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2 MERCADO DE TRABALHO, JUVENTUDE EM CONFLITO COM A LEI E

2.2 A ECONOMIA SOLIDÁRIA

2.2.1. Concepção e princípios

A Economia Solidária diz respeito a uma formulação teórica de um modo de fazer economia que implica comportamentos sociais e pessoais novos, tanto no que se refere a produção e a organização das empresas, como nos sistemas de destinação de recursos, de bens e serviços e nos mecanismos de consumo e distribuição (RAZETO, 1993).

Seu conceito se refere às organizações de produtores, poupadores, consumidores, prestadores de serviço, etc., que diferem dos demais empreendimentos por duas especificidades: estimulam a solidariedade entre seus membros mediante a prática da autogestão e praticam a solidariedade para com os trabalhadores em geral, com ênfase aos mais desfavorecidos (SINGER, 2003).

A Economia Solidária possui como princípios a cooperação, a autogestão, a solidariedade, o desenvolvimento sustentável e a valorização do trabalhador. Tem como orientação valores que incorporam as dimensões culturais, étnicas e ecológicas da sustentabilidade do desenvolvimento, visando a um processo de

emancipação54 que incorpore a produção, a distribuição e a preservação dos recursos naturais e sociais (SENAES, 2009).

No que tange ao princípio de cooperação, salienta-se que a cooperação entre os homens possui um caráter ontológico. Esta compreende “a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes” (MARX, 1989 p. 374). Isto é, a cooperação significa a unidade entre os homens, que planejam e produzem conjuntamente. Entre os trabalhadores, esse princípio representa a força coletiva, que difere da soma das forças individuais, já que o homem coopera visando a objetivos comuns, como produzir mais em menor tempo (MARX, 1989).

A cooperação na dimensão da Economia Solidária engloba então união de esforços e capacidades, a propriedade coletiva de bens, a partilha dos resultados e a responsabilidade solidária à vida humana (SENAES, 2009).

A autogestão é caracterizada pelo envolvimento de todos os trabalhadores na gestão de um empreendimento. Caracteriza-se pela tomada de decisões em assembleias em um curto prazo de tempo quando o empreendimento solidário é pequeno, ou em assembleias gerais quando é grande. É eleita pelos sócios uma diretoria, coordenadores, encarregados ou gestores. As instruções devem fluir de baixo para cima, representando um movimento contrário ao das empresas capitalistas. Assim, a autoridade maior se dá na assembleia, na qual todos os sócios decidem os caminhos a serem seguidos. Dessa forma, além de o trabalhador cumprir suas tarefas, ele deve preocupar-se com os problemas gerais da empresa (SINGER, 2002).

As práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho incorporam as definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses. Nesse contexto, os apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação (SENAES, 2009).

54 Emancipação no contexto da Economia Solidária diz respeito ao “processo ideológico e histórico de

libertação de comunidades políticas ou de grupos sociais, da dependência, da tutela e da dominação nas esferas econômicas, sociais e culturais. Emancipar-se significa livrar-se do poder exercido por outros, conquistando, ao mesmo tempo, a plena capacidade civil e de cidadania no Estado democrático de direito” (CATTANI, 2003 p. 130).

Em relação ao princípio da solidariedade, destaca-se que este pode se dar

em três formas: altruísmo (auxílio sem esperar contrapartida – organizações não governamentais e filantropia); lealdade (considerada promissora, visando a possíveis ganhos coletivos – algumas cooperativas e sindicatos); e reciprocidade (relação de troca) (SOBOTTKA, 2002). A partir dessas três dimensões, pressupõe- se que a solidariedade que se refere à Economia Solidária representaria uma relação de reciprocidade e lealdade. Desse modo, esse princípio compreende a justa distribuição dos resultados alcançados e as relações que os empreendimentos estabelecem com a comunidade local, bem como as relações com os outros movimentos sociais e populares de caráter emancipatório (SENAES, 2009).

O desenvolvimento sustentável significa a busca da conciliação entre o processo de desenvolvimento da sociedade e a manutenção do equilíbrio ambiental. Engloba o respeito ao meio ambiente, a justiça social, a viabilidade econômica e o respeito à diversidade cultural (MILANEZ, 2003). O desenvolvimento sustentável corresponde às necessidades das atuais gerações e não compromete a satisfação das necessidades das futuras. A Economia Solidária busca então a viabilidade econômica, permeada por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais e sociais.

A valorização dos trabalhadores está intimamente ligada aos demais princípios – que também se inter-relacionam. Na Economia Solidária, as oportunidades devem levar ao desenvolvimento de capacidades e à melhoria das condições de vida de seus participantes. Além disso, a preocupação com o bem- estar dos trabalhadores e consumidores deve ser presente nos empreendimentos, bem como o respeito aos direitos dos trabalhadores (SENAES, 2009).

Contudo, cabe ressaltar que a Economia Solidária, a partir dessas concepções e princípios, aparece como uma dimensão teórica de nível científico (RAZETO, 1993). A partir desses princípios referidos, a Economia Solidária não reproduziria em seu interior as relações capitalistas, pois as substitui por outras: autogestão, valorização do trabalhador, desenvolvimento sustentável, etc. Porém, ao mesmo tempo não elimina ou ameaça a reprodução do modo de produção capitalista, ao menos no horizonte da maioria dos empreendimentos estudados até o momento (GAIGER, 2003).

Diante dessa contradição, decorrente, sobretudo, da dialética entre a teoria e a prática, essas concepções e princípios, para alguns autores, representam “outro modo de produção” e uma alternativa ao sistema capitalista: “A Economia Solidária é ou poderá ser mais do que mera resposta à incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os membros da sociedade desejosos e necessitados de trabalhar. Ela poderá ser o que em seus primórdios foi concebida para ser: uma

alternativa superior ao capitalismo” (SINGER, 2002 p. 112). Porém, esse entendimento tende a não ser visto como problematizações ou hipóteses revisáveis, e sim como respostas seguras e tranquilizadoras, fazendo uso de posições e juízos definitivos (GAIGER, 2003).

Já para outros autores, representa uma iniciativa de construir práticas amenizadoras do não assalariamento, decorrente das transformações societárias em curso, para a subsistência de trabalhadores desempregados (BARBOSA, 2007):

O termo economia solidária já é em si objeto de controvérsia teórica na medida em que carrega duas imprecisões: uma, por supor segmentos diferenciados e autônomos de economia; outra por classificar a economia por uma categoria como a solidariedade, há muito tempo cara ao debate ético social e historicamente enraizado, mas profundamente questionável na sociedade capitalista [...] (BARBOSA, 2007 p. 21).

Diante dessa discussão teórica, o que se observa é que as práticas de Economia Solidária vêm demonstrando na maioria das experiências a não efetividade de suas dimensões cooperativa, autogestionária e solidária. Refere-se à dificuldade no desenvolvimento dos princípios da Economia Solidária, já que esta está inserida em um contexto em que se tem a hegemonia do modo de produção capitalista, e as relações sociais a partir dessa realidade se baseiam na individualidade, no consumismo e no espetáculo, conforme anteriormente referido. Ao mesmo tempo, a própria estabilidade e as condições de trabalho nesses empreendimentos solidários tornam-se ameaçadas55.

55 Ver BARBOSA (2007).

Sin duda, el apelo ideológico para fundamentar la unión solidaria es mucho fuerte, inequívoco y necesario. Sin embargo, ese apelo debe ser acompañado de un poco más de realismo, o sea, no se puede ingenuamente idealizar que eses movimientos estructurados en alguna de esas modalidades compongan una alternativa al modo de producción capitalista, o mismo que vengan a ser solución definitiva para los excluidos de los procesos formales (REIS; NASCIMENTO, 2008 p. 21)56.

Dados esses fatores, a Economia Solidária por sua vez, em seu estágio de desenvolvimento atual, acaba por representar muitas vezes expressões de desigualdade da questão social, na medida em que incorporam relações e condições de trabalho precário. Sua realidade, dessa forma, não condiz com uma solução definitiva para as mazelas do sistema capitalista.

[...] as iniciativas solidárias vivem um momento de ebulição, ao mesmo tempo que de debilidade. A todo instante, surgem novas organizações de crédito, troca e consumo solidário, além de notícias de avanços nas que já existiam, gerando um ambiente pródigo em encontros e projetos de cooperativas de crédito, bancos populares, moedas sociais, redes de troca, etc. Entretanto, salvo poucas iniciativas de maior porte ou relativa maturidade, esses mecanismos são experimentais: valem por seu significado intrínseco, não pelo seu impacto (GAIGER, 2003 p. 2005).

Mesmo que essas iniciativas gerem trabalho e renda àqueles sujeitos em situação de vulnerabilidade social, não produzem impacto, tanto no que tange à economia de um modo geral como na efetiva melhora das próprias condições de vida dos trabalhadores. Estudos57 vêm demonstrando a fragilidade dessas experiências e como elas geram renda ainda de forma incipiente.

Por outra via, cabe referir e problematizar que, diante do surgimento dos empreendimentos, em um cenário em que prevalecem a precarização do trabalho, a minimização do Estado e, consequentemente, a desregulamentação dos direitos sociais, os trabalhadores conseguem se organizar, mesmo que em condições

56 Sem dúvida, o apelo ideológico para fundamentar a união solidária é muito forte, inequívoco e

necessário. Contudo, esse apelo deve ser acompanhado de um pouco mais de realismo, ou seja, não se pode ingenuamente idealizar que esses movimentos estruturados em alguma dessas modalidades componham uma alternativa ao modo de produção capitalista, ou mesmo que venham a ser solução definitiva para os excluídos dos processos formais (tradução livre da autora).

57Existem estudos que aprofundam os conhecimentos relativos à Economia Solidária, demonstrando

de forma mais densa como se dá essa contradição. Ver: NASCIMENTO (2009); GOERCK (2009); BARBOSA (2007).

precárias. Isto é, por mais que o capital se utilize dessas experiências e o próprio Estado fomente-as de forma paliativa, não se pode negar a resistência dos próprios trabalhadores.

Nessa contradição, compreende-se então a Economia Solidária como algo dinâmico que acompanha o movimento histórico, não sendo possível condicionar o seu futuro. Quando se colocam as experiências de Economia Solidária apenas no patamar de “servidão ao capitalismo”, nega-se a capacidade de transformação dos sujeitos que as integram, reforça-se a centralidade do capitalismo, mesmo que esta seja inegável.

Assim, a efetividade de tais dimensões deve ser considerada a partir da realidade na qual estão inseridas essas experiências cooperativas e solidárias. Os aspectos e princípios da Economia Solidária devem ser entendidos como a expressão teórica de comportamentos tendenciais, e não como madura manifestação do que efetivamente existe na realidade (RAZETO, 1993).