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2.2 Poder organizacional

2.2.1 Conceitos de poder

A investigação sobre o poder desperta o interesse de diversos ramos das ciências sociais, sendo alvo de estudos, por exemplo, nas ciências políticas, nas ciências jurídicas, na sociologia, na psicologia e na administração, e por essa razão são diversas as definições concebidas para tal fenômeno. Ao longo do tempo, o poder vem sendo caracterizado por diversos aspectos, entre eles: uso da força, exercício de autoridade, dominação, fator de influência e persuasão, ou relação de dependência; todos esses aspectos revelam quão

multifacetada pode ser a explicação do que viria a ser poder. Ao buscar uma definição de poder, verifica-se que não há resposta única, mas é possível organizar as diversas teorias e autores entre aqueles que exploram o aspecto negativo do poder e aqueles que exploram sua positividade (AMORIM; PEREZ, 2010).

Sob o enfoque negativo, o poder é caracterizado como fenômeno de dominação, podendo ser encarado como coerção, repressão, manipulação, e em certo ponto legitimando práticas sociais cruéis, mesmo que disfarçadas; o aspecto preponderante é o comportamental, sendo o poder descrito como uma imposição de vontade de uns perante os outros (PAZ; MARTINS; NEIVA, 2014).

Outra perspectiva de análise é mais positiva, assumindo um significado construtivista do poder, não sendo caracterizado apenas como dominação e submissão, mas sim como força do desejo, segurança, disputa, relação, sobrevivência, sendo ainda caracterizado como promotor do desenvolvimento humano (PAZ; MARTINS; NEIVA, 2014). Essa dualidade de enfoques de poder tende a variar de acordo com o contexto:

O poder é dominação e repressão, mas também é formador, por meio da disciplina, da singularidade dos indivíduos e, assim, é eficácia produtiva, riqueza estratégica e positividade. Sendo dominação, gera resistência e movimentos de contrapoder, cujo objetivo é passar de dominado a dominador. Sendo relação social entre pessoas, suas formas variarão na medida em que variarem as pessoas e os contextos, infinitamente (AMORIM; PEREZ, 2010, p. 235).

A existência de concepções diferentes do fenômeno conduz ao reconhecimento da relatividade do poder: primeiramente, pela não garantia de manutenção da posição de poder por grupos dominantes, haja vista a possibilidade dos subordinados reagirem de forma diversa em relação às formas de dominação, pois ao mesmo tempo em que os processos de dominação podem provocar silêncio e perpetuar o status quo, também podem provocar rebelião; isso leva ao segundo ponto de relativização do poder, pois qualquer pessoa pode ser capaz de influenciar e reagir ao poder dominante, levando ao reconhecimento que o poder flui e reflui de acordo com o contexto e com a alternância dos membros presentes nas relações sociais. Com esse argumento, não haveria lado positivo ou negativo do poder, mas há de se reconhecer que a positividade e a negatividade se encontram nos meios utilizados para o exercício do poder nas relações (PAZ; MARTINS; NEIVA, 2014).

Entre os autores clássicos que buscaram evidenciar o poder está Nicolau Maquiavel (1469-1527). Apesar de o senso comum enxergar sua obra seminal O Príncipe por um prisma negativo sobre o uso do poder, uma leitura alternativa de Maquiavel contida em estudo de

Amorim e Perez (2010) sugere que a obra pode ser atribuída como uma das concepções clássicas de poder construtivista, argumentando as autoras que:

Identifica-se em Maquiavel a percepção do poder como recurso fundamental para a implementação de um projeto, de um plano de governo. [...] sem poder, um “príncipe” (ou líder) nada pode e seus súditos, ou liderados, estarão à mercê do acaso (fortuna), ou de um tirano. Ao introduzir o tirano como ameaça ao grupo, Maquiavel aponta a fonte da legitimidade do poder do líder: um projeto visando o bem comum, a elevação da vida material e espiritual do grupo. O autor funda, então, a razão de Estado [...]. Na linguagem da teoria das organizações, se a expressão razão de Estado for substituída por objetivos organizacionais, será possível notar a atualidade do florentino do Século XVI (AMORIM; PEREZ, 2010, p. 230).

Na ciência social contemporânea, diversos autores se dedicaram à missão de entender o poder. Outro autor clássico trata-se do sociólogo alemão Max Weber (1868-1920), para quem o poder advém da possibilidade de alguém impor sua vontade no âmbito de uma relação social, seja qual for o fundamento dessa possibilidade e mesmo contra possíveis resistências (WEBER, 1999). Pela relevância da conceituação de Weber, a mesma é transcrita abaixo:

Poder significa a probabilidade de impor a própria vontade, dentro de uma relação social, ainda contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade. Por dominação deve-se entender a probabilidade de encontrar obediência a um mandato de determinado conteúdo entre pessoas dadas; por disciplina deve-se entender a probabilidade de encontrar obediência para um mandato por parte de um conjunto de pessoas que, em virtude de atitudes arraigadas, seja rápida, simples e automática (WEBER, 1999, p. 43).

Inspirado em Weber, o cientista político norte-americano Robert Dahl (1915-2014) elaborou uma relevante definição de poder nos estudos sociais, na qual defende que “A tem poder sobre B na extensão em que influencia B a fazer algo que não faria em outras circunstâncias” (PAZ; MARTINS; NEIVA, 2014). Em outros termos, “o poder envolve habilidade para conseguir que outra pessoa faça alguma coisa que, de outra forma, não seria feita” (MORGAN, 1996, p. 163).

Tratando o poder como produto de uma relação social, os sociólogos franceses Michel Crozier e Erhard Friedberg (1990) conceituam poder como a possibilidade de indivíduos em atuar sobre outros, entendendo-se essa atuação como se relacionar com esses outros, sendo o poder “uma relação e não um atributo dos atores” (CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p. 55).

Um dos mais celebrados teóricos do poder talvez seja Michel Foucault (1926-1984). Ao iniciar seus estudos sobre poder, Foucault opta por articular teorias de diversos campos do conhecimento, assumindo a multidisciplinaridade do tema; acreditava o autor que não haveria

um elemento único ou um conceito global de poder, mas sim algo heterogêneo e em constante mutação, admitindo ser uma prática social constituída historicamente (AMORIM; PEREZ, 2010). Ao analisar as contribuições de Foucault para formação do conhecimento sobre poder, Amorim e Perez assim contribuem:

Não é igualmente possível criar uma taxonomia de poder, prática social de infinita variedade, descontínua e tensa. Mas é possível identificá-lo: é algo que se exerce e se efetua, que funciona e que está presente nas instituições, nas leis, nos saberes e na relação “microfísica” entre pessoas. As instituições e as leis podem ser destruídas, mas as práticas sociais fundadoras do poder serão reconstruídas, imanentes que são à condição humana. O poder é simultaneamente central e periférico, funciona porque é controle, e seu objeto final é o corpo do indivíduo (AMORIM; PEREZ, 2010, p. 233).

Ao conceituar poder, Robbins (2009) atribuiu tal fenômeno à capacidade de alguém em influenciar o comportamento dos outros, de modo que esses outros ajam de acordo com a vontade do influenciador, sendo o poder um potencial, que não precisa ser realizado para ser eficaz, mas é capaz de gerar dependência; essa dependência seria o elemento-chave, já que o poder pode existir e não ser exercido, sendo capacidade ou potencial, e o que moderaria essa relação seria o grau de dependência que os outros que se submetem têm em relação ao indivíduo que detém o poder. Para Robbins (2009), quanto maior a dependência, maior o poder, podendo ela se originar da importância, da escassez e da impossibilidade de substituição de algum recurso controlado, o que nos leva à necessidade de se compreender as formas para obter ou manter o poder.