável”, já consagrada pela lei. Vale dizer, consumo sustentável é aqui utilizado com o sentido de um processo em construção coletiva, que somente tem razão de ser quando operado em conjunto com os demais setores sociais, principalmente o produtivo, por meio de políticas públicas sócio-econômico- ambientais.