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Essa representação que ocorre na tele-aula representa uma possível visão ideológica das instituições que estão por trás do projeto Telecurso 2000, ou seja, Fundação Roberto Marinho – FRM, Federação das Indústrias de São Paulo – FIESP, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI/SP e do Serviço Social da Indústria – SESI.

A função social dos empresários nesse projeto do Telecurso 2000 está direcionada ao desenvolvimento da concepção de educação/aprendizagem. Ao investirem na área da educação, estará movimentando um processo em cadeia em vários setores da sociedade, garantindo aumento da produção, da renda, o que contribuirá, assim, para a melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores. Para os empresários, investir em educação irá capacitar melhor o indivíduo para o trabalho. Assim, numa visão capitalista do mercado de trabalho, ao investirem na educação e na qualificação desses jovens e adultos, estão investindo, por tabela, em si mesmos, ou seja, na melhoria e aumento da produção e, conseqüentemente, no crescimento de seus lucros.

Além dessa concepção capitalista, passaremos a discutir agora a questão ideológica, através de alguns elementos, principalmente, aqueles que se encontram presentes no contexto do projeto Telecurso 2000. Trata-se de um fenômeno histórico-social decorrente do modo de produção econômico. A ideologia propriamente dita ocorre quando não aparece sob a forma do mito, da religião e da teologia, portanto, surge quando encontramos as idéias voltadas aos interesses do homem, família, escola, ciência, etc.

A partir dessa concepção de ideologia, a origem dos homens, da sociedade, da política e, encontra-se nas ações humanas, compreendidas como manifestações da consciência ou das idéias. Desse modo a sociedade apresenta-se dividida em classes sociais antagônica vivendo numa constante luta de classes, tendo uma imagem que permite a unificação e a identificação social através de uma língua, uma religião, uma pátria, um Estado ou mesmo pelos seus costumes.

Aproximando esse conceito de ideologia, ao contexto escolar e, conseqüentemente às tele-aulas de matemática, nota-se que o indivíduo está inserido à realidade da máquina de produção social, panorama este, que ele deve desenvolver, de forma perfeita e articulada. Mascarando ou não a realidade, trata-se de processar a sua totalização, incorporando cada indivíduo ao seu interior, de modo que não haja opositores ao sistema. Nesse caso, esse sistema estaria representado pelo sistema capitalista aos quais os idealizadores dos projetos estão ligados.

Ao compreender-se a ideologia como expressão de interesses e como a falsificação da realidade com vistas ao “controle social”, percebe-se que, a estrutura social dominante constitui-se como “aparelhos ideológicos” para a manutenção do poder.

Nessa concepção, Bourdieu/Passeron (1975) estabelecem a função da escola como uma produtora de células sociais, com a função de transformar cada indivíduo, cada possibilidade de uma subjetividade singular numa célula reprodutora da ideologia da máquina de produção. Assim, mais importante que as funções de justificativa e legitimação que a ideologia escolar apresenta, é a sua função material, que produz indivíduos em série e programados para o preciso funcionamento da estrutura social.

Nas tele-aulas de matemática, esta visão ideológica está fortemente ligada aos interesses capitalistas e podem ser percebidos quando analisamos os objetivos da Iniciação Profissional, presentes nos documentos do Telecurso 2000, segundo a Fundação Roberto Marinho – FRM, que são: compreender o papel do cidadão/profissional dentro da sociedade e do mercado de trabalho e conhecer os instrumentos e mecanismos para o exercício mais pleno desse papel; compreender o funcionamento do mercado de trabalho e as formas de ingresso neste mercado; compreender e incorporar os conceitos de qualidade e produtividade no trabalho e sua importância para o profissional e para a empresa; contribuir para a compreensão das relações de trabalho e contribuir para a formação de novas atitudes e procedimentos relativos à saúde, segurança e higiene no trabalho.

Diante dessa realidade, podemos levantar um questionamento:

- Quem é esse cidadão profissional?

Esse sujeito seria criado sob os parâmetros ideológicos contidos nos objetivos da Iniciação Profissional do Telecurso 2000 citados acima. Assim, esse profissional seria moldado a assumir as formas que interessam as estruturas sociais desse sistema capitalista,

compreendendo que seu papel já está definido na estrutura social e cabendo a ele apenas assumi-lo, adequando-se ao mercado de trabalho e desenvolvendo os conceitos de qualidade e produtividade, devem obedecer as relações no trabalho além de ser capaz de desenvolver atitudes saudáveis, higiênicas e de redução nos acidentes de trabalho para não gerar despesas ao sistema.

O projeto Telecurso 2000 é formado por um conjunto de procedimentos educativos voltados para o ensino de jovens e adultos, que pretende trabalhar a idéia de Ensino à Distância – EAD e, para isso utiliza-se dos espaços virtuais do saber. A Fundação Roberto Marinho – FRM, em parceria com alguns órgãos governamentais de vários Estados do Brasil, implantou o projeto Telecurso 2000 como política pública para a solução do problema da defasagem de ensino dos alunos jovens e adultos. Assim, alguns projetos foram desenvolvidos pelo país, como, por exemplo, o da “EJA” na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo que foi desenvolvido tendo como base a metodologia do Telecurso. Desse modo, as questões ideológicas contidas nas fitas de matemática do Telecurso 2000 são, também, propagadas pelas Secretarias de Educação que dela fazem uso. Vê-se aqui o papel do Estado contribuindo para a massificação de valores ideológicos sobre os educandos jovens e adultos, no sentido de manter a estrutura social dominante, como estruturas de opressão.

Nessa tele-aula, as concepções ideológicas acabam criando um distanciamento entre as classes sociais, ou seja, institui-se uma dicotomia entre dominantes/dominados. Nesse sentido, os sujeitos que têm acesso ao conhecimento “escolar” passam a assumir o papel de dominantes, ditando as regras da estrutura social que interessam ao sistema. Segundo D’AMBROSIO (2001, p. 77), a matemática dominante caracteriza-se:

por um instrumento desenvolvido nos países centrais e muitas vezes utilizado como instrumento de dominação. Essa matemática e os que a dominam se apresentam com postura de superioridade, com o poder de deslocar e mesmo eliminar a “matemática do dia-a-dia”.

Os sujeitos que não dominam o conhecimento escolar, acabam servindo aos interesses sociais dos grupos que representam o sistema, dessa forma, se inferiorizam nas relações sociais e mantêm uma postura de não questionar o que lhe é mostrado como verdade.

Como educadores, movemo-nos constantemente nesta tensão entre a produção e a imposição de uma verdade única e o surgimento de múltiplas verdades. Nas escolas, às vezes, oferecemos como realidade as interpretações dominantes. Nós mesmos falamos em nome da verdade ou em nome da realidade e enunciados imperativos como “a verdade é a

verdade” ou “a realidade é a realidade” são demasiado freqüentes em nossas bocas. Os aparatos educacionais e culturais nos quais trabalhamos são também, juntamente com os meios de comunicação de massa, lugares de produção, de reprodução, de crítica e de dissolução disso que chamamos verdade e disso que chamamos realidade. (LARROSSA, 2004, p.163), Essa classe social chamada de “dominante”, representa a minoria na nossa sociedade, enquanto que a grande maioria é formada pelos sujeitos “dominados”. Assim, o conhecimento matemático veiculado nessa tele-aula passa a representar mais um instrumento manipulador das classes sociais dominantes.

Também, no discurso presente entre as personagens, o poder ideológico é tão forte que a matemática ensinada é identificada como um conhecimento “pronto” e “acabado”. Ocorre aí uma valorização da ideologia da aceitação, do conformismo, ou melhor, do “não” questionamento. A tele-aula de matemática nº. 30 mostra essa concepção, nas seguintes passagens:

Cliente: - Ih, minha gente, não precisa ficar esquentando a cabeça com isso aí, não. Não tem nada de errado com isso aí.

Cliente: - Ih, gente, então “tá” na hora de colocar a “Matemática” em ação, viu! Cliente: - Todo mundo que tem telefone paga uma assinatura de R$ 0,61 centavos por mês e vocês não são exceção, certo? Vocês também tem que pagar.

A fala dessa personagem representa a “visão” do conhecimento escolar, ou seja, a fala da escola, onde somente o conhecimento institucionalizado deve ser propagado pelas células reprodutoras da máquina de produção. Qualquer outro tipo de conhecimento que não o “escolar”, se propagado, estaria fugindo à ordem da estrutura social. Então, esse processo, deve instaurar, no aluno, uma concepção mecânica na qual ele seria programado para o preciso funcionamento da estrutura social escolar. Assim, o aluno, nesse processo, não iria se contrapor ao sistema.

Segundo os documentos da FRM – Fundação Roberto Marinho, - sobre a matriz curricular do Telecurso 2000, os eixos temáticos devem priorizar a problematização e a construção do sujeito pensante, que se percebe, conhece seu entorno e nele interfere, descobre-se produtivo e vive sua condição de cidadão. Analisando o discurso presente nessa tele-aula, percebe-se que, na realidade, o que acontece é muito contraditório às prioridades

pretendidas pela FRM. Assim, acabamos tendo uma repetição dos conceitos ideológicos tradicionais de submissão ao sistema e total controle do indivíduo.