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1.3. Língua

1.3.1. Conceitos gerais

A ciência da linguagem humana tem como objecto de estudo a comunicação humana e nesse âmbito o estudo da língua. Não se torna muito fácil o estudo da língua pois ela tem um duplo estatuto, por vezes ela é objecto de análise, o que se torna amplo na sua complexidade, e por outro lado ela é um instrumento de comunicação.

A língua é um sistema infinitamente complexo que representa um dos traços marcantes da cultura de um povo, e, por outro lado, permite a comunicação entre os falantes de uma comunidade. São várias as definições que existem sobre o conceito de língua. Ela não existe numa única perspectiva.

Saussure (1978) definiu a língua como um código, um código em que se cria a correspondência entre imagens “acústicas” ou “visuais” e conceitos: um sistema gramatical existente virtualmente em cada cérebro, ou mais exactamente, nos cérebros de um conjunto de indivíduo. No século passado este conceito de língua como um código revolucionou o sistema de estudo das línguas estrangeiras pois saber uma língua era conhecer o seu sistema isto é, «to know about the language».

A língua como objecto de análise é um sistema complexo. Galisson e Coste (1983) concebem a língua de acordo com a sua natureza social, todo o sistema específico de signos articulados, que servem para transmitir mensagens humanas. É partilhada por uma comunidade que admite as usas convenções mas que, pouco a pouco, as modifica; daí o seu carácter evolutivo. Estes dois autores no seu conceito de língua vão mais longe pois são de opinião de que uma determinada sociedade usa a língua e a pouco e pouco a modifica. Apresentam a língua não como algo estático. Num estudo diacrónico da língua de uma determinada comunidade vê-se o carácter evolutivo de uma língua.

Fairclough (1989) considera que a língua é um sistema altamente complexo, que integra em si a forma, os processos sócio-cognitivos e o contexto histórico. Para este autor a língua é um sistema e como tal engloba outros subsistemas que inclui a componente social, os conhecimentos e a realidade histórica. O conceito de língua deste autor pode ser entendida à luz do que foi concebido por Galisson e Coste principalmente no que tange à componente social e o carácter evolutivo da língua.

Jones (1984) concebe a língua como o meio pelo qual o indivíduo constrói as suas relações com os outros. Este autor explica a dimensão social da língua que nos põe em contacto com o “ outro”. Este autor destaca a língua como um instrumento de comunicação na mesma linha de Martinet (1985), a língua é um

instrumento de comunicação que possibilita a análise da experiência humana em unidades de conteúdo semântico e de expressão vocal.

Fonseca (1992) concebe a língua como um sistema modalizante primário do mundo, com ela cada falante constrói uma visão do mundo específico, em que às variantes que respeitam ao homem em geral enquanto ser inteligente, livre e social, se congregam peculiaridades várias determinadas por factores complexos no âmbito de cada comunidade. Na opinião deste autor a língua é também um sistema que varia. Na sua explicação inclui a componente individual e o colectivo.

Amor (1993) explica que a língua é um fenómeno de natureza supra individual, institucional balanceado entre o obrigatório, a” norma” e o possível a” variação”. Esta autora também realça na sua definição a realização individual do uso da língua como algo estabelecido que oscila entre o princípio que serve de regra e a mudança.

Segundo Andrews (1997), a língua é a que se encontra na base da construção das relações inter-pessoais. É ela que ajuda a formar identidades e a unir nações, sociedades e comunidades. Esta concepção de língua é mais abrangente, parte das relações com o “ outro “ na formação de uma comunidade linguística, de uma sociedade, e a possibilidade de uma mesma língua unir nações. É o que acontece nos nossos dias em relação à LP no mundo, ela une nações.

Sim-Sim (1998) explica que todas as línguas são complexas, capazes de exprimir qualquer ideia; são mutáveis no tempo, são compostas por unidades discretas e reguladas por regras, em todas elas é possível expressar o passado, o presente, o futuro, a negação, a interrogação e a formulação de ordens. Esta autora parte do princípio de que todas as línguas são complexas, têm regras, e com elas pode-se expressar tudo. Este conceito de língua é revolucionário em

relação a muitas concepções de língua no passado em que algumas línguas gozavam algum prestígio social e outras não. É o que aconteceu com o crioulo de Cabo Verde que muitas vezes foi menosprezado relativamente a esta posição que se manteve até ao século XX. Sobre isto Veiga (2002) diz-nos: «…são apenas os

filhos de Portugal que ainda falam a língua portuguesa; e mesmo estes acostumam-se logo à ridícula linguagem do país, geralmente usada e chamada língua crioula, idioma o mais perverso, corrupto imperfeito, sem construção, sem gramática e que se não pode escrever”.

Segundo Cunha & Cintra (1999) “língua é um sistema gramatical

pertencente a um grupo de indivíduos. Sendo expressão da consciência de uma colectividade, a Língua é o meio por que ela concebe o mundo que a cerca e sobre ela age. Utilização social da faculdade da linguagem, criação da sociedade, não pode ser imutável; ao contrário tem de viver em perpétua evolução, paralela à do organismo social que a criou.

...É, pois, recente a concepção de língua como instrumento de comunicação social, maleável e diversificado em todos os seus aspectos, meio de expressão de indivíduos que vivem em sociedades também diversificadas social, cultural e geograficamente. (ibidem:3)

Não há uma definição única de língua. Ela pode ser concebida sob diferentes perspectivas. Pode ser encarada como um sistema onde vários elementos a constituem, isto é, a forma (semântica e vocabulário) e a sua substância (sistema gráfico e fónico), como um diassistema, onde se inter- relacionam diversos sistemas e sub-sistemas, tendo em vista factores geográficos, históricos, sociais, e psicológicos numa nova concepção de língua.

Na concepção de Cunha & Cintra (1999)” uma língua apresenta pelo menos, três tipos de diferenças internas, que podem ser mais ou menos profundas:

1. diferenças no espaço geográfico ou variações diatópicas;

2. diferenças entre as camadas socioculturais, ou variações diastráticas;

3. diferenças entre tipos de modalidade expressiva, ou variações diafásicas.”

Em muitas outras áreas do saber estuda-se a língua, não enquanto objecto mas como instrumento, como por exemplo a língua como conhecimento é estudada na psicologia. É do domínio da psicologia o entendimento do processo cognitivo para a aquisição de uma língua. Na sociologia estuda-se a língua como comportamento, pois través dela é que se processa a socialização, usando-a, um indivíduo se torna membro de uma comunidade linguística. Nesse domínio a língua e a sociedade se interagem, assim aceita-se a língua como comportamento. Na literatura ela é encarada como uma arte. Os escritores e os poetas usam-na numa perspectiva criativa como uma arte, e nessa visão debruça-se sobre a relação que ela estabelece com a literatura.

A língua pode ser concebida sobre várias vertentes: como objecto ou como instrumento, em diferentes domínios: do conhecimento, da arte, do comportamento. Mas, para os professores de língua a questão fundamental não é tanto a de saber como é a língua, ou como se como se adquire, mas sim para que serve. E a resposta é para comunicar. Ensinar uma língua, é ajudar o aluno a desenvolver uma competência que lhe permita não só organizar frases correctas, mas sobretudo, a interagir com outras pessoas em situações especiais de comunicação.