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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE CERÂMICA DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO GARBIN:

3.1. Conceitos sobre o estudo da tecnologia

O estudo das técnicas e da tecnologia foi mais intensamente explorado pelos pesquisadores franceses, que inicialmente relacionaram suas pesquisas a evolução das técnicas, e no decorrer dos anos os etnólogos aplicaram o conceito de cadeia operatória em suas análises de natureza etnográfica, antes dos arqueólogos, para a descrição das técnicas tradicionais. Para os arqueólogos, o conceito de cadeia operatória tornou-se uma ferramenta indispensável no estudo das técnicas das culturas materiais de populações pré-históricas (ZUSE, 2009).

De acordo com Machado (2007) os conceitos de tecnologia utilizados por diversos pesquisadores estão associados às diferentes noções de cultura que estariam predominantes nas correntes teóricas em vigor na antropologia. Correntes como o evolucionismo e o neo- evolucionismo viam a cultura como uma ferramenta de adaptação ao meio. Dessa forma a cultura era entendida como uma forma de superar as variáveis ambientais e resolver as necessidades básicas dos grupos humanos. No entanto sob a corrente teórica da Nova Arqueologia, diversos autores compreendem a cultura como sistema simbólico, como um conjunto interligado de conhecimentos e práticas cheio de significados.

Autores como Marcel Mauss, André Leroi-Gourhan e Claude Lévi-Strauss entendem que a tecnologia é como um signo, carregado de significados que são transmitidos de geração a geração, vinculado a aspecto da organização social, mística e religiosa (DIAS E SILVA, 2001).

Segundo Schiffer e Skibo (1992 APUD MACHADO 2007), tecnologia é um corpus de artefatos, comportamentos e conhecimentos para a criação e utilização de produtos, que é transmitido entre as gerações.

Para Lemonnier (1986 APUD DIAS 2007), a tecnologia á um produto social, sendo as escolhas tecnológicas estratégias dinâmicas, relacionadas frequentemente com diferenciação e identidade social. Para o autor a tecnologia é uma preocupação antropológica, pois manifesta

as escolhas feitas pelas sociedades dentro de um universo de possibilidades, das quais as técnicas, em seus aspectos mais materiais, fazem parte.

Os sistemas tecnológicos são constituídos por uma série de conjuntos técnicos. As técnicas seguem uma cadeia operatória específica, e dentro das etapas dessa cadeia operatória, os agentes devem fazer uma série de escolhas e combinação de escolhas, o que caracteriza os conjuntos técnicos e ao final os sistemas tecnológicos (DIAS, 2007).

Para Dias e Silva (2001) a utilização do conceito de sistemas tecnológicos implicar no entendimento de que as técnicas utilizadas por uma sociedade e não apenas elementos isolados, mas que estão constituídas sistemicamente. De acordo com as autoras os sistemas tecnológicos são sistemas de representação social que se caracterizam como um local de manifestação estilística.

A representação cultural das técnicas e sua classificação por um dado grupo contribuir para firmar seu caráter sistêmico e ao mesmo tempo reafirmar as identidades culturais nele representadas (DIAS, 2007).

Para Dias e Silva (2001) o conceito de estilo tecnológico seria o modo como às pessoas realizam o seu trabalho, incluindo as escolhas feitas por eles no que se refere aos materiais e as técnicas de produção. Segundo as autoras:

A compreensão deste conceito é fundamental importância para o entendimento dos conjuntos tecnológicos de diferentes grupos culturais, permitindo compreender o estilo não apenas como padrão material que se manifesta na morfologia e na decoração dos artefatos, mas, também como algo que é inerente e subjacente aos processos de produção a partir dos quais estes aspectos visuais são uma resultante (DIAS E SILVA, 2001, p. 96).

Segundo Dias (2007) tecnologia, função e estilo são aspectos inter-relacionados do comportamento, indicando fronteiras sociais e afiliação cultural que podem ser reconhecidas na cultura material.

De acordo com Dias (2007, p. 64):

O estilo tecnológico ligado a corrente teórica processual e pós-processual entende o fenômeno estilístico como algo próprio e subjacente aos processos de produção na qual resultam os aspectos visuais relacionados à forma final dos artefatos. Ou seja, refere-se a um determinado modo de fazer algo ou alguma coisa, sendo que este modo de fazer implica em escolhas dentre possibilidades alternativas, sendo próprio de um determinado tempo e lugar.

Sackett (1986 APUD MAGESTE, 2015) considera estilo e função como sendo indiscrimináveis, negando a existência de qualquer diferença entre elas. Para esse autor, estilo está presente em todos os aspectos da confecção do artefato, podendo ser considerado como reflexo de etnicidade e identidades sociais. Já Binford define estilo como independente e como um resíduo das variações funcional e tecnológica, ou seja, não estaria ligado a itens utilitários da cultura (PACHECO, 2008).

De acordo com Dias e Silva (2001, p. 96) a variabilidade artefatual resulta de escolhas tecnológicas que são culturalmente estabelecidas pelos grupos. Para entender a variabilidade e a variação dos conjuntos artefatuais e preciso aprender os processos a partir dos quais estas foram resultantes. Segundo as autoras:

Os estilos tecnológicos estão representados nestas escolhas, que se refletem na seleção das matérias primas, nas técnicas e sequencias de produção escolhidas e nos resultados materiais destas escolhas, representados pelas diferentes categorias de artefatos produzidos. O estilo tecnológico pode ser entendido como produto de uma tradição cultural e seu estudo, relacionado a outros aspectos de ordem contextual, pode servir como indicador de identidades sociais representadas no registro arqueológico. Contudo, esta percepção demanda um suporte contextual de análise na medida em que um estilo tecnológico só adquire sentido quando compreendido como parte de um sistema tecnológico e este, por sua vez, de um sistema cultural mais amplo.

Para Schiffer e Skibo (1997 APUD DIAS E SILVA, 2001) a variabilidade dos conjuntos artefatuais relaciona -se a natureza das escolhas tecnológicas. Para os autores a variabilidade artefatual está ligada ao conhecimento e experiência do artesão e por aspectos situacionais. Sendo que o primeiro se refere às diferenças individuais, as estruturas de aprendizagem, a percepção e decisão de fazer, a transmissão de conhecimento e a tradição tecnológica. O segundo pertence aos aspectos como a procura do material, a manufatura, o transporte, a distribuição, o uso, a estocagem, a manutenção e reparo, a reutilização e a disposição.

Para Silva (2000) a variabilidade formal está relacionada às propriedades físicas de um artefato que durante a análise deve levar em conta os aspectos como tamanho, espessura, peso, profundidade, textura, cor, consistência e contorno formal do objeto. A autora, ao estudar os grupos Assurini e Xikrin, demonstrou a variabilidade formal da cerâmica e da cestaria que seria resultado de escolhas tecnológicas, feitas pelo artesão. De acordo com a autora, estas escolhas podem ser de caráter individual ou em grupo, resultante de diferentes fatores de ordem prática e simbólica. De acordo com autora:

Estas escolhas são feitas a partir dos conhecimentos que os artesãos possuem a respeito das matérias – primas, bem como, dos processos produtivos e das atribuições utilitárias, estéticas e significativas que estes objetos apresentam. Por sua vez, e resultado de um longo processo de aprendizagem e da experiência empírica na confecção destes materiais (SILVA, 2000, p.185).

As escolhas tecnológicas podem ocorrer em qualquer esfera da relação entre agentes, elementos e energia, ou seja, ao longo de todo o processo produtivo do objeto. Através dos conhecimentos prévios das possibilidades existentes naquele tempo e lugar, que iram dar forma a um conjunto artefatual (MACHADO, 2007).

Para a análise dos fragmentos cerâmicos do sítio Arqueológico Garbin utilizou-se uma ficha (ver ficha de análise cerâmica em anexo A) desenvolvida na tese de doutorado de Zuse (2014), a qual contém atributos que caracterizam as escolhas das ceramistas em relação à pasta, técnicas de confecção, de acabamento de superfície, queima e uso. A construção da ficha foi baseada na seguinte bibliografia: Shepard (1995), Rye (1981), Rice (1997), Orton et al (1997), Chymz (1976), La Salvia e Brochado (1989), Brochado, Monticelli e Neumann (1990) e Brochado e Monticelli e Neumann (1990), Brochado e Monticelli (1994), Silva (2000), Cerezer (2009), Lima (2008), Machado (2005), Garcia (2010, 2012), Panachuk e Cruz (2010), Dantas e Lima (2006), Neumann (2008, 2010), Zuse (2009), entre outros. Na análise arqueométricas (ALVES, 1998, 2009; GOULART, 2004; APPOLONI et al, 1997, 2004; MUNITA, 2005; CUNHA LIMA , 2010; RIZUTTO, 2009) que não puderam ser contempladas nesta pesquisa. (ZUSE, 2014). Depois de finalizada a etapa de analise dos fragmentos, os dados foram digitalizados em planilha Excel para criação de tabelas e gráficos, sendo realizadas correlações entre os atributos.

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