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A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO FÍSICA QUE PERPASSOU OS CURRÍCULOS PRESCRITOS NOS PRIMEIROS REGIMENTOS

1 AS ORIGENS DO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UEPA

1.3 A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO FÍSICA QUE PERPASSOU OS CURRÍCULOS PRESCRITOS NOS PRIMEIROS REGIMENTOS

A concepção de Educação Física, adotada nos três primeiros currículos prescritos para o Curso ofertado pela Escola Superior de Educação Física, revela os diversos interesses políticos, sociais e econômicos daquele contexto. Se de um lado coadunava-se com os interesses do Estado, sob os auspícios da ditadura militar que governou o país após o golpe militar de 1964, por outro, satisfazia os espíritos nacionalistas e patrióticos criados pelo próprio regime. A Educação Física esportivizada servia como vitrine de um governo que se pretendia forte e soberano, idealizado por um Estado autoritário, em sintonia com o modelo de ordem e de progresso desejado pelos militares.

Com a apresentação, nos currículos prescritos da década de 1970, de um predomínio na carga horária das disciplinas da área desportiva (em torno de 55%) e biológica (em torno de 22%), em detrimento de disciplinas voltadas para a formação pedagógica (em torno de 7%) e para uma pequena ingerência de disciplinas nas áreas de humanas (em torno de 11%) e científicas (em torno de 2%), demonstrando ênfase no enfoque técnico-desportivo e biológico, fica comprovada uma concepção de Educação Física competitivista, com o predomínio de uma formação de cunho tecnicista, direcionada à formação de profissionais treinadores, vinculados à prática do rendimento e à performance desportiva (ver anexos 9 a 14).

Estes desenhos curriculares projetavam a Educação Física e seu profissional num cenário sedutor, que é o das competições, o dos jogos, o das olimpíadas. Basta lembrar que no campo ideológico mundial, a guerra fria mantinha em campos opostos os Estados Unidos da América e (ex) União das Repúblicas Soviéticas que, dentre outras coisas, se rivalizavam nos esportes, sobretudo na ginástica olímpica. O ocidente lia o espetáculo da ginástica feita no leste europeu e demais países de orientação socialista, a partir da técnica e da dedicação do atleta e de seu instrutor em favor do esporte e da nação em detrimento dos interesses pessoais e

individuais. Falava-se de perfeição e de superação de obstáculos sem levar em consideração as diferenças concretas nas condições de ensino-aprendizagem, de investimentos e de políticas públicas voltadas para educação.

Nesta perspectiva, a Educação Física se projeta como importante elemento para a formação de indivíduos cidadãos, afinados com a idéia nacional de superação e de desenvolvimento. A lição a ser ministrada é a de que a competição e a superação individual dos obstáculos são fundamentais para a vida. Estes valores elementares se constituem nos objetivos a serem alcançados. Por este prisma esportivista e competitivista é que a sociedade moderna avaliará e validará a Educação Física.

Ora, se de um lado o currículo do Curso de Educação Física se manifesta no caráter desportivo que o caracteriza na prática, por outro se observam que tais práticas não se sustentam sem a intervenção de novos saberes. É neste sentido que se analisa a vinculação da prática da Educação Física ao avanço científico nas áreas da Fisiologia do Esforço, da Biomecânica, do Treinamento Desportivo etc. A ginástica, o treinamento, os jogos recreativos, ficam submetidos ao desporto de elite e o desporto de alto nível é o paradigma para toda a Educação Física.

Conforme Fensterseifer (1999, p. 9), com a subordinação da Educação Física ao Esporte, destacou-se o papel assumido pela técnica e também os princípios que o determinam, como os princípios da sobrepujança e das comparações, a seleção dos mais habilidosos, a especialização visando canalizar todos os esforços para um esporte e a instrumentalização corporal na busca incessante de ganhos de performance. O mesmo autor afirma que “as instituições de ensino superior, [...] superdimensionavam o saber técnico e as capacidades físicas em seus currículos, utilizando-os, inclusive, como critério seletivo para ingresso em seus cursos” e que a formação teórica dos profissionais era limitada aos “aspectos técnico-instrumentais, o que, via de regra, os mantinha afastados das discussões mais amplas travadas na escola e na própria sociedade”.

Betti (1988, p. 130) afirma que, como resultado do currículo mínimo, originou- se “um currículo balizado pela esportivização e bastante superficial” e que “sob este currículo expandiram-se os Cursos Superiores de Educação Física na década de 1970. [...]”. Diz ainda que “a formação inadequada dos recursos humanos foi um dos

fatores mais importantes que levaram a uma crise profunda da Educação Física Escolar ao final do período”.

Esta concepção ia ao encontro da proposta de um “Brasil - Potência”, e a Educação Física contribuiu através do esporte como um dos sustentáculos ideológicos do Estado. Caberia à Educação Física elevar os níveis de aptidão física da população, fornecer campeões que pudessem fazer a propaganda do governo e também atuava como pacificador dos movimentos sociais. Num período em que era importante o clima de desenvolvimento e prosperidade, com a eliminação das críticas internas e dos movimentos estudantis, o binômio Educação Física/Esporte passou a contribuir para desviar a atenção das questões sócio-políticas e contribuir para a construção do modelo de corpo apolítico (CASTELLANI FILHO, 1988; GHIRALDELLI, 1991).

Nesse sentido, pode-se afirmar que, a concepção de Educação Física, que norteou o currículo prescrito nos primeiros regimentos, revelou as ações e interesses do Estado, bem como as capacidades dos indivíduos, como sujeitos sociais em diferentes contextos, de ressignificar estas concepções com vistas a atender às necessidades locais e, desse modo, interagir com as diversas situações do cotidiano, seja para ratificar a ordem vigente, ou para criticá-la.

2 AS REFORMAS CURRICULARES IMPLANTADAS NO