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2.2. Decreto-lei 25/37 e a criação do tombamento

2.2.3. Conceitos e definições de tombamento

Superada essa análise terminológica, apresentam-se agora definições jurídicas de tombamento. Como se trata de um instituto sui generis - pois apresenta uma natureza jurídica ambivalente, ora se apresentando como servidão, ora como limitação administrativa, como se verá mais adiante - pode haver uma ou outra variação nas definições mais conhecidas de tombamento.

Este item apresenta exemplares de definições de tombamento, através de três prismas:

um administrativista, outro ambientalista e, o último, culturalista.

Inicia-se com a definição de Hely Lopes Meirelles, um dos grandes administrativistas do Direito pátrio, o qual diz que tombamento é uma “declaração pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio” (1995, p.

487). Neste mesmo prisma, do Direito Administrativo, Maria Coeli Simões Pires exprime sua contribuição:

63 Na verdade, o anteprojeto de Mário de Andrade previa a criação do SPAN, e não SPHAN.

64 O Capítulo I do referido esboço dispunha que “ao SPAN compete: I. determinar e organizar o tombamento geral do patrimônio artístico nacional” Cf. BRASIL. Ministério da Cultura. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: Sphan/Pró-Memória, 1980, p. 90.

O ato final resultante de procedimento administrativo mediante o qual o Poder Público, intervindo na propriedade privada ou pública, integra-se na gestão do bem móvel ou imóvel de caráter histórico, artístico, arqueológico, documental ou natural, sujeitando-se a regime jurídico especial de tutela pública, tendo em vista a realização de interesse coletivo de preservação do patrimônio. (PIRES, 1994, p. 78)

Na Ciência Jurídica, os estudos sobre tombamento são tradicionalmente efetuados pelo Direito Administrativo, porém, com a expansão e autonomia recente do Direito Ambiental, iniciaram-se as investigações acerca deste instrumento de proteção ao patrimônio cultural sob o manto ambientalista, através da subárea denominada meio ambiente cultural65.

O jusambientalista Carlos Frederico Marés de Souza Filho afirma que tombamento “é o ato administrativo da autoridade competente, que declara ou reconhece valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, bibliográfico, cultural ou científico de bens que, por isso, passam a ser preservados”. (2006, p. 83)

Há, atualmente, uma incipiente corrente, a qual o presente trabalho se filia, que defende que os estudos da proteção do patrimônio cultural e, conseqüentemente, do tombamento, devem ser efetuados também na seara dos Direitos Culturais e, não, predominantemente pelo Direito Ambiental, como ocorre atualmente66. Sob este novo enfoque, do novel Direitos Culturais, assim defende Rodrigo Vieira Costa:

Tombamento é um instituto dos direitos culturais, de natureza jurídica própria, previsto na Constituição da República de 1988, que incide sobre bens móveis e imóveis, públicos ou privados, declarando-os de valor cultural, de acordo com a discricionaridade do Poder Público, vinculado a um processo administrativo previsto em lei, que se perfaz eficaz com o ato do registro desses bens nos Livros do Tombo, constituindo um novo regime jurídico para eles, qual seja, o de intervenção na sua propriedade. (2007, p. 56)

Para finalizar essa apresentação de definições, contribui-se com uma definição própria para tombamento, qual seja: é um instituto dos Direitos Culturais que visa reconhecer ou atribuir valor cultural a um bem, a partir de critérios técnico-científicos emanados pela autoridade competente, interferindo em um ou mais elementos constitutivos do direito de propriedade, alçando-o à categoria oficial de patrimônio cultural brasileiro.

Passa-se, então, a outro ponto importante e controverso: a natureza jurídica. Há uma discussão doutrinária acerca da natureza jurídica do tombamento, uma vez que a maioria dos

65 O Direito Ambiental estuda quatro áreas: meio ambiente natural; meio ambiente artificial, meio ambiente do trabalho e meio ambiente cultural. Uma crítica ao estudo do patrimônio cultural na subárea do meio ambiente cultural será realizada no último capítulo.

66 O estudo do patrimônio cultural sob o manto dos Direitos Culturais não exclui a participação de outras searas.

Em alguns casos, Direito Ambiental e Direitos Culturais devem ser utilizados complementarmente, como ocorre, por exemplo, com o patrimônio arqueológico, o qual deve ser guiado, sobretudo, por um misto de princípios destas duas searas. Sobre os Direitos Culturais: Cf. CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Direitos culturais como direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

autores o classifica como sui generis. Num esclarecedor artigo, Francisco Luciano Lima Rodrigues enumera as principais teses acerca da natureza jurídica do tombamento, in verbis:

Dentre as diversas categorias jurídicas em que se pode incluir o tombamento, no tocante a sua natureza jurídica, encontram-se: servidão administrativa; domínio eminente estatal; bem cultural como bem imaterial e, por fim, com uma limitação administrativa ao direito de propriedade. (RODRIGUES, 2003, p. 34)

Contudo, não desprezando as outras teses, a doutrina majoritária se polariza quase sempre na modalidade de limitação administrativa ou de servidão. São defensores da primeira os juristas José Cretella Júnior e Sônia Rabello de Castro e, da segunda, Celso Antônio Bandeira de Mello e Adilson de Abreu Dallari.

A corrente que defende ser servidão administrativa, sem dúvida mais forte dentre os particulares/privatistas, é bastante questionada por reconhecer o direito à indenização ao proprietário da coisa tombada, caso o tombamento venha a lhe causar prejuízo. Para se visualizar melhor, tem-se como um clássico exemplo de servidão administrativa a passagem de fios elétricos e de aquedutos em propriedade particular, devendo o proprietário suportar tal ato mediante indenização.

A segunda corrente, ecoada pelos sujeitos envolvidos na prática de preservação, diz que a limitação ao direito de propriedade possui aspectos de generalidade, não prevendo qualquer espécie de indenização. Esse é o entendimento que o próprio Francisco Luciano Lima Rodrigues corrobora, além dos já citados juristas.

No entanto, há, ainda, uma terceira posição, minoritária, encabeçada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho e Francisco Humberto Cunha Filho, a qual entende que tombamento não se trata de limitação ou servidão, mas simplesmente de tombamento: uma categoria própria. Segundo a administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

O tombamento tem em comum com a limitação administrativa o fato de ser imposto em benefício de interesse público; porém dela difere por individualizar o imóvel.

Comparado com a servidão, o tombamento a ela se assemelha pelo fato de individualizar o bem; porém dela difere porque falta a coisa dominante, essencial para caracterizar qualquer tipo de servidão, seja de direito público ou privado.

Preferimos, por isso, considerar o tombamento categoria própria, que não se enquadra nem como simples limitação administrativa nem como servidão. (1999, p.

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No mesmo sentido é o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho:

Temos para nós que o tombamento não é nem servidão nem limitação administrativa. Trata-se de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada, com fisionomia própria e inconfundível com as demais formas de intervenção. Além disso, tem natureza concreta e específica, razão por que, diversamente das limitações administrativas, se configura como uma restrição

ao uso da propriedade. Podemos, pois, concluir que a natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar como meio de intervenção do Estado consistente na restrição do uso de propriedades determinadas. (2006, p. 652-653)

Esta, portanto, é a controversa natureza jurídica do tombamento que, como já foi mencionado, até hoje, divide a doutrina em várias correntes.