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3. TRAJETÓRIAS DE IMPLEMENTAÇÃO DOS PROJETOS ESTUDADOS:

3.3. O P ROGRAMA D E B RAÇOS A BERTOS

3.3.1. Concepção e definição do De Braços Abertos

O DBA foi instituído pelo Decreto Municipal nº 55.067, em abril de 2014, com o objetivo de “promover a reabilitação psicossocial de pessoas em situação de vulnerabilidade social e uso abusivo de substâncias psicoativas, por meio da promoção de direitos e de ações

assistenciais, de saúde e de prevenção ao uso abusivo de drogas”. O programa é resultado da ação intersetorial de, principalmente, cinco secretarias municipais: saúde; assistência social; segurança urbana; trabalho e empreendedorismo; e direitos humanos e cidadania68.

Seu principal conceito orientador foi o de redução de danos, ou, como mencionado em uma entrevista com gestor da SMS, a ampliação da vida dos usuários. O programa tinha como foco o cuidado e não exigia abstinência de seus beneficiários, tentando garantir as condições mínimas para que os mesmos consigam se organizar. Para tal, oferecia três refeições diárias, hospedagem em hotéis e remuneração de 15 reais por dia em frentes de trabalho, além do atendimento pela saúde, e inclusão dos beneficiários na rede socioassistencial. A representação territorial do DBA era uma tenda – localizada na Rua Helvétia, 64 –, a qual era a porta de entrada ao programa, oferecendo serviços de higiene, local para convívio, entre outros.

Nas frentes de trabalho os beneficiários tinham quatro horas de atividades diárias. As principais frentes eram a varrição de ruas e a jardinagem. Ademais, uma vez por semana ocorria o Cine Debate e a Formação Cidadã. Essas atividades eram optativas e substituíam as horas necessárias de trabalho por dia. Como vimos no capítulo anterior, desde a gestão de Luiza Erundina, é comum a tentativa de inserir as pessoas em situação de rua no mercado de trabalho por meio de atividades de varrição e limpeza. A crítica colocada nesse ponto é reforçar a invisibilidade que a pessoa já estava sujeita, como trouxe um de nossos entrevistados:

A varrição é o mais invisível dos trabalhos num país como o nosso, de herança escravocrata. Enfim, tem gente que pode gostar de varrer porque gosta de ficar na rua, lida muito mal em ficar num espaço fechado, mas tem gente que gostaria de fazer outras coisas, que já tinha formação e experiência em outras atividades (DBA_PE).

Para superar essa crítica, outras frentes foram gradualmente inseridas, como manutenção predial, trabalho na lavanderia, trabalho com reciclagem, estética e beleza, ateliê de artes, costura, reutilização de pneus, madeiras e manutenção de bicicletas.

Ao longo do desenvolvimento do DBA é possível afirmar que os hotéis foram o alvo de maiores críticas e eram vistos pelos gestores como um dos principais desafios do programa. A demanda inicial dos beneficiários era de ficarem próximos à cena de uso, porque temiam que fossem levados para locais distantes da região central, então o esforço foi localizar hotéis na região. Contudo, algumas hospedagens tinham condições extremamente precárias e a localização foi se tornando um problema, porque dificultava a redução do consumo de

68 Secretaria Municipal de Saúde (SMS); Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social

(SMADS); Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU); Secretaria Municipal de Trabalho e Empreendedorismo (SDTE); e Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC).

substâncias e possibilitava uma maior interferência dos comerciantes de drogas na dinâmica do programa. A hospedagem era viabilizada por meio do aluguel de vagas em hotéis privados pela prefeitura. Nesse modelo, seus proprietários e gerentes assumiam responsabilidades e discricionariedade em relação aos beneficiários ali hospedados, principalmente na parte da noite, período no qual as equipes da prefeitura não estavam presentes. Os donos desses hotéis acabaram assumindo funções como mediação de conflitos entre os beneficiários e até estabeleceram regras específicas que achavam necessárias, as quais poderiam inclusive contrariar as diretrizes da gestão. Entre 2014 até meados de 2016, o DBA funcionou com cerca de sete hotéis69 na região da Luz.

Em 2016, a coordenação do DBA começou a estudar outros formatos possíveis para prover a hospedagem e inaugurou dois hotéis com gestão própria (prédio alugado e mobiliado pela prefeitura), um localizado no Parque Dom Pedro e outro em Heliópolis. Viabilizou também para todos os hotéis do programa gestão durante 24 horas70, com gerente e técnicos contratados por meio dos contratos com organizações da saúde, contudo, o processo seletivo foi organizado pela própria coordenação do DBA.

Desde o início, por se tratar de um programa de grande visibilidade e centralidade na agenda do governo, o DBA mobilizou diretamente o alto escalão municipal, ressaltando a importância da dimensão política para desencadear o processo. Ao longo de sua implementação, e com a estruturação do programa, cada uma das principais secretarias instituiu um burocrata de médio escalão para ser o ponto focal e fazer a ponte entre o gabinete da secretaria e o território. Ademais, o DBA operou por meio de OSCs conveniadas com a SMS, a SMADS, a SDTE e a SMDHC, cujas relações serão detalhadas nas próximas seções. Os trabalhadores dessas organizações são a burocracia de nível de rua desse projeto. Desses, cerca de 70 técnicos atuavam em trios formados por um representante de cada setor – saúde, assistência social e trabalho – que acompanhavam diariamente os beneficiários, principalmente nos hotéis e nas frentes de trabalho. Cada trio ficava responsável por 20 beneficiários71.

69Após um ano de implementação do projeto, em 2015, existiam sete hotéis credenciados: Hotel Alaíde; Hotel

Aveiro; Hotel Kelly; Hotel Lucas; Hotel Seoul; Hotel Zezinho; e Pensão Azul. Os hotéis Impactos e Santa Maria foram credenciados depois e mantidos até o fim. Em 2016 foram descredenciados o Avaré, o Anexo, e o Kelly. O último a ser descredenciado é o Hotel Alaíde, que leva o nome de sua dona, a qual estabeleceu boas relações com os beneficiários e com a gestão do programa, no entanto, situava-se muito próximo do fluxo. Um hotel também foi viabilizado, no modelo de aluguel de vagas, na Freguesia do Ó.

70A ideia de gestão 24 horas surgiu a partir de viagem que toda a coordenação fez para conhecer a experiência de

redução de danos em Vancouver – Canadá. O programa de lá atende cerca de 1500 pessoas, e também oferece hospedagens em hotéis que possuem gestão durante o dia e noite.

71O número de beneficiários ativos em 19/10/2016 era de 406 pessoas, segundo documento fornecido pela

Um instrumento específico foi desenvolvido para acompanhamento do programa. Trata- se de um cadastro que reúne informações relativas ao monitoramento de cada beneficiário nas áreas de saúde, assistência social e trabalho. Esse sistema era abastecido por esses trios e foi desenvolvido com o objetivo de poder aferir com dados próprios da prefeitura o andamento e resultados do programa. Semanalmente era possível gerar um novo relatório com essas informações, o qual era utilizado para divulgar resultados e também reorientar decisões, se fosse o caso.

O programa inicialmente teve como foco a cena de uso conhecida, enquanto categoria nativa, como fluxo, na cracolândia. Depois, algumas de suas ações foram descentralizadas para outros territórios da cidade; contudo, ainda que sejam mencionadas, o presente trabalho focará principalmente nas ações desenvolvidas no centro de São Paulo, devido ao tempo de implementação e a concentração de atividades.