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5 Discussão e Conclusões: Esboço de um projeto de escola para a educação do futuro

5.2 Conceitos estruturantes

Desta investigação emergiram naturalmente três conceitos estruturantes. Conceitos portanto que atribuem outro projeto educativo à escola e, por conseguinte, outra configuração física, instrumental, organizacional e funcional. Trata-se dos conceitos de “Processo heurístico de aprendizagem da informação”, “Processo heurístico de construção do conhecimento aprendente” e de “Coopetitividade solidária planetária”.

5.2.1 Processo heurístico de aprendizagem da informação

O conceito de informação associado ao conceito de TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação, revela-se, como foi anteriormente antecipado, em contexto escolar desadequado e improdutivo pelo seu caráter de pronto a usar que lhe retira toda a ação

5 Discussão e Conclusões: Esboço de um projeto

heurística processual intrínseca à interpretação, ao processamento e, consequentemente, à compreensão, portanto atribuição de significado, ou à produção de efeitos cognitivos. É certo que esta designação está largamente aceite. Contudo, especialmente em contextos de ensino-aprendizagem escolar, os conceitos de informação e de transferência de dados111

atribuem projetos distintos à entidade, ou entidades, promotora de relação/processo de ensino-aprendizagem. O que é rececionado pelo ser humano só passa a constituir informação para este a partir do momento que este a consegue traduzir (descodificar e de seguida codificar no seu código pessoal) e, assim, lhe atribui significação e pragmática. O que para o emissor pode ser informação, faz sentido, tem significação e pragmática, para o recetor pode não ser. Esta distinção, aparentemente simples, é determinante na construção de projetos curriculares, didáticos e pedagógicos em qualquer relação e/ou processo de ensino- aprendizagem escolar. A informação é produto somente de cada um. Partir do pressuposto de que uma determinada informação é rececionada como tal no destino, pode criar dissonância e/ou erro e, assim, prejudicar a relação/processo de ensino-aprendizagem escolar. Na designação TIC, o conceito de informação pressupõe à priori a apreensão de uma significação e de uma pragmática pelo recetor sobre algo que toca, olfata, lê, olha e/ou ouve. Se tudo o que é tomado como informação na emissão fosse transmissível estava garantida à partida a aprendizagem da informação, ou melhor, a aprendizagem da informação da informação, e, assim, seria indiferente quem emite e quem receciona; seria indiferente a entidade e/ou organização emissora. A tão atual preocupação com a educação para os media não faria sentido. Tal como temos vindo a sistematizar em relação ao conhecimento, também no que toca à informação, que precede e sucede o conhecimento, esta ganha significação e pragmática quando relação do recetor consigo mesmo, relação com o outro e relação com o mundo, independentemente do modo de comunicação.

Como referem Meunier e Peraya (2009, p. 447):

cada modo de comunicação (o gesto, a voz, a fala, a imagem, a escrita) é indissociável (simultaneamente causa e efeito) de um certo nível de diferenciação do sistema triádico sujeito-outro-mundo.

Henri Atlan (2008), citando Brillouin, menciona relativamente ao conceito de informação: o seu valor humano é necessariamente uma grandeza relativa que terá valores diferentes segundo o observador, consoante este tenha a possibilidade de a compreender e utilizar posteriormente (p. 55).

111 O conceito de dados não pode, principalmente, em contexto de ensino-aprendizagem escolar ser

confundido com o conceito de informação. Os dados para se tornarem informação sofrem um processo de transformação. O tipo de informação criada depende da relação definida entre os dados existentes. Processo que envolve também relação com conhecimento existente (Stair, 1998, pp.4-5).

Esta clarificação é fundamental em qualquer contexto de comunicação e socialização e com mais exigência ainda em contextos de ensino-aprendizagem escolar, onde

as comunicações são actos sociais que geram organizações sociais (conjuntos estruturados de relações sociais), as quais por seu turno geram comunicações (Meunier & Peraya, 2009, p. 446).

e, como referem ainda os mesmos autores, “[é] preciso ligar as conotações aos processos metonímicos e metafóricos e estes à cognição e às representações sociais” (p. 446).

5.2.2 Processo heurístico de construção do conhecimento aprendente

A construção heurística do conhecimento aprendente em contexto escolar, impôs-se naturalmente à medida que avançávamos na investigação. Na verdade, este trabalho demonstra que o conhecimento não se adquire mas constrói-se heuristicamente no conjunto organizado de relações que o aprendente estabelece com tudo o que está relacionado com o aprender esse conhecimento e com esse mesmo conhecimento. Sendo que é na heurística dos porquês que essas relações se evidenciam e se tornam consistentes numa racionalidade que designamos por “Racionalidade do compromisso” cuja praxis concretizamos nos já explicitados “Caminho racional de Hans Küng” e “Antropo-ética de Morin”.

O esquema da Figura que a seguir apresentamos pretende sintetizar e sistematizar o conceito em meio escolar de “Processo heurístico de construção do conhecimento aprendente”.

Figura 5-1 - Processo heurístico de construção do conhecimento aprendente

No esquema da figura pode observar-se que o conhecimento aprendente escolar, ou melhor, a relação com o conhecimento aprendente escolar - isto é, a relação com o conhecimento que resulta de uma aprendizagem escolar mediada heuristicamente que, por um lado, evidencia as relações com o contexto, com o global (a relação entre o todo e as partes), com o multidimensional do ser humano e da sociedade e com o complexo (que é ligação entre a unidade e a multiplicidade) e, por outro, potencia novas aprendizagens - se constrói com, na e para a racionalidade do compromisso que é sustentabilidade, que é humanidade. Essa aprendizagem escolar mediada heuristicamente é representada no esquema através do anel “conativar<->ver/observar<->fazer<->ensinar<->avaliar/ajuizar/refletir”, em que se implicam mutuamente motivações, trajetórias, sentidos, interesses, objetivos, formas/relações de/com aprendizagem, relações com conhecimentos prévios, experiências de relação, práticas quotidianas, neurobiologias, neuropsicologias, neurosociologias, mundos e verdades únicos do aprendente. Mas no esquema também é possível observar que essa aprendizagem, que é mais autoaprendizagem, se faz na heteroaprendizagem que constrói relações com verdades mais coletivas, vivida coletivamente em contexto escolar aberto (representado pelos dois círculos descontínuos) em que se entrecruzam (espiral) motivações, trajetórias, sentidos, interesses, objetivos, formas/relações de/com aprendizagem, relações com conhecimentos prévios, experiências de relação, práticas quotidianas, neurobiologias, neuropsicologias, neurosociologias, neuroculturas, mundos e verdades singulares e únicos, tantos quantos os aprendentes. O sistema aberto representado no esquema traduz a interação e retroação contínuas entre a aprendizagem, que é mais autoaprendizagem, a

heteroaprendizagem e a racionalidade do compromisso que constroem e reconstroem a relação com o conhecimento aprendente escolar.

5.2.3 Coopetitividade solidária planetária

Ao longo deste estudo ficou claro que o conceito de competitividade não faz qualquer sentido sem que tenha o propósito único de mais igualdade de oportunidades, de mais sustentabilidade, de mais humanidade. E neste sentido, para a escola, coopetitividade solidária planetária parece ser o novo nome da competitividade. Aquela que reconhece em cada ser humano a família planetária organizada e que, por isso, tem como fim exclusivo e único o bem de cada um e de todos. E este conceito enforma-se no compromisso da escola em garantir a cada aprendente e a todos os atores escolares e educativos a igualdade de oportunidade de construção da sua autonomia na heteronomia com, na e para a racionalidade do compromisso. Afinal, apoiando-nos de novo em Morin (2002, p. 59), “todo o desenvolvimento verdadeiramente humano significa desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das participações comunitárias e do sentimento de pertença à espécie humana” e à terra mãe pátria destino da humanidade.

Este conceito de coopetitividade solidária planetária assenta portanto naquelas que são também as bases da escola para a educação do futuro e que consistem em construir e desenvolver em cada aprendente e em cada ator escolar e educativo a capacidade de:

• autoaprender heteroaprendendo com, na e para a racionalidade do compromisso a conhecer, combinando um conhecimento de grande amplitude disciplinar vertical com um conhecimento da maior amplitude horizontal possível resultante das limitações daquele e do complexo do conhecimento, com vista à construção do conhecimento sistémico indispensável à sustentabilidade, indispensável à humanidade;

• autoaprender heteroaprendendo com, na e para a racionalidade do compromisso a fazer, levando, sob a primazia da humanidade, a um estado de destreza suficiente que crie os seus próprios conceitos, termos, palavras, ações, procedimentos, meta- aprendizagens, metaconhecimentos, formas de trabalhar, formas de gerir, formas de conceber, formas de indagar, formas de falar, narrativas, etc., só possíveis a quem faz e que permitem aprendizagens mais diversificadas, mais cooperativas e, por essa via, mais identitárias e agregadoras;

• autoaprender heteroaprendendo com, na e para a racionalidade do compromisso a conviver, compartilhando cooperativa e democraticamente ideias, ideais e projetos e realizando cooperativamente compromissos comuns, indispensáveis: à expressão livre de verdades individuais; à devolução da compreensão do outro devolvendo a do

próprio ao mesmo tempo; ao evidenciar das interdependências; e à construção judiciosa de verdades mais coletivas, mais comunitárias. Portanto, indispensáveis ao reconhecimento da família planetária organizada no outro, portadora de mais sustentabilidade, de mais humanidade;

• autoaprender heteroaprendendo com, na e para a racionalidade do compromisso a ensinar, devolvendo heurística, organizada e explicitamente as aprendizagens do outro devolvendo as próprias ao mesmo tempo. Reconhecendo, integrando e conciliando numa dialética-dialógica judiciosa formas de aprender diferentes e, portanto, formas de perceção de si, dos outros e do mundo diferentes, que conduzam à construção de aprendizagens mais coletivas, mais sustentáveis e por isso mais humanas;

• autoaprender heteroaprendendo com, na e para a racionalidade do compromisso a avaliar/ajuizar/refletir, para possibilitar a interrogação sistemática e crítica sobre a relação com o conhecimento, a fim de desenvolver o compromisso e o sentido de pertença a uma mesma família planetária;

• autoaprender heteroaprendendo com, na e para a racionalidade do compromisso a ser, para desenvolver plenamente autonomias individuais hologramáticas e tributárias da família planetária organizada;

para, de seguida, numa perspetiva de aprendizagem/educação ao longo da vida capacitar a reaprender esses autoaprenderes que nos parecem tributários de menos tensão entre a competitividade indispensável e a igualdade de oportunidades identificada e explicitada por Delors (UNESCO, 1996, pp. 15-16).