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Concepções de avaliação presentes no SARESP

No documento IRANÉIA LOIOLA DE SOUZA (páginas 48-54)

Para que possamos compreender como o SARESP se apresenta no cenário avaliativo atual, parece-nos fundamental observá-lo à luz de algumas concepções de estudiosos do assunto e de sua própria apresentação.

O SARESP foi criado em 1996, com a finalidade de verificar o rendimento escolar de alunos dos ensinos fundamental e médio em diferentes componentes curriculares (História, Geografia, Ciências, etc.).

Nos últimos anos, porém, o Sistema centrou-se na avaliação das habilidades de leitura e escrita. Até 2002, a avaliação era amostral, ou seja, apenas algumas séries eram avaliadas anualmente. A partir de 2003, passou a ser censitária, isto é, todas as séries passaram a ser avaliadas.

O SARESP conta com uma assessoria externa especializada em avaliação. Embora diversas empresas já tenham prestado serviço ao Sistema de Avaliação, não houve, no entanto, mudanças drásticas quanto à sua configuração. Comumente, são utilizados diversos textos para se avaliar as habilidades em leitura. No ensino fundamental, Ciclo II, a prova conta, geralmente, com trinta questões que visam diagnosticar habilidades diferentes.

Quanto à sua proposta, a palavra de ordem é melhoria da qualidade da

Educação. Ao analisarmos documentos sobre o SARESP, deparamo-nos com

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trabalho educacional no Estado de São Paulo. Alguns itens são veementes quanto à intenção de se utilizar os dados obtidos para se suplantar as dificuldades detectadas pela avaliação.

Não temos por objetivo contestar a validade de tais informações e nem tampouco colocar dúvidas sobre o efetivo desejo de tornar a educação do Estado avaliado melhor, em especial no que se refere à competência leitora, mas, como esboçamos no início deste capítulo, analisar alguns itens do que propõe o SARESP, bem como sua estrutura, nos fará entender melhor como é concebida a leitura nesse Sistema.

Iniciamos por indagar em que tipo de avaliação pode se inserir o SARESP, haja vista que uma avaliação pode se apresentar como diagnóstica, somativa ou formativa.

A avaliação diagnóstica, segundo Haydt (2003), refere-se ao levantamento de dados no início de um período, curso ou unidade de ensino. A somativa, com função classificatória, relaciona-se à coleta de dados e posterior classificação de alunos para uma série ou unidade subseqüente. A avaliação formativa, por sua vez, tem por objetivo a obtenção de dados que auxiliem o professor, e o próprio educando, a perceber os avanços e as dificuldades durante o processo de ensino e aprendizagem.

Parece ser esse último tipo a forma mais adequada quando o assunto é o ato de avaliar. Ao utilizar dados do próprio processo de aprendizagem do educando, o avaliador pode criar mecanismos de superação das dificuldades, contribuindo para o conseqüente progresso educacional do aluno. Nesse tipo de avaliação, os erros não são vistos como um entrave à aprendizagem, mas como parte do processo, e, ao serem trabalhados adequadamente, servem de âncora para construção de novos conhecimentos.

Para podermos entender em que tipo de avaliação o SARESP se insere, tendo em vista os três tipos mencionados, faz-se necessário que recorramos tanto ao que se declara sobre essa Avaliação quanto à sua própria estrutura avaliativa, o que inclui a coleta e divulgação de dados.

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Em princípio, parece-nos difícil definir o SARESP, já que, aparentemente, há uma contradição entre discurso e prática. Segundo a cartilha

Conheça o SARESP: condições de adesão das redes municipal e particular,

publicada pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (2004),

o principal propósito do SARESP é obter indicadores educacionais que possam subsidiar a elaboração de propostas de intervenção técnico- pedagógica, visando corrigir possíveis distorções detectadas no sistema de ensino e melhorar sua qualidade. O SARESP constitui, dessa forma, uma espécie de bússola para a orientação das escolas participantes.

O objetivo do SARESP parece claro: fornecer informações aos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem com o intuito de melhorar a qualidade educacional. Entretanto, desde que foi implantado, em 1996, até o momento, apresentou algumas mudanças quanto à forma de direcionar seus levantamentos, com conseqüente implicação à sua concepção de avaliação.

Embora se posicione como uma avaliação que visa utilizar, exclusivamente, seus dados para a promoção do processo de ensino e aprendizagem, o que a tornaria formativa por excelência, em 2001, de acordo com o caderno SARESP 2002, volume 1, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (2002:11), essa Avaliação serviu como principal referência para professores e

escolas nas tomadas de decisão quanto ao encaminhamento desses alunos13 para a continuidade de estudos ou para a recuperação de férias. Assim, fica evidente, ao

menos naquele ano, o caráter classificatório dessa avaliação.

Apesar de se colocar hoje teoricamente de maneira diferente, é evidente que ao longo do processo, no decorrer dos anos, ou não tinha definido seu pressuposto teórico norteador de avaliação, ou, se o tinha, mudou. O certo é que não manteve desde o princípio uma uniformidade de concepção. Isso é significativo quando se trata de uma avaliação da magnitude do SARESP e com o objetivo que

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possui, pois, por ser uma bússola para a orientação das escolas participantes, seria importante ter bem claro, desde o início, seu pressuposto avaliativo para que as escolas também pudessem direcionar seu trabalho de forma coerente.

Ao abordar as concepções e práticas de avaliação dominantes em instituições escolares, Sousa (2000:35) postula que, de modo geral, os pressupostos que embasam a avaliação nesses segmentos pouco têm contribuído para a

construção de uma escola de qualidade para todos e, por isso, devem ser

retomados. Isso indica que é fundamental ter bem definido o pressuposto teórico norteador de uma avaliação como a do SARESP, que se coloca como guia do processo educacional, pois caso contrário, pode-se simplesmente continuar perpetuando a visão que grande parte da rede pública já possui sobre avaliação: instrumento de legitimação de quem pode ou não ser promovido.

Cremos ser relevante mencionar a forma como o SARESP apresenta os resultados obtidos pelas escolas. Não há uma classificação direta dos alunos, fator que levaria à exclusão dos que não conseguem demonstrar o domínio das habilidades elencadas pela prova, mas uma comparação do desempenho das escolas, individualmente, em relação à Diretoria à qual esta pertence, Coordenadoria de Ensino do Interior ou Estadual14.

Isso, indubitavelmente, causa uma busca por resultados. No senso comum, ninguém quer ficar para trás , ninguém quer estar em situação desfavorável em relação aos demais. Ao fazer menção aos modelos de avaliações externas, implantados pelo Ministério da Educação e Secretarias Estaduais, Sousa (2000:43) adverte que esse tipo de avaliação estimula a competição entre as instituições

educacionais e no interior delas.

Aparentemente, estimular a competição pode ser visto como algo positivo no sentido de gerar qualidade. Mas não devemos nos esquecer de que a competição, também, gera exclusão. O desejo de estar em situação semelhante às demais escolas pode implicar uma busca desordenada por resultados, com conseqüências à aprendizagem dos alunos que possuem ritmos diferentes; já que,

14 As escolas do Estado de São Paulo são vinculadas a Diretorias de Ensino, que se responsabilizam pelo

processo educacional dentro de uma região. Essas Diretorias, por sua vez, ligam-se a órgãos mais amplos, as Coordenadorias.

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na busca pelo sucesso , pode-se começar a visar apenas ao conteúdo a ser trabalhado, a uma hierarquia de excelência, segundo Perrenoud (2000b), negligenciando-se as necessidades reais de sujeitos também reais.

Ainda concernente à comparação dos resultados das escolas em relação aos obtidos pelos órgãos aos quais estão ligadas, um outro aspecto nos aponta o tipo de avaliação em que o SARESP se insere, embora não se assuma como tal. Esse se refere aos padrões avaliativos empregados.

A avaliação da aprendizagem utiliza basicamente dois tipos de padrões avaliativos: absoluto e relativo. A avaliação baseada no padrão absoluto é chamada de avaliação referente ao critério e a baseada em padrões relativos é denominada avaliação baseada em normas. Depresbiteris (1995:68) esclarece:

A avaliação baseada em critérios verifica o desempenho do aluno com relação a objetivos, sendo mais apropriada, portanto, ao processo de ensino-aprendizagem, e a avaliação baseada em normas tem a finalidade de verificar a posição de um aluno com relação ao grupo, sendo mais apropriada a um sistema de seleção, de classificação.

No caso do SARESP, tendo em vista sua forma de expor os dados esses são enviados às escolas em forma de planilhas que visam demonstrar o número de acertos dos alunos e o desempenho geral de cada escola em relação à Diretoria de Ensino a que pertence, Coordenadoria de Ensino a que está vinculada e sua posição geral na rede estadual entendemos que, embora o Sistema se apresente como uma avaliação de cunho formativo, ao se buscar o real sentido de sua prática, seus pressupostos , mostra-se, na verdade, classificatória, pois não avalia suas escolas em relação ao atendimento dos objetivos propostos, mas, sim, em relação à sua posição quanto aos resultados obtidos pelas demais escolas, no conjunto da Diretoria, Coordenadoria, etc. Isso é bem sério, pois, como adverte Perrenoud (1986), ao praticar uma avaliação normativa, a escola estará contribuindo para reforçar as desigualdades.

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Notamos, assim, que o SARESP possui não só um caráter fomentador da classificação, como seu pressuposto norteador parece, também, ser classificatório. Há de se ressaltar que é justamente esse tipo de avaliação que tem suscitado mais questionamentos por parte de especialistas no assunto. Para muitos, essa forma de avaliação é excludente, uma vez que visa apenas selecionar, deixando para trás aqueles com ritmos de aprendizagem diferentes do que é exigido pela escola. Isso vai contra a idéia, hoje sustentada por documentos norteadores, de que a educação deve pautar-se pelo compromisso com a inclusão escolar e social de todos. Assim, a função primordial da avaliação não deveria ser classificar e, sim, formar.

Ao pensarmos a leitura dentro desse contexto, nos questionamos sobre como essa é vista. Será que o objetivo é diagnosticar o nível de leitura de nossos alunos no intuito de fazê-los posteriormente avançar ou simplesmente usar essa modalidade como recurso de verificação? Tememos que a resposta aponte para a segunda alternativa, já que uma concepção ultrapassada de avaliação pode subentender uma concepção também ultrapassada de leitura, haja vista tratar-se do mesmo contexto situacional. Isso, porém, só pode ser efetivamente verificado durante a análise da leitura constante da prova do SARESP.

Por outro lado, conjecturando que o SARESP não tivesse um caráter classificatório o que macula seu status de auxiliador da aprendizagem, tendo em vista o que está subentendido na classificação o simples fato de se colocar como uma avaliação a serviço da melhoria da educação não confere a ela tal intento. O problema relativo à qualidade educacional norteada por políticas avaliativas não é tão simples quanto parece. Ainda mais quando se refere a uma avaliação com a dimensão do SARESP, em que milhares de alunos, de toda uma rede pública e agora também privada são avaliados.

Ao se buscar avaliar com vistas à melhoria da qualidade educacional, alguns problemas se apresentam. Um dos entraves tem a ver com concepções que, quando analisadas detidamente, permitem perceber equívocos em determinadas abordagens. Percebemos alguns desses equívocos ao buscarmos entender as noções referentes à teste, medida e avaliação.

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No documento IRANÉIA LOIOLA DE SOUZA (páginas 48-54)